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Com mundo de olho
no Brasil pelos eventos esportivos, São Paulo vira palco de manifestações
contra aumento na tarifa do transporte público. Para especialista, grande
diferença social no país gera distorções no sistema.
A Prefeitura de São
Paulo convocou para a próxima terça-feira (18/06) uma reunião extraordinária do
Conselho da Cidade – órgão consultivo composto por diversos representantes da
sociedade civil – para discutir a questão do transporte público na capital
paulista. Integrantes do Movimento Passe Livre (MPL), que organizou os recentes
grandes protestos contra o aumento das passagens, foram convidados a participar
do encontro e "explicar suas propostas e visões para o setor",
segundo a prefeitura.
Desde que as
tarifas do transporte público foram reajustadas em 20 centavos de real (subindo
de 3 reais para 3,2 reais), no dia 2 de junho, quatro grandes protestos
ganharam as ruas de São Paulo. O mais violento deles aconteceu no centro da
cidade na quinta-feira passada e reuniu, segundo os organizadores, 15 mil
pessoas – de acordo com a Polícia Militar (PM), foram apenas cinco mil.
Manifestantes ocuparam as principais vias do centro. Eles foram reprimidos com
violência pelas forças policiais, que usaram gás lacrimogêneo e balas de
borracha na ação.
Na sexta-feira, o
governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, defendeu a PM. "É dever da
polícia proteger a população, garantir o direito de ir e vir, [o direito do]
comércio abrir, preservar o patrimônio público e o patrimônio privado",
disse Alckmin, rebatendo críticas de que a polícia fez uso de repressão
violenta. Ele afirmou ainda que a Corregedoria da Polícia Militar está apurando
os episódios de violência durante as manifestações.
Ao todo, mais de
200 pessoas foram detidas. Na quinta-feira, quatro foram presas em flagrante
acusadas de formação de quadrilha, incitação ao crime e dano ao patrimônio
público. Entre detidos e feridos estão vários jornalistas.
Protestos em apoio
aos manifestantes paulistas foram registrados em outras grandes cidades, como
Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba e Niterói. Manifestações em pelo menos
27 cidades de diferentes países do mundo estão sendo organizados.
Dada a preocupação
com o início da Copa das Confederações, que começa neste sábado, o ministro dos
Esportes, Aldo Rebelo, garantiu que os protestos não irão afetar o evento.
“O mundo perceberá
que o Brasil não dispõe apenas dos direitos, mas também dos instrumentos
capazes de conter qualquer tipo de abuso, seja por parte das manifestações ou
da repressão”, afirmou Rebelo.
"Possível
excesso policial"
A Prefeitura de São
Paulo alega que o reajuste ficou abaixo da inflação acumulada desde janeiro
2011, quando houve o último aumento. Em coletiva à imprensa na quinta-feira, o
prefeito Fernando Haddad reafirmou que o reajuste será mantido. Ele disse ainda
que "São Paulo está acostumada a manifestações, mas a cidade não aceita a
forma violenta de se manifestar e de se expressar".
No entanto, o
prefeito admitiu um "possível excesso da força policial". A atuação
da polícia também foi alvo de críticas do Ministério da Justiça e da Secretaria
de Direitos Humanos.
Há seis anos,
Raphael Tsavkko Garcia, 28 anos, participa do movimento contra o aumento do
preço de passagens. Durante essa semana ele fotografou e gravou os protestos.
"A brutalidade da polícia só foi crescendo. A ação de ontem [quinta-feira]
foi desproporcional e brutal, sem qualquer tipo de provocação", disse
Tsavkko à DW Brasil. "Foi um verdadeiro pânico, não tinha como
fugir".
Alguns
manifestantes foram flagrados destruindo lojas e incendiando ônibus, o que
gerou muitas críticas ao movimento. Segundo Tsavkko, porém, as cenas de
vandalismo foram cometidas apenas por um grupo isolado. Ele garante que a
maioria dos manifestantes foi às ruas protestar de forma pacífica.
O operador do
mercado financeiro Marcel Bari, 25, também compareceu aos protestos. Na
quinta-feira, ele filmou a ação da tropa de choque contra um grupo de
manifestantes desarmados. "A violência se entendeu por todo o centro
durante horas. O intuito ali era reprimir as pessoas. Eles [os policiais] não
estavam somente pensando em dispersar", contou Bari. Até a manhã deste
sábado, o vídeo feito por ele já havia sido compartilhado por quase cem mil
pessoas.
Jornalistas feridos
Profissionais da
imprensa que acompanhavam as manifestações também acabaram atingidos – pelo
menos 17 jornalistas ficaram feridos e outros três foram presos. A repórter
Giuliana Vallone, da TV Folha (veículo da Folha de São Paulo), foi atingida por
uma bala de borracha no rosto e precisou ser internada em um hospital. Em seu
perfil no Facebook, a jornalista contou que, enquanto filmava a manifestação,
foi ameaçada por um policial.
"Não vi
nenhuma manifestação violenta ao meu redor, não me manifestei de nenhuma forma
contra os policiais, estava usando a identificação da Folha e nem sequer estava
gravando a cena. Vi o policial mirar em mim e no querido colega Leandro Machado
e atirar", relatou Giuliana.
Em nota divulgada
na tarde desta sexta-feira, a Federação Nacional dos Jornalistas
responsabilizou as autoridades públicas federais, estaduais e municipais pela
"gravidade da repressão policial" registrada na cidade. "Além da
tentativa de criminalização do direito constitucional de livre manifestação, as
inadmissíveis agressões e prisões de jornalistas no exercício de suas funções
requerem uma ação imediata de interrupção de tais atentados à democracia e
punição dos responsáveis por tais atos", traz a nota.
Em entrevista à DW
Brasil, o presidente da Fenaj, Celso Schröder, disse que o que se viu em São
Paulo na última quinta-feira pode ser comparado a um cenário de guerra.
"Do nosso ponto de vista, foi uma violência desnecessária e,
principalmente, inaceitável no que diz respeito às agressões aos
jornalistas", avaliou. "As imagens são muito claras e demonstram
agressões a jornalistas claramente identificados. Portanto, não foi uma ação
ocasional."
A Associação
Nacional de Jornais também se manifestou por meio de nota. "A ação
policial extrapolou o rigor cabível em ações voltadas à manutenção da
ordem", afirmou o órgão.
Além dos 20
centavos
Para Marcel Bari, o
protesto vai além do aumento de 20 centavos de real nas passagens. “[Pagar]
3,20 reais pelo péssimo transporte público que a gente vê em São Paulo... não
tem como a gente continuar aceitando isso calado”, afirmou.
Queixas sobre a má
qualidade do transporte público nas grandes cidades brasileiras são antigas.
"Os protestos demoraram a aparecer, esse processo deficitário do sistema
vem de longa data", avaliou o pesquisador Pastor Willy Gonzales Taco, da
Universidade de Brasília.
Ele lembra que nas
grandes cidades do mundo o transporte público é usado por pessoas de todas as
classes. Mas, no Brasil, os principais usuários são pessoas de baixa renda – e
isso, na visão do pesquisador, causa uma distorção do serviço. Diante das
grandes diferenças sociais no país, a parcela da população que depende do
transporte público gasta parte significativa do orçamento familiar com o
pagamento de passagens. "O custo nas grandes capitais é altíssimo",
disse Gonzales Taco, doutor em Engenharia de Transportes.
Na visão dele, três
fatores levaram à atual situação do transporte público brasileiro: políticas
públicas de incentivo à aquisição de carros; domínio de algumas empresas no
mercado e que impossibilitam entrada de concorrentes internacionais; e falta de
participação da sociedade nos processos decisórios.
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