Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
Perante a
possibilidade dos estudantes fazerem um exame mais tarde (porque, como é
evidente, acabarão por ter de o fazer), Nuno Crato, em vez de negociar com
os professores o conteúdo das medidas que levaram a esta greve, tentou negociar
a própria greve. Mudava a data do exame de hoje se os professores se
comprometessem a não fazer mais greves.
Nuno Crato não
percebeu que o objetivo da greve é obrigar o governo a negociar, não a data dos
exames, mas as gravíssimas medidas que unilateralmente impôs aos professores e
aos funcionários públicos? Percebeu muito bem. Mas também percebeu que a
ansiedade dos estudantes e pais rende. E, à custa da do conflito, quer
ganhar uns pontos na sua popularidade. Não me espanta. Apesar de não o parecer,
Nuno Crato é um dos ministros mais politiqueiros deste governo.
Crato, com um coro
de comentadores que acham excelente o direito à greve desde que seja inócuo,
queixa-se da instabilidade que está a ser causada nas escolas. Querem
falar de instabilidade? Podemos falar da que ele próprio está a causar quando,
sozinho decidiu suspender o programa de matemática que comprovadamente
melhores resultados conseguiu nas escolas. Porque ele não gosta do programa e
longe vão os tempos em que o colunista Crato criticava o centralismo autoritário
do Ministério da Educação. Estamos a meio de junho e os professores de
matemática não sabem que programa vão dar para o ano. Ainda não há manuais e
logo se irá improvisar. Isto é a instabilidade que me preocupa porque sou dos
que pensam que a escola serve, antes de tudo, para ensinar. Só depois para
avaliar.
Instabilidade nas
escolas? Mas haverá maior instabilidade do que aquela que é causada pelo terror
que Crato espalhou nas escolas, com milhares de professores a desconhecerem em
absoluto quanto tempo faltará para que fiquem desempregados? Julgará o governo
que isso não se sente nas salas de aula?
O governo quer
falar do prejuízo para os estudantes? E que tal falarmos da redução de
verbas para alimentação de alunos desfavorecidos, que hoje experimentam a
fome na sala de aulas por causa da criminosa política de austeridade? Ou do aumento
do número de alunos por turma, que torna o acompanhamento aos estudantes com
mais dificuldades numa impossibilidade. Ou do ataque ao enriquecimento
curricular, que deixará milhares de famílias sem saber o que fazer aos seus
filhos quando estes saírem das aulas.
O governo quer
falar de prejuízos para a educação e para o País? E que tal falarmos dos 40%
de estudantes que, indo fazer os exames do 12º ano, já sabem que não querem
concorrer à Universidade? Um percentagem sem precedentes na nossa história
recente que se explica pelas dificuldades financeiras das famílias, incapazes
de comportarem os estudos por mais um ano que seja.
O governo quer
falar de ansiedade? Falemos da sua tentativa de adiar o pagamento dos
subsídios aos funcionários públicos, violando uma decisão do Tribunal
Constitucional e não permitindo que estes saibam se podem pagar dívidas, como
podem gerir o seu orçamento familiar ou se irão de férias.
Pode um governo que
espalha o medo, a ansiedade e a dúvida permanentes em toda a sociedade usar a
ansiedade de estudantes e pais por causa de um exame em seu favor? Pode.
Porque a hipocrisia não tem limites.
Por dever de
solidariedade com quem resiste à arbitrariedade, compreendo que entre o
risco do desemprego e um exame, os professores escolham defender o seu posto de
trabalho. Mesmo que isso me cause, como pai, ansiedade. Porque sei que os
prejuízos que este governo está a causar ao País e à Escola Pública são incomensuravelmente
superiores aos que sejam causados por esta greve. Porque sei que a escola que
Crato está a construir e aquela que ele está a destruir são assuntos bem mais
relevantes do que a data de um exame. Porque sei que a infinita
irresponsabilidade deste governo é bem mais destrutiva do que uma greve a um
exame.
Provavelmente Nuno
Crato vai conseguir, através do esquema de convocar todos os professores e
da redução drástica das exigências que sempre existiram para a vigilância
às provas, realizar, com uma pequeníssima minoria de professores que não adiram
à greve, muitos exames. A questão é se pode continuar a ser ministro com toda a
comunidade escolar contra ele.
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