quinta-feira, 11 de julho de 2013

A SAGA AMERICANA – PARTE 1. O CONTROLO DOS RECURSOS (II)




Rui Peralta, Luanda (ler parte anterior)

IV - O último relatório oficial sobre o número de bases militares norte-americanas foi apresentado em 2008 e elaborado pelo Pentágono. Naquele ano foram inventariadas 865 bases em 46 países, que albergavam 200 mil soldados. Actualmente, os que se dedicam a este assunto referem mil duzentas e cinquenta bases em mais de uma centena de países. Não existe qualquer confirmação ou desmentido oficial sobre este número e o Pentágono refere que apenas publicará novo inventário em 2018.

Na América Latina, os USA contam actualmente com 27 bases, oficialmente reconhecidas, às quais devem-se adicionar as seguintes bases que nunca são mencionadas nos relatórios oficiais do Pentágono, mas que surgem nos relatórios da CIA e da NSA: América Central - Base Comalapa em Salvador; Soto-Cano (também conhecida por Palmerola), nas Honduras, base na qual foi planeado o golpe que derrubou o presidente Zelalla; Base Libéria na Costa Rica, que depois de abandonada foi reactivada, recentemente. América do Sul - três bases no Peru, em local incerto; Base militar Mariscal Estigarribia, em Chaco, Paraguai, com capacidade para alojar 20 mil soldados, situada na tripla fronteira, na reserva aquífera de Guarani, a maior reserva de água doce do mundo. Caribe - Base de Guantánamo, em Cuba, utilizada, actualmente, como centro de tortura e campo de detenção; Base militar de Reina Beatriz, em Aruba e por ultimo a de Hatos, em Curazao. Temos assim 37 bases, mas ainda á que acrescentar as instaladas no Panamá (desconhecidas) e o número incerto de bases na Colômbia (os números oficiais referem 7 bases).  
  
As bases militares podem ser de quatro tipos: aéreas, terrestres, navais e de comunicação e vigilância. As instalações militares norte-americanas são repartidas em cinco unidades espaciais, ocupadas pelos 4 Comando Combatentes Unificados. Cada unidade espacial e cada comando unificado, está sob comando de um general. Partindo desta estrutura organizativa, os USA dividem, actualmente o mundo em vários comandos, a saber: Comando Norte, na base Paterson, da Força Aérea, no Colorado; o Comando do Pacifico, em Honolulu, Havai; o Comando Sul, em Miami, Florida; o Comando Europeu, em Estugarda, Alemanha; o Joint Forces Command, em Norfolk, Virgínia; os Comandos