Rui Peralta, Luanda
I - As sociedades
actuais necessitam mais de matérias-primas e energia que em qualquer outro
momento da História das sociedades humanas. O aumento do consumo mundial, a
incorporação no sistema global de produção e de consumo de países densamente
povoados, as inovações tecnológicas e a produção de mercadorias para consumo
massivo, implicam a utilização crescente de matérias-primas e energia. A
produção de automóveis, aviões, computadores, telemóveis e outros milhares de
mercadorias-conceitos e mercadorias-ferramentas, incorporam metais como o
ferro, o zinco, a prata, o crómio, cobalto, manganésio, lítio, platina,
titânio, tungsténio, etc. A produção de um turborreator de avião, por exemplo,
incorpora 39% de metais correntes, sendo os restantes em metais raros: 35% de
titânio, 13% de crómio, 11% de cobalto, 1% nióbio e 1% de tântalo.
Manter o nível de
produção e consumo das sociedades actuais requere assegurar fontes de
abastecimento de recursos minerais e energéticos, geralmente concentrados em
poucas áreas do planeta. USA, Japão e U.E. têm deficits estruturais em petróleo
e minerais estratégicos. Os USA contam com 2% das reservas mundiais de petróleo
e na actualidade produzem 9% do petróleo mundial, enquanto consome 26% do
petróleo global e nele residam apenas 4% da população do planeta, 4% que
consomem 45% da gasolina mundial e 26% do gás de todo o mundo. Já a U.E., que
conta com 13% da população mundial, consome 21% do petróleo, 25% da gasolina e
20% do gás mundial. Dos 21 milhões de barris diários consumidos pelos USA, mais
de metade é importado, proveniente da Arabia Saudita e Canada (35%), América
Latina (33%) e OPEP (32%). As reservas petrolíferas norte-americanas duram 11
anos, mas se os USA consumissem apenas as suas reservas, estas não passariam
dos 4 anos.
A dependência
externa norte-americana é também evidenciada nos minerais: 100% a 90% do
manganésio, crómio e cobalto, 75% do estanho, 61% do cobre, níquel e zinco, 35%
do ferro e cerca de 15% do bauxite, consumida e utilizada pela indústria
norte-americana são importados. A U.E. depende em cerca de 90% destes minerais,
exceptuando o zinco, em que importa cerca de 75% das suas necessidades. A
América Latina e o Caribe exportam para os USA cerca de 66% do alumínio, 50% do
níquel e 40% do cobre.
A América Latina
fornece aos USA ¼ de todos os recursos minerais e energéticos de que estes
necessitam. O território centro e sul-americano alberga ¼ dos bosques do
planeta e nele reside 40% da biodiversidade mundial. As suas entranhas
armazenam 1/3 das reservas mundiais de cobre, bauxite e prata, 27% de carvão,
24% de petróleo, 8& de gás e 5 % de uranio e as suas reservas aquíferas
representam 35% da potência hidra-energética mundial e habitat de 12/% da
população do planeta.
Os 12 países que
compõem o mapa político da América do Sul são a residência de 360 milhões de
pessoas, que se espalham por aproximadamente 17 milhões de quilómetros
quadrados (quase o dobro dos USA). Aqui
localiza-se a Amazónia, um mundo de biodiversidade, que se estende por cerca de
7 milhões de quilómetros quadrados e composto por 56% dos bosques tropicais do
planeta, que fornecem 40% do oxigénio mundial. É habitat de mais de 10 milhões
de espécies e nas suas veias correm 6 mil bilhões de metros cúbicos de água por
segundo.
Em países como o
Chile, e o Peru, encontram-se as maiores reservas mundiais de cobre, lítio e
estanho. O Peru, por exemplo, é o terceiro produtor mundial de cobre, zinco e
estanho, o primeiro em prata (possui 30& das reservas mundiais) e o quinto
em ouro. Já o Chile é o primeiro exportador e produtor de cobre, representando
cerca de 37% da produção mundial.
