Ana Sá Lopes –
Jornal i, opinião
A classe dos
professores também foi escolhida para as manobras sacrificiais
Mesmo entre alguns
professores e dentro do tradicional eleitorado da esquerda, a convocação da
greve para o dia dos exames causou, se não oposição imediata, mixed feelings.
Talvez por isto António José Seguro se tenha recusado sempre a responder
directamente quando foi interrogado sobre o facto da greve ter sido marcada
para o dia dos exames, e talvez também por isto o governo tenha pensado que
conseguiria vencer o braço-de- -ferro, levando os professores a desistirem ou,
em alternativa, a serem enxovalhados perante o tumulto da opinião pública.
Assim, o governo "ganhava" - e o governo precisa de ganhar alguma
coisa, porque está a perder tudo.
O ministro Nuno
Crato sobrevalorizou a dimensão do "ódio popular" que iria encurralar
os professores grevistas. É claro que até socialistas podem - como o fez
Francisco Assis, uma alegada esperança do PS - considerar "ignóbil a
convocação de uma greve de professores para o primeiro dia de exames
nacionais", comparando-a aos "médicos que decidissem fazer greves às
urgências hospitalares. Incompreensível, indigno, inaceitável". Mas, ao
contrário das expectativas do governo, a maioria da população não ficou em
estado de choque com os professores. Revê-se neles, partilha com a classe
docente uma acelerada perda de estatuto e a iminência do desemprego. Tal como
outros estratos sócio-profissionais - nomeadamente os restantes funcionários
públicos e os pensionistas - foi também escolhida pelo governo para as manobras
sacrificiais para credor ver e aplaudir. No caso dos professores, tudo é
agravado pela campanha contra a escola pública há anos levada a cabo por
iminentes intelectuais em que o ministro Crato se revê. Aliás, dentro do PSD e
do CDS existe uma séria e assumida corrente que defende o progressivo fim da
escola pública em favor da contratação com os privados. Mas hoje - mais do que
há quatro ou cinco anos - os portugueses tomaram consciência de que possuem
serviços públicos de excelência na saúde e na educação. E que todo este
adquirido (adquirido aos poucos e devagarinho desde 25 de Abril de 1974) corre
o risco de implosão em nome do cumprimento das exigências da troika e da agenda
do governo português que em muitos aspectos se confunde. De resto, o
legislador, quando decidiu o direito à greve, não a restringiu aos feriados e
dias santos e definiu serviços mínimos. O anúncio do governo de que vai mudar a
lei da greve (para a evitar?) não pode ser levado a sério. É mesmo só um sinal
de desespero.
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