terça-feira, 9 de julho de 2013

A SAGA AMERICANA – PARTE 1. O CONTROLO DOS RECURSOS (I)



Rui Peralta, Luanda

I - As sociedades actuais necessitam mais de matérias-primas e energia que em qualquer outro momento da História das sociedades humanas. O aumento do consumo mundial, a incorporação no sistema global de produção e de consumo de países densamente povoados, as inovações tecnológicas e a produção de mercadorias para consumo massivo, implicam a utilização crescente de matérias-primas e energia. A produção de automóveis, aviões, computadores, telemóveis e outros milhares de mercadorias-conceitos e mercadorias-ferramentas, incorporam metais como o ferro, o zinco, a prata, o crómio, cobalto, manganésio, lítio, platina, titânio, tungsténio, etc. A produção de um turborreator de avião, por exemplo, incorpora 39% de metais correntes, sendo os restantes em metais raros: 35% de titânio, 13% de crómio, 11% de cobalto, 1% nióbio e 1% de tântalo.
 
Manter o nível de produção e consumo das sociedades actuais requere assegurar fontes de abastecimento de recursos minerais e energéticos, geralmente concentrados em poucas áreas do planeta. USA, Japão e U.E. têm deficits estruturais em petróleo e minerais estratégicos. Os USA contam com 2% das reservas mundiais de petróleo e na actualidade produzem 9% do petróleo mundial, enquanto consome 26% do petróleo global e nele residam apenas 4% da população do planeta, 4% que consomem 45% da gasolina mundial e 26% do gás de todo o mundo. Já a U.E., que conta com 13% da população mundial, consome 21% do petróleo, 25% da gasolina e 20% do gás mundial. Dos 21 milhões de barris diários consumidos pelos USA, mais de metade é importado, proveniente da Arabia Saudita e Canada (35%), América Latina (33%) e OPEP (32%). As reservas petrolíferas norte-americanas duram 11 anos, mas se os USA consumissem apenas as suas reservas, estas não passariam dos 4 anos.

A dependência externa norte-americana é também evidenciada nos minerais: 100% a 90% do manganésio, crómio e cobalto, 75% do estanho, 61% do cobre, níquel e zinco, 35% do ferro e cerca de 15% do bauxite, consumida e utilizada pela indústria norte-americana são importados. A U.E. depende em cerca de 90% destes minerais, exceptuando o zinco, em que importa cerca de 75% das suas necessidades. A América Latina e o Caribe exportam para os USA cerca de 66% do alumínio, 50% do níquel e 40% do cobre.      

A América Latina fornece aos USA ¼ de todos os recursos minerais e energéticos de que estes necessitam. O território centro e sul-americano alberga ¼ dos bosques do planeta e nele reside 40% da biodiversidade mundial. As suas entranhas armazenam 1/3 das reservas mundiais de cobre, bauxite e prata, 27% de carvão, 24% de petróleo, 8& de gás e 5 % de uranio e as suas reservas aquíferas representam 35% da potência hidra-energética mundial e habitat de 12/% da população do planeta.

Os 12 países que compõem o mapa político da América do Sul são a residência de 360 milhões de pessoas, que se espalham por aproximadamente 17 milhões de quilómetros quadrados (quase o dobro dos USA).    Aqui localiza-se a Amazónia, um mundo de biodiversidade, que se estende por cerca de 7 milhões de quilómetros quadrados e composto por 56% dos bosques tropicais do planeta, que fornecem 40% do oxigénio mundial. É habitat de mais de 10 milhões de espécies e nas suas veias correm 6 mil bilhões de metros cúbicos de água por segundo.  

Em países como o Chile, e o Peru, encontram-se as maiores reservas mundiais de cobre, lítio e estanho. O Peru, por exemplo, é o terceiro produtor mundial de cobre, zinco e estanho, o primeiro em prata (possui 30& das reservas mundiais) e o quinto em ouro. Já o Chile é o primeiro exportador e produtor de cobre, representando cerca de 37% da produção mundial.

No contexto geopolítico e geoeconómico a América Latina, pela dimensão dos seus recursos naturais, é um ponto estratégico prioritário na luta pelo controlo dos recursos. Países como a Colômbia conhecem bem na pele o significado deste domínio. A Colômbia sofre uma guerra com mais de meio seculo, expressão da luta de camponeses contra latifundiários, mas também dos mais amplos sectores da sociedade colombiana contra a oligarquia que impõe o seu domínio através da subserviência aos USA, que vêm neste país não só abundantes riquezas minerais e florestais, mas também a potencialidade oferecida por este território, situado entre o sul e o centro do continente, ser o único da Sul-América que tem litoral nos dois oceanos (Atlântico e Pacifico) e que constituem um ponto vital na vigilância por satélite e nos sistemas aéreos de vigilância e agressão.     