No contexto geopolítico
e geoeconómico a América Latina, pela dimensão dos seus recursos naturais, é um
ponto estratégico prioritário na luta pelo controlo dos recursos. Países como a
Colômbia conhecem bem na pele o significado deste domínio. A Colômbia sofre uma
guerra com mais de meio seculo, expressão da luta de camponeses contra
latifundiários, mas também dos mais amplos sectores da sociedade colombiana
contra a oligarquia que impõe o seu domínio através da subserviência aos USA,
que vêm neste país não só abundantes riquezas minerais e florestais, mas também
a potencialidade oferecida por este território, situado entre o sul e o centro
do continente, ser o único da Sul-América que tem litoral nos dois oceanos (Atlântico
e Pacifico) e que constituem um ponto vital na vigilância por satélite e nos
sistemas aéreos de vigilância e agressão.
II - Os USA
procuram assegurar-se do controlo dos recursos da América Latina, num momento
em que a sua hegemonia mundial é seriamente ameaçada. A evolução dos orçamentos
militares norte-americanos podem-nos dar uma ideia do esforço norte-americano
para manter a sua hegemonia: dos 280 mil milhões de USD em 2000, para os 680
mil milhões de USD em 2010, um orçamento superior aos gastos militares do resto
do mundo e que numa década cresceu mais de 100%.
A importância
geopolítica e geoeconómica da América Latina para os USA consiste nas reservas
de recursos naturais e energéticos. As diversas “doutrinas” norte-americanas
são sempre baseadas nesta condição: controlo dos recursos minerais e
energéticos. Por exemplo a Doutrina Carter, a ultima base programática
estratégica dos USA no tempo da guerra fria, enfatizava o fluxo petrolífero
pelo Golfo Pérsico, dispondo a utilização de qualquer meio bélico que
garantisse este fluxo até aos USA. Ainda que provindo da guerra fria e a
Doutrina Carter ter sido abandonada á muito, este pressuposto mantem-se em
vigência, pois o petróleo é mais importante do que nunca e a economia
norte-americana depende em mais de 50% deste factor.
Este principia
sagrado da segurança nacional dos USA foi ampliado por G.W. Bush, que o
generalizou a qualquer linha de fluxo petrolífero. Em 2003 o chamado Informe
Cheney, oficialmente o Acto de Politica Nacional de Energia (NEP), concebido
durante a ocupação do Iraque, postulou a obrigatoriedade de controlar as fontes
mais importantes de petróleo, a nível mundial, realçando o esforço que deve ser
efectuado na manutenção da linha do Golfo Pérsico e no aumento das medidas de
pressão para obter o controlo na região andina (Colômbia e Venezuela em
realce), costa ocidental do continente africano (Angola, Guiné Equatorial, Mali
e Nigéria) e no Mar Cáspio (Azerbaijão e Cazaquistão). O Informe Cheney diz textualmente
que “os níveis crescentes (nestas 3 regiões) de produção e exportações são
factores importantes que podem minorar o impacto de uma perturbação do aprovisionamento
no Golfo Pérsico na economia dos USA.”
Na actualidade
quando os USA lideram – depois de terem vendido e impingido o conceito ao resto
do mundo – a “guerra contra o terrorismo” estão apenas a utilizar um eufemismo
para ocultar a guerra mundial desencadeada em torno dos recursos. Isto sucede
de forma muito concreta na Colômbia e no Uganda, para citar apenas dois
exemplos. Quando em 2002 o Departamento de Estado dos USA refere que a
guerrilha colombiana é um obstáculo á “satisfação das necessidades sociais,
politicas e de segurança nacionais” estamos perante a determinação dos
norte-americanos em aumentar a segurança nos oleodutos de Caño Limon-Corveñas,
o que foi concretizado, com o envio de instrutores norte-americanos (e
israelitas) e com o fornecimento de equipamentos, armas e meios aéreos ao
exército colombiano. Aliás, muitos destes “instrutores” acompanhavam as
unidades colombianas em operações de combate contra as guerrilhas, o que foi
confirmado pela US News and World Report em Fevereiro de 2003. Gradualmente os
USA converteram-se na parte principal da campanha “contra o narco-terrorismo”
na Colombia, colocando em práctica o seu conceito de guerra prolongada, com a
utilização das “forças locais”, o exército colombiano e as milícias paramilitares
da extrema-direita e os “testa-de-ferro”, a oligarquia colombiana.
