António Marinho
Pinto – Jornal de Notícias, opinião
Luís Noronha
Nascimento deixou este mês (dia 12) a presidência do Supremo Tribunal de
Justiça e jubilou-se, ou seja, deixa de trabalhar, mas continua com todas as
regalias dos juízes no ativo, incluindo as remuneratórias. O trajeto que o
levou a presidente do STJ começou no início dos anos noventa. Primeiro
conquistou o sindicato dos juízes, depois o Conselho Superior da Magistratura
e, finalmente, o STJ.
Noronha Nascimento
é daquelas pessoas que não olha a meios para atingir os fins. Os seus
princípios estão orientados para os seus fins. Ideologicamente, é um
estalinista puro, ou seja um indivíduo que é capaz de fazer alianças com o
próprio diabo, se isso for útil ao que pretende. O seu granítico corporativismo
judicial é como que uma síntese entre Béria e Torquemada. Os direitos dos
cidadãos pouco interessam perante os privilégios dos juízes.
De uma ambição sem
limites, instrumentalizou o sindicato dos juízes e o próprio CSM. Muitos
acusam-no de, a partir do CSM, ter controlado o acesso ao STJ e, assim, ter
formado, com amigos seus, o colégio eleitoral que haveria de o eleger
presidente desse tribunal. O caso chegou a ser denunciado, mas sem quaisquer
consequências. Todos se calaram, ou melhor todos comentavam em privado, mas
publicamente agiam como se nada estivesse a acontecer, mostrando, assim, o que
é, desde há muitos anos, o principal (des)«valor» da nossa República
Democrática: a cobardia.
A sua ilimitada
vaidade levou-o a contratar, mal chegou a presidente do STJ, uma agência de
comunicação e a alterar o site do tribunal para aparecer, logo na abertura, em
lugar de destaque, a sua fotografia em pose provinciana de estadista. Enquanto
todos os outros tribunais mostravam aquilo que se procura no site de um
tribunal, o do STJ exibia a figura mefistofélica do seu presidente ladeado de
bandeiras.
Em encontros
promovidos por titulares de outros poderes de estado, Noronha Nascimento dava
sempre nas vistas pelo seu protagonismo de circunstância, normalmente exibindo
aos anfitriões uma cultura geral do tipo Reader's Digest. Essa vaidade pessoal
levou-o a degradar a própria dignidade de juiz, pois aceitou incumbências
incompatíveis com o seu estatuto funcional, designadamente a de representar, em
atos políticos no estrangeiro, titulares do Poder Político que ele poderia vir
a ter de julgar.
Mas foi a decisão
de mandar destruir as escutas de José Sócrates no processo «Face Oculta» que
levantou dúvidas sobre a sua imparcialidade como juiz, já que o suspeito era
nem mais nem menos o primeiro-ministro e líder da maioria política que
aprovara, contra toda a nossa tradição judicial, algumas medidas tão queridas
pelos conselheiros do STJ, nomeadamente a célebre «dupla conforme», ou seja, a
impossibilidade de se recorrer para o STJ da decisão do tribunal da relação que
confirme a decisão de primeira instância.
Portugal é dos
países que tem mais conselheiros, porque, no final dos anos oitenta, o atual
código de processo penal previa um recurso direto da primeira instância para o
STJ. Isso foi aproveitado pelos juízes para aumentar o número de conselheiros
de cerca de vinte para mais de setenta. Esse tipo de recursos acabou há muito,
mas os conselheiros mantiveram-se (como se mantém o subsídio de habitação do
tempo em que os juízes não podiam permanecer mais de seis anos no mesmo
tribunal). É certo que, devido à crise económica e financeira, Noronha
Nascimento só realizou parcialmente o binómio sindicalista de «menos trabalho e
mais dinheiro». Os juízes do STJ têm hoje muito menos trabalho do que tinham
quando ele foi eleito presidente e mantêm os seus principais privilégios.
Por outro lado, o
filho de Noronha Nascimento conseguiu, durante o tempo em que o pai foi
presidente do STJ, arranjar um emprego num organismo do Estado que dependia
diretamente de José Sócrates. Pode ser apenas coincidência, pode tudo ter
corrido dentro da mais estrita legalidade e normalidade, mas, até por isso,
Noronha Nascimento deveria ter-se recusado a apreciar o caso das escutas de
José Sócrates e, sobretudo, não deveria andar a fazer insistentes declarações
públicas sobre a irrelevância criminal de conversas telefónicas cujo conteúdo
as pessoas ignoram. É que a um juiz não basta ser honesto, é preciso parecê-lo.
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