II - Os USA procuram assegurar-se do controlo dos recursos da América Latina, num momento em que a sua hegemonia mundial é seriamente ameaçada. A evolução dos orçamentos militares norte-americanos podem-nos dar uma ideia do esforço norte-americano para manter a sua hegemonia: dos 280 mil milhões de USD em 2000, para os 680 mil milhões de USD em 2010, um orçamento superior aos gastos militares do resto do mundo e que numa década cresceu mais de 100%.

A importância geopolítica e geoeconómica da América Latina para os USA consiste nas reservas de recursos naturais e energéticos. As diversas “doutrinas” norte-americanas são sempre baseadas nesta condição: controlo dos recursos minerais e energéticos. Por exemplo a Doutrina Carter, a ultima base programática estratégica dos USA no tempo da guerra fria, enfatizava o fluxo petrolífero pelo Golfo Pérsico, dispondo a utilização de qualquer meio bélico que garantisse este fluxo até aos USA. Ainda que provindo da guerra fria e a Doutrina Carter ter sido abandonada á muito, este pressuposto mantem-se em vigência, pois o petróleo é mais importante do que nunca e a economia norte-americana depende em mais de 50% deste factor.

Este principia sagrado da segurança nacional dos USA foi ampliado por G.W. Bush, que o generalizou a qualquer linha de fluxo petrolífero. Em 2003 o chamado Informe Cheney, oficialmente o Acto de Politica Nacional de Energia (NEP), concebido durante a ocupação do Iraque, postulou a obrigatoriedade de controlar as fontes mais importantes de petróleo, a nível mundial, realçando o esforço que deve ser efectuado na manutenção da linha do Golfo Pérsico e no aumento das medidas de pressão para obter o controlo na região andina (Colômbia e Venezuela em realce), costa ocidental do continente africano (Angola, Guiné Equatorial, Mali e Nigéria) e no Mar Cáspio (Azerbaijão e Cazaquistão). O Informe Cheney diz textualmente que “os níveis crescentes (nestas 3 regiões) de produção e exportações são factores importantes que podem minorar o impacto de uma perturbação do aprovisionamento no Golfo Pérsico na economia dos USA.”

Na actualidade quando os USA lideram – depois de terem vendido e impingido o conceito ao resto do mundo – a “guerra contra o terrorismo” estão apenas a utilizar um eufemismo para ocultar a guerra mundial desencadeada em torno dos recursos. Isto sucede de forma muito concreta na Colômbia e no Uganda, para citar apenas dois exemplos. Quando em 2002 o Departamento de Estado dos USA refere que a guerrilha colombiana é um obstáculo á “satisfação das necessidades sociais, politicas e de segurança nacionais” estamos perante a determinação dos norte-americanos em aumentar a segurança nos oleodutos de Caño Limon-Corveñas, o que foi concretizado, com o envio de instrutores norte-americanos (e israelitas) e com o fornecimento de equipamentos, armas e meios aéreos ao exército colombiano. Aliás, muitos destes “instrutores” acompanhavam as unidades colombianas em operações de combate contra as guerrilhas, o que foi confirmado pela US News and World Report em Fevereiro de 2003. Gradualmente os USA converteram-se na parte principal da campanha “contra o narco-terrorismo” na Colombia, colocando em práctica o seu conceito de guerra prolongada, com a utilização das “forças locais”, o exército colombiano e as milícias paramilitares da extrema-direita e os “testa-de-ferro”, a oligarquia colombiana. 
  