Enfatizava o
Informe Cheney, a importância do petróleo Latino-americano, sendo a Venezuela,
o México e a Colombia, realçadas neste âmbito. Mas as declarações de diversos
responsáveis políticos empresariais e militares norte-americanos, apontam a
necessidade de controlo das fontes energéticas. Spencer Abraham, que foi
Secretário da Energia na administração de G.W. Bush e é actualmente consultor
para os assuntos energéticos da administração Obama, declarou que os USA não
podem fracassar nesta guerra pelo controlo dos recursos, “essencial para a
segurança nacional”. Pelo seu lado o Armed Forces Journal, uma revista mensal
para oficiais e responsáveis da comunidade militar dos USA, no seu número de
Agosto de 2006 refere: “Não haverá Paz! Em qualquer momento (…) haverá múltiplos
conflitos em constante mutação por todo mundo. Os conflitos violentos
prevalecerão na comunicação social, mas as lutas culturais e económicas serão
as mais constantes e em última estancia as mais decisivas. O papel das forças
armadas dos USA será em dias frentes: 1) manter a segurança para a nossa
economia, onde quer que seja necessário e utilizando as formas mais adequadas,
sem restrições, para melhor cumprir a sua missão e 2) manter aberto a nossa ofensiva
cultural, essencial para o domínio sobre os recursos energéticos mundiais”. Esclarecedor
(Em África este desígnio imperial está praticamente cumprido se atendermos á
azafama que as elites africanas demonstram com tudo o que é USA -desde o
presidente Obama á Boeing, passando pelo sabonete de leite para as Madames
africanas - mesmo nas habituais birras de desacordo, que acabam sempre em
sorrisos de agradecimento, quando o tio Sam e os papás da Casa Branca põem mais
uns doces na boca dos meninos).
III - Vivemos todos, nações, povos, estados, comunidades, classes sociais,
grupos socioprofissionais, famílias, indivíduos, do centro á periferia, num
mundo traçado pela régua e pelo esquadro dos geógrafos do terror. Nestas terroríficas
cartas geográficas da actualidade, a periferia ocupa um lugar primordial, em
virtude de nela se concentrarem a maioria dos recursos necessários ao centro.
Para enfrentarem as ameaças ao centro a partir das periferias (assoladas por
novos ventos incertos), o Ocidente, através dos USA, proclamou uma guerra
assimétrica e irregular contra a periferia, que foi reforçada e ampliada a
todas as esferas da vida humana, mesmo no centro, depois do golpe institucional
internacional de 11 de Setembro de 2001.
O conceito de
guerra expandiu-se em duas direcções: a primeira foi que a guerra já não é
apenas um combate entre estados-nação, ou da nação contra o estado (no caso das
guerras civis) e a segunda é respeitante á alteração do conceito de combate
convencional. As facções do mercado ocidental venceram a guerra fria,
derrotando a facção estatista e burocrática das elites resultantes da fase de
acumulação do capital. O Ocidente aproveitou o desenvolvimento científico e
tecnológico para impor o seu domínio global, livrando-se de eventuais
competidores, ou tentando limitar á sua esfera, os que já estavam numa fase em
que a sua eliminação tornava-se contraproducente para os mercados globais (caso
da China).
O mapa do terror
demarca uma grande zona turbulenta, de conflitos insondáveis e quase
permanentes, correspondentes às áreas de maior concentração de recursos
naturais. As intervenções Ocidentais nesta zona são realizadas em nome da
governabilidade e da estabilidade, conceitos com os quais se ocultam os reais
interesses estratégicos de domínio. A dinâmica desta geografia do terror é
representada pelas modificações na periferia, com a desagregação das nações e a
falência dos Estados periféricos, resultantes da integração nos mercados
internacionais.
