Pedro Marques Lopes
– Diário de Notícias, opinião
Longe vão os tempos
em que os GNR cantavam o Quero Ver Portugal na CEE. "Agora, que já lá
estamos, vamos ter tudo aquilo que desejamos", entoava Alexandre Soares.
Não faço ideia se músicas parecidas com esta foram feitas por essa Europa fora,
mas que para uma maioria significativa dos cidadãos dos países europeus isto
resumia na perfeição o chamado projecto europeu não restam dúvidas. Talvez os
desejos não fossem todos exactamente iguais. Para os países mais pobres seria
mais riqueza, para outros um menor risco de conflitos, para outros ainda a
consolidação da democracia. Mas, com maior peso de um ou de outro factor, eram
estas as dimensões principais para o apoio entusiástico ao projecto europeu dos
povos europeus.
Enquanto a Europa
fez jorrar ouro e mel, nem os cidadãos se mostravam atentos ao modo como estava
a ser construído o edifício europeu nem as instituições europeias se mostraram
particularmente interessadas em envolver os seus destinatários principais, os
cidadãos, claro está.
A verdade é que a Europa
foi sendo estruturada às escondidas dos cidadãos (cidadãos dos vários países,
ainda não existe de facto uma cidadania europeia). Tudo se ia passando, e
continua a passar--se, entre cimeiras e reuniões semi--secretas ou, pelo menos,
que ninguém conhece a utilidade ou objectivo. Os tratados e acordos eram
plasmados em documentos ilegíveis sem a mínima preocupação pedagógica. Os
políticos locais passavam mandatos inteiros sem abordar os problemas relevantes
com que a Europa se ia debatendo - os melhores exemplos são os do Presidente
Cavaco Silva, que passou cinco anos sem uma palavra sobre o tema e só há dois
anos se lembrou dos problemas europeus, o de Passos Coelho, que conseguiu fazer
uma campanha eleitoral, numa altura de profunda crise europeia, sem pronunciar
a palavra Europa, e de José Sócrates, que em seis anos de mandato não conseguiu
articular um discurso coerente sobre o tema - e se por acaso falavam era para
tentarem obter vantagens políticas locais.
Chegou-se ao
extremo de tirar aos cidadãos a possibilidade de se exprimirem através do voto
em matérias que só a eles dizem respeito, as de soberania. Não há outra maneira
de colocar a questão: a inexistência de referendos em matérias tão sensíveis
para uma comunidade como a capacidade de emitir moeda ou a transferência de
poderes até aí exclusivos do Estado nacional para instâncias internacionais são
momentos fundadores, em democracia só o povo os pode autorizar. Mas mesmo os
que puderam dar a sua opinião foram sujeitos a repetições de referendos e a
chantagens até que a sua vontade, já distorcida, agradasse aos poderes pouco,
para ser simpático, democraticamente instituídos.
O facto é que, aqui
chegados, ninguém se pode admirar que a maioria dos europeus tenha deixado de
acreditar no projecto europeu ou pelo menos se mostre profundamente descrente
na sua bondade, como demonstram estudos de opinião recentes. O projecto
europeu, ao não envolver os cidadãos na sua construção, desistiu de formar uma
verdadeira comunidade europeia - a maior desigualdade entre os povos que a
crise está a gerar vai dificultar ainda mais a construção de uma comunidade.
Fez depender esse projecto de tormentas económicas ou financeiras e, sobretudo,
tornou-o absolutamente vulnerável a erros no processo de construção do edifício
europeu que seria sempre lento e feito de avanços e recuos. A tolerância com os
nossos erros ou com aqueles com que colaboramos é infinitamente superior à que
temos com erros que nos afectam e em que não fomos tidos nem achados.
Os europeus
gostarão do projecto europeu enquanto este lhes garantir bem-estar e segurança.
Mas a maneira como a Europa foi construída não permite períodos menos bons ou
de sacrifícios: nós só aceitamos sacrificar-nos por algo que considerarmos
nosso ou de que sentimos fazer parte.
Não há projecto, em
democracia, que resulte sem que sejamos nós, cidadãos, as verdadeiras
locomotivas. E isto é tão-só política.
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