Enfatizava o Informe Cheney, a importância do petróleo Latino-americano, sendo a Venezuela, o México e a Colombia, realçadas neste âmbito. Mas as declarações de diversos responsáveis políticos empresariais e militares norte-americanos, apontam a necessidade de controlo das fontes energéticas. Spencer Abraham, que foi Secretário da Energia na administração de G.W. Bush e é actualmente consultor para os assuntos energéticos da administração Obama, declarou que os USA não podem fracassar nesta guerra pelo controlo dos recursos, “essencial para a segurança nacional”. Pelo seu lado o Armed Forces Journal, uma revista mensal para oficiais e responsáveis da comunidade militar dos USA, no seu número de Agosto de 2006 refere: “Não haverá Paz! Em qualquer momento (…) haverá múltiplos conflitos em constante mutação por todo mundo. Os conflitos violentos prevalecerão na comunicação social, mas as lutas culturais e económicas serão as mais constantes e em última estancia as mais decisivas. O papel das forças armadas dos USA será em dias frentes: 1) manter a segurança para a nossa economia, onde quer que seja necessário e utilizando as formas mais adequadas, sem restrições, para melhor cumprir a sua missão e 2) manter aberto a nossa ofensiva cultural, essencial para o domínio sobre os recursos energéticos mundiais”. Esclarecedor (Em África este desígnio imperial está praticamente cumprido se atendermos á azafama que as elites africanas demonstram com tudo o que é USA -desde o presidente Obama á Boeing, passando pelo sabonete de leite para as Madames africanas - mesmo nas habituais birras de desacordo, que acabam sempre em sorrisos de agradecimento, quando o tio Sam e os papás da Casa Branca põem mais uns doces na boca dos meninos).

III - Vivemos todos, nações, povos, estados, comunidades, classes sociais, grupos socioprofissionais, famílias, indivíduos, do centro á periferia, num mundo traçado pela régua e pelo esquadro dos geógrafos do terror. Nestas terroríficas cartas geográficas da actualidade, a periferia ocupa um lugar primordial, em virtude de nela se concentrarem a maioria dos recursos necessários ao centro. Para enfrentarem as ameaças ao centro a partir das periferias (assoladas por novos ventos incertos), o Ocidente, através dos USA, proclamou uma guerra assimétrica e irregular contra a periferia, que foi reforçada e ampliada a todas as esferas da vida humana, mesmo no centro, depois do golpe institucional internacional de 11 de Setembro de 2001. 

O conceito de guerra expandiu-se em duas direcções: a primeira foi que a guerra já não é apenas um combate entre estados-nação, ou da nação contra o estado (no caso das guerras civis) e a segunda é respeitante á alteração do conceito de combate convencional. As facções do mercado ocidental venceram a guerra fria, derrotando a facção estatista e burocrática das elites resultantes da fase de acumulação do capital. O Ocidente aproveitou o desenvolvimento científico e tecnológico para impor o seu domínio global, livrando-se de eventuais competidores, ou tentando limitar á sua esfera, os que já estavam numa fase em que a sua eliminação tornava-se contraproducente para os mercados globais (caso da China).

O mapa do terror demarca uma grande zona turbulenta, de conflitos insondáveis e quase permanentes, correspondentes às áreas de maior concentração de recursos naturais. As intervenções Ocidentais nesta zona são realizadas em nome da governabilidade e da estabilidade, conceitos com os quais se ocultam os reais interesses estratégicos de domínio. A dinâmica desta geografia do terror é representada pelas modificações na periferia, com a desagregação das nações e a falência dos Estados periféricos, resultantes da integração nos mercados internacionais. 

Os ideólogos desenhadores da nova cartografia politica, esboçam nos seus traçados, uma guerra de um século, com as características dos conflitos persistentes, de longo prazo, de caracter total, que envolve as populações dos palcos operacionais. O novo Manual do Pentágono desenvolve uma nova concepção de operações, de “espectro completo”, compostas por acções ofensivas e defensivas, simultâneas, assim como a utilização múltipla de foças civis e paramilitares, em coordenação com os grupos especiais militares. Sobressaem as operações baseadas na guerra psicológica e na guerra de propaganda intensa e subliminar (a propaganda disfarçada de noticia, passada hora a hora nos serviços internacionais de noticiários. 
                        
Os combates nos actuais conflitos são cada vez mais travados “entre” as populações e já não em “torno” das populações, o que implica uma profunda alteração do papel do soldado e das formas como pode utilizar a força. As lutas tomam lugar em áreas de grande densidade populacional e os campos de batalha são cada vez menos definidos, mas sempre na periferia.

