segunda-feira, 10 de junho de 2013

NÃO ME “10 DE JUNHEM”

 


Henrique Monteiro – Expresso, opinião
 
Nunca gostei muito da data de 10 de Junho. Desde logo não há qualquer certeza de ser o dia em que o grande Camões faleceu. Mas admitamos que sim, que foi mesmo nesse dia, em vésperas de Filipe II de Espanha, (I de Portugal) ser aclamado rei. Será essa a razão para a assinalarmos?
 
A verdade é que ninguém lhe ligou nenhuma até ao final do século XIX. Por estranho que vos pareça, o próprio Camões foi relativamente desprezado até ao século XIX. Nessa altura (1880), os republicanos, para celebrarem o "esplendor de Portugal" organizaram umas monumentais comemorações do épico português. Sobrou dessas comemorações a estátua que está no Largo com o mesmo nome, ali entre o Chiado e o Bairro Alto.
 
Mas nunca foi feriado. Até ao 5 de Outubro de 1910, quando se tornou dia de descanso, sim, mas em Lisboa, apenas, para recordar essa grande jornada popular camoniana (e republicana, uma vez que se partia do princípio que a monarquia portuguesa não estava à altura da epopeia dos portugueses, dessa história grandiosa que apenas os republicanos resgatariam).
 
Foi Salazar que tornou o 10 de Junho uma data nacional. Como dia de Portugal, de Camões e da Raça (argh!!!! Como se houvesse outra raça que não fosse a raça humana). O 10 de Junho, que já servira uma pequena mentira, passou a servir uma mentira maior. Aproveitou-se, então, para dar condecorações (coisa que se mantém até hoje), nomeadamente aos heróis da guerra colonial.
 
O 25 de Abril retirou a "Raça" e pôs-lhe as "Comunidades", porque as remessas de emigrantes se tinham tornado uma fonte de receita muito apetecível. Retirou as comemorações do Terreiro do Paço e fê-las itinerantes, pelo país fora. De resto, mantém-se o modelo: um discurso de Sua Excelência o venerando Chefe do Estado e outro de um patriota nomeado para o efeito.
 
O 10 de Junho é um mito e os maus mitos fazem má história. A verdade é que a glória portuguesa do passado não foi, se calhar, tão gloriosa; a verdade é que a miséria do presente não é, se calhar, tão miserável. A verdade é que por muitos 10 de Junhos que me enfiem pela goela abaixo, eu continuo a achar que os desígnios nacionais não existem senão na pluralidade da opinião dos portugueses; a verdade é que, por muitos 10 de Junhos que me façam engolir, continuo a não entender o que é o interesse nacional senão como a bissetriz de interesses diversos. E continuo a detestar discursos como os que já ouvimos este ano: que o Brasil vai ajudar-nos; que Angola é muito importante para nós. Eu não quero a ajuda do Brasil nem de Angola. Eu quero que o Brasil e Angola (e todos os outros países do mundo) sintam interesse em Portugal pelas qualidades de Portugal (pelo esforço de portugueses, pelo trabalho de portugueses) e vejam que podem ter benefícios para eles, brasileiros e angolanos, investindo aqui (afinal a fábrica que mais faz pela nossa economia é alemã e só cá está porque interessa à VW). Não é ajuda que se pretende, são interesses comuns.
 
Ao mesmo tempo, não há - não pode haver! - história comum que permita lavar dinheiro sujo de qualquer país (refiro-me concretamente a Angola). Entre o dinheiro sujo de um país lusófono e o dinheiro limpo de um país nórdico, nem o Camões me faz hesitar.
 
O 10 de Junho serve para exaltar (como se diz) as qualidades dos portugueses. Pois deixem-me dizer que os portugueses hão de ter certas qualidades que neles prevalecem porque lhe vêm do espaço comum, da língua comum, dos lugares comuns que todos, os que por aqui nasceram, partilhamos. Mas eu não quero que me "10 de Junhem"! As minhas afinidades não são obrigatoriamente maiores em nome do Cartão do Cidadão. Cada vez mais, todos nós, somos cidadãos do mundo.
 
Eis uma coisa radical que aprendi na juventude e nunca reneguei. Ao contrário de uns políticos de pacotilha, que continuam a raciocinar pelos parâmetros dos velhos republicanos ou dos salazaristas. Não tenho orgulho especial em ser português. Não vejo nisso nada de excecional em relação a ser Chinês, Francês, Inglês, Brasileiro, Moçambicano ou Neo-Zelandês. Temos uma história comum, muitos de nós somos parentes. Isso não nos torna melhores nem piores. Nem que nos 10 de Junhem a todos!
 

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