segunda-feira, 8 de julho de 2013

Portugal: O POTE




António Marinho Pinto – Jornal de Notícias, opinião

O que ocorreu em Portugal, durante a semana passada, com o chamado Governo da República, é bem ilustrativo da degradação a que chegaram as nossas instituições e da degenerescência moral que atingiu as lideranças políticas da Direita portuguesa. A sensação imediata que nos invade é a de que estamos a viver o enredo de uma Zarzuela medíocre interpretada por atores de muito baixo nível.

Aquele que era o principal pilar do Governo, o ministro das Finanças, conseguiu, finalmente, abandonar o barco, depois de constatar que ele mete água por todos os lados. Fê-lo, através de uma carta de demissão dirigida ao primeiro-ministro, que imediatamente tornou pública, numa atitude de falta de respeito (mesmo de desprezo) pelo seu destinatário. Soube-se, então, que o ministro Vítor Gaspar, o protagonista das políticas económicas e financeiras do Governo, o grande impulsionador e teorizador das medidas de austeridade que lançaram na pobreza e na miséria milhares de portugueses, já há mais de um ano que tentava sair, por verificar que essas medidas conduziriam Portugal e os portugueses ao desastre económico e social.

Que o ex-ministro Vítor Gaspar seja cobarde e irresponsável e fuja, não sendo normal, ainda se pode compreender, justamente porque fugiu. Mas que quem o escolheu e apoiou durante dois anos continue ao leme do barco como se não tivesse responsabilidade nenhuma na situação, isso é que já só demonstra a anomia cívica da sociedade e a incapacidade política de quem tem a obrigação de garantir o normal funcionamento das instituições democráticas.

Numa medida de aparente vingança contra Paulo Portas (já que a este se imputam as principais responsabilidades da partida de Vítor Gaspar), o primeiro-ministro nomeou para ministra de Estado e das Finanças a principal colaboradora do ministro fugitivo, apesar de ela própria estar atolada num gigantesco escândalo financeiro. Haveria muitas mais pessoas que poderiam ser nomeadas para o cargo, mas Passos Coelho sabia que nenhuma chatearia tanto o ministro Paulo Portas como a Senhora Maria Luís Albuquerque. Por isso a escolheu. A resposta não se fez esperar. Na manhã do dia da tomada de posse da nova ministra, o ministro Paulo Portas demitiu-se através de uma carta enviada ao primeiro-ministro e que imediatamente tornou pública. (As comadres das aldeias de Portugal, quando se zangam, fazem-no com mais recato e reserva do que os ministros deste Governo). Nessa carta Portas acusa Passos Coelho de optar por uma política de mera continuidade no Ministério das Finanças e que a escolha de ministra dos swaps não fora "cuidadosa" nem "consensual" mesmo depois de alertado para essa necessidade pelo próprio remetente. Sustentou que o seu contributo ao Governo tornou-se dispensável pela forma como o próprio Governo, "reiteradamente", tomava as suas decisões, frisou que continuar no Executivo seria um ato de dissimulação que não era politicamente sustentável e garantiu que a sua demissão era irrevogável.

No sábado à tarde, o país inteiro, atónito, ficou a saber que, afinal, a demissão de Portas já era revogável, que a sua continuação no Governo já se tornara sustentável e que já não constituía um ato de dissimulação. Bastou Pedro Passos Coelho dar-lhe uma parte maior do pote para imediatamente tudo se compor entre ambos.

Ficamos, pois, a saber que Portas tem a espinha dorsal de uma crisálida e que Passos Coelho é um incompetente sem qualquer capacidade de liderança política. Ficamos a saber que, para ambos, o que verdadeiramente importa são os interesses próprios e das respetivas clientelas que, cinicamente, escondem atrás do biombo do interesse nacional. Ficamos a saber que se odeiam reciprocamente e que só o pote os mantém coligados. Ficamos a saber que durante os últimos dois anos gastaram o tempo e parte significativa dos recursos públicos a intrigar e a conspirar um contra o outro, em vez de governarem. Ficamos a saber que tudo o que aconteceu foi apenas o primeiro ato de uma zarzuela de terror e que agora vai iniciar-se o seu segundo ato. Passos Coelho e Portas mostraram que não ter vergonha traz vantagens, mas não ter vergonha absolutamente nenhuma traz incomparavelmente mais vantagens.

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