No fundo estamos perante uma nova forma de “mobilização total” mas já não feita no âmbito do impulso ideológico ou racial (como a teoria da mobilização total do estado alemão no período nazi, profundamente racialista, ou do estado fascista italiano da época de Mussolini, misto de apelo ideológico e racial, ou do estado soviético, em que o suporte da mobilização era ideológico, como acontecia na China durante o período de Mao, embora vagamente xenófobo apos a ruptura com a URSS, ou na actual Coreia do Norte, em que a sociedade vive em Estado de Mobilização Permanente, sob impulso ideológico, mas com o pano de fundo da xenofobia, como acontecia no regime de Pol Pot no Camboja). Esta nova forma de Mobilização Total funciona de forma idêntica á do mercado, através do impulso da propaganda (marketing e publicidade) e dos inputs da gestão do curto-prazo, de forma a captar as “mensagens aleatórias” e os “outputs” como acontece habitualmente nos mercados.
 
Isto é evidente em estruturas como o USSOUTHCOM (Comando Sul dos USA) e no AFRICOM, para citar apenas dois exemplos. O USSOUTHCOM é o organismo militar encarregue de toda a América Latina, desde o sul do México á Patagónia. É integrado pelo Exército Sul dos USA, baseado em Forte Sam, Houston, no Texas, pela Força Aérea Sul, na base Davis, no Arizona, pelo Comando das Forças Navais Sul dos USA, abrigada na base naval de Mayport, na Florida, pelas Forças Sul de Infantaria da Marinha dos USA (Marines), estabelecida em Miami, Flórida e pelo Comando de Operações Especiais Sul dos USA, baseado na base da Reserva Aérea de Homestead, também em Miami. Possui ainda três Forças de Tarefa Conjunta: a Bravo, baseada nas Honduras, na base aérea Soto Cano, a Guantánamo, em Guantánamo, Cuba e a Sul, baseada em Key West, Florida.

Os objectivos prioritários do USSOUTHCOM são: assegurar a defesa dos USA; fomentar a estabilidade do continente; impulsionar a prosperidade dos países Latino-americanos. Para atingir estes objectivos, o comando propõe-se combater (segundo o documento programático) “a pobreza, a assimetria social, a corrupção, o terrorismo, o tráfico de drogas, a criminalidade e os desastres naturais”. Mas não pensem que o documento de intenções do USSOUTHCOM omite os reais interesses e objectivos deste comando. O documento refere, explicitamente que três dos quatro principais fornecedores de energia aos USA encontram-se no hemisfério ocidental (Canadá, México e Venezuela)       e recorre a um estudo do CARE (Coalition for Affordable and Reliable Energy) que explica as necessidades acrescidas dos USA em mais 31% de petróleo e de 62% de gás natural, na próxima década, para concluir que á medida que os USA sentem maiores necessidades, as grandes reservas Latino Americanas assumem maior importância e que esse factor transformará a América Latina em líder mundial energético, desde que USA e América Latina trabalhem juntos e que os recursos naturais e as infraestruturas que os suportam sejam propriedade regional. Mais esclarecedor do que isto, não existe.

Historicamente os USA nunca abandonaram os objectivos preconizados no seculo XIX, num documento intitulado Destino Manifesto, onde reclamavam o domínio de todo o território a Sul do Rio Bravo.

(continua)

Fontes
Vega Cantor, René Colombia en la Geopolitica Imperialista http://www.rebelion.org
Egremy, Nidya Contrainsurgencia para el siglo XXI http://www.rebelion.org
Ruiz Tirado, Wladimir La tendencia militarista del imperio: uribismo y pentagonismo se dan la mano, http://www.rebelion.org
Johnson, Chalmers El imperio estadounidense de las bases, http://www.nodo50.org/.../imperio_bases.html
Modak,, Frida ¿Para qué 20 bases militares de EE.UU.?  http://www.nodo50.org
Zibechi,, Raúl Crisis militar en Sudamérica: Los frutos del Plan Colombia, http://www.cipamericas.org/es/archives/1417
Calle, Fabián  La crisis Venezuela-Colombia: las capacidades militares que esconden las palabras  http://www.nuevamyoria.com;
María Chiani, Ana Plan estratégico de Estados Unidos para América latina y el Caribe  http://www.observanto.com
Fernando Isaza Delgado, José y Campos Romero, Diógenes Algunas consideraciones cuantitativas sobre la evolución del conflicto en Colombia Revista de Economía Colombiana, No. 322, febrero de 2008
Otero Prada, Diego El papel de Estados Unidos en el conflicto armado colombiano. De la Doctrina Monroe a la cesión de siete bases militares Ediciones Aurora, Bogotá, 2010
Dieterich, Heinz Las guerras del capital. De Sarajevo a Irak, Editorial de Ciencias Sociales, La Habana, 2003

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