Gian Paolo Accardo –
Presseurop, editorial
“Isto é para vossa
segurança.” Quantas vezes ouvimos esta fórmula, nos últimos anos, para
justificar uma recusa, uma espera ou um entrave aos nossos movimentos? Ela
entrava as nossas vidas desde que foi declarado o “combate ao terrorismo”.
É também para “nossa”
segurança – na verdade, sobretudo a dos cidadãos dos Estados Unidos – que a
Agência de Segurança Nacional norte-americana espia as comunicações dos seus
cidadãos e a atividade on-line de centenas de milhões de pessoas no estrangeiro
(através do programa PRISM), com a
cumplicidade do Government Communications Headquarters
[quartel-general de informações do Governo britânico], como foi revelado pelos
jornais The Washington Post e The Guardian, num dos furos
jornalísticos mais importantes deste século. O problema é que tudo o que
envolve essas atividades está coberto de secretismo: são tribunais que
autorizam as escutas a eleitos que controlam os procedimentos.
Em democracia, as
distorções das liberdades só são admissíveis se os cidadãos concordarem, se
possível de maneira informada, e podendo exercer controlo, através de
organismos representativos. Se a maioria dos norte-americanos acredita que
abdicar da sua privacidade é um preço aceitável a pagar pela sua segurança, já os europeus não. Não só são
o principal alvo do programa PRISM, como não têm meios de controlo democrático
sobre as entidades que os espiam. Quanto ao consentimento, escusado será dizer
que não lhes foi solicitado.
Os riscos de abuso
são demasiado grandes para que possamos confiar nas boas intenções dos “grandes
ouvidos” do outro lado do Atlântico e do outro lado do Canal, e nas garantias
de que não abusarão do seu poder. E a ameaça terrorista não pode – tal como a
guerra perpétua da história de 1984 – servir continuamente de
pretexto, para justificar a manutenção de um dispositivo de espionagem global.
Torna-se difícil resistir à tentação de usar um tal dispositivo para outros
fins mais concretos, nomeadamente, a espionagem comercial.
É por isso crucial
que a União Europeia reveja o mais depressa possível a diretiva relativa à
proteção de dados pessoais e aprove o mais depressa possível a reforma dessa
legislação. Proposta em 2012, continua a ser objeto de negociações entre os
Vinte e Sete, que revelam grande dificuldade em encontrar um equilíbrio
satisfatório entre segurança e liberdade.
*Gian Paolo Accardo
é um jornalista italo-holandês, nascido em Bruxelas em 1969. Trabalhou como
redator no Internazionale e no Courrier International e como correspondente da
agência noticiosa italiana ApCom. É chefe de redação
adjunto da presseurop.eu. Tem uma ligação
no Twitter.
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