Os ideólogos
desenhadores da nova cartografia politica, esboçam nos seus traçados, uma
guerra de um século, com as características dos conflitos persistentes, de
longo prazo, de caracter total, que envolve as populações dos palcos
operacionais. O novo Manual do Pentágono desenvolve uma nova concepção de
operações, de “espectro completo”, compostas por acções ofensivas e defensivas,
simultâneas, assim como a utilização múltipla de foças civis e paramilitares,
em coordenação com os grupos especiais militares. Sobressaem as operações
baseadas na guerra psicológica e na guerra de propaganda intensa e subliminar
(a propaganda disfarçada de noticia, passada hora a hora nos serviços
internacionais de noticiários.
Os combates nos
actuais conflitos são cada vez mais travados “entre” as populações e já não em
“torno” das populações, o que implica uma profunda alteração do papel do
soldado e das formas como pode utilizar a força. As lutas tomam lugar em áreas
de grande densidade populacional e os campos de batalha são cada vez menos
definidos, mas sempre na periferia.
No fundo estamos
perante uma nova forma de “mobilização total” mas já não feita no âmbito do impulso
ideológico ou racial (como a teoria da mobilização total do estado alemão no
período nazi, profundamente racialista, ou do estado fascista italiano da época
de Mussolini, misto de apelo ideológico e racial, ou do estado soviético, em
que o suporte da mobilização era ideológico, como acontecia na China durante o
período de Mao, embora vagamente xenófobo apos a ruptura com a URSS, ou na
actual Coreia do Norte, em que a sociedade vive em Estado de Mobilização Permanente,
sob impulso ideológico, mas com o pano de fundo da xenofobia, como acontecia no
regime de Pol Pot no Camboja). Esta nova forma de Mobilização Total funciona de
forma idêntica á do mercado, através do impulso da propaganda (marketing e
publicidade) e dos inputs da gestão do curto-prazo, de forma a captar as “mensagens
aleatórias” e os “outputs” como acontece habitualmente nos mercados.
Isto é evidente em
estruturas como o USSOUTHCOM (Comando Sul dos USA) e no AFRICOM, para citar
apenas dois exemplos. O USSOUTHCOM é o organismo militar encarregue de toda a América
Latina, desde o sul do México á Patagónia. É integrado pelo Exército Sul dos
USA, baseado em Forte Sam, Houston, no Texas, pela Força Aérea Sul, na base
Davis, no Arizona, pelo Comando das Forças Navais Sul dos USA, abrigada na base
naval de Mayport, na Florida, pelas Forças Sul de Infantaria da Marinha dos USA
(Marines), estabelecida em Miami, Flórida e pelo Comando de Operações Especiais
Sul dos USA, baseado na base da Reserva Aérea de Homestead, também em Miami.
Possui ainda três Forças de Tarefa Conjunta: a Bravo, baseada nas Honduras, na
base aérea Soto Cano, a Guantánamo, em Guantánamo, Cuba e a Sul, baseada em Key
West, Florida.
Os objectivos
prioritários do USSOUTHCOM são: assegurar a defesa dos USA; fomentar a
estabilidade do continente; impulsionar a prosperidade dos países
Latino-americanos. Para atingir estes objectivos, o comando propõe-se combater
(segundo o documento programático) “a pobreza, a assimetria social, a
corrupção, o terrorismo, o tráfico de drogas, a criminalidade e os desastres
naturais”. Mas não pensem que o documento de intenções do USSOUTHCOM omite os
reais interesses e objectivos deste comando. O documento refere, explicitamente
que três dos quatro principais fornecedores de energia aos USA encontram-se no
hemisfério ocidental (Canadá, México e Venezuela) e recorre a um estudo do CARE (Coalition for Affordable and
Reliable Energy) que explica as necessidades acrescidas dos USA em mais 31% de
petróleo e de 62% de gás natural, na próxima década, para concluir que á medida
que os USA sentem maiores necessidades, as grandes reservas Latino Americanas
assumem maior importância e que esse factor transformará a América Latina em líder
mundial energético, desde que USA e América Latina trabalhem juntos e que os
recursos naturais e as infraestruturas que os suportam sejam propriedade
regional. Mais esclarecedor do que isto, não existe.
Historicamente os
USA nunca abandonaram os objectivos preconizados no seculo XIX, num documento
intitulado Destino Manifesto, onde reclamavam o domínio de todo o território a
Sul do Rio Bravo.
(continua)
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