Henrique Monteiro –
Expresso, opinião
Nunca gostei muito
da data de 10 de Junho. Desde logo não há qualquer certeza de ser o dia em que
o grande Camões faleceu. Mas admitamos que sim, que foi mesmo nesse dia, em
vésperas de Filipe II de Espanha, (I de Portugal) ser aclamado rei. Será essa a
razão para a assinalarmos?
A verdade é que
ninguém lhe ligou nenhuma até ao final do século XIX. Por estranho que vos
pareça, o próprio Camões foi relativamente desprezado até ao século XIX. Nessa
altura (1880), os republicanos, para celebrarem o "esplendor de
Portugal" organizaram umas monumentais comemorações do épico português.
Sobrou dessas comemorações a estátua que está no Largo com o mesmo nome, ali
entre o Chiado e o Bairro Alto.
Mas nunca foi
feriado. Até ao 5 de Outubro de 1910, quando se tornou dia de descanso, sim,
mas em Lisboa, apenas, para recordar essa grande jornada popular camoniana (e
republicana, uma vez que se partia do princípio que a monarquia portuguesa não
estava à altura da epopeia dos portugueses, dessa história grandiosa que apenas
os republicanos resgatariam).
Foi Salazar que
tornou o 10 de Junho uma data nacional. Como dia de Portugal, de Camões e da
Raça (argh!!!! Como se houvesse outra raça que não fosse a raça humana). O 10
de Junho, que já servira uma pequena mentira, passou a servir uma mentira maior.
Aproveitou-se, então, para dar condecorações (coisa que se mantém até hoje),
nomeadamente aos heróis da guerra colonial.
O 25 de Abril
retirou a "Raça" e pôs-lhe as "Comunidades", porque as
remessas de emigrantes se tinham tornado uma fonte de receita muito apetecível.
Retirou as comemorações do Terreiro do Paço e fê-las itinerantes, pelo país
fora. De resto, mantém-se o modelo: um discurso de Sua Excelência o venerando
Chefe do Estado e outro de um patriota nomeado para o efeito.
O 10 de Junho é um
mito e os maus mitos fazem má história. A verdade é que a glória portuguesa do
passado não foi, se calhar, tão gloriosa; a verdade é que a miséria do presente
não é, se calhar, tão miserável. A verdade é que por muitos 10 de Junhos que me
enfiem pela goela abaixo, eu continuo a achar que os desígnios nacionais não
existem senão na pluralidade da opinião dos portugueses; a verdade é que, por
muitos 10 de Junhos que me façam engolir, continuo a não entender o que é o
interesse nacional senão como a bissetriz de interesses diversos. E continuo a
detestar discursos como os que já ouvimos este ano: que o Brasil vai
ajudar-nos; que Angola é muito importante para nós. Eu não quero a ajuda do
Brasil nem de Angola. Eu quero que o Brasil e Angola (e todos os outros países
do mundo) sintam interesse em Portugal pelas qualidades de Portugal (pelo
esforço de portugueses, pelo trabalho de portugueses) e vejam que podem ter
benefícios para eles, brasileiros e angolanos, investindo aqui (afinal a
fábrica que mais faz pela nossa economia é alemã e só cá está porque interessa
à VW). Não é ajuda que se pretende, são interesses comuns.
Ao mesmo tempo, não
há - não pode haver! - história comum que permita lavar dinheiro sujo de
qualquer país (refiro-me concretamente a Angola). Entre o dinheiro sujo de um
país lusófono e o dinheiro limpo de um país nórdico, nem o Camões me faz
hesitar.
O 10 de Junho serve
para exaltar (como se diz) as qualidades dos portugueses. Pois deixem-me dizer
que os portugueses hão de ter certas qualidades que neles prevalecem porque lhe
vêm do espaço comum, da língua comum, dos lugares comuns que todos, os que por
aqui nasceram, partilhamos. Mas eu não quero que me "10 de Junhem"! As
minhas afinidades não são obrigatoriamente maiores em nome do Cartão do Cidadão.
Cada vez mais, todos nós, somos cidadãos do mundo.
Eis uma coisa
radical que aprendi na juventude e nunca reneguei. Ao contrário de uns
políticos de pacotilha, que continuam a raciocinar pelos parâmetros dos velhos
republicanos ou dos salazaristas. Não tenho orgulho especial em ser português.
Não vejo nisso nada de excecional em relação a ser Chinês, Francês, Inglês,
Brasileiro, Moçambicano ou Neo-Zelandês. Temos uma história comum, muitos de
nós somos parentes. Isso não nos torna melhores nem piores. Nem que nos 10 de
Junhem a todos!
Sem comentários:
Enviar um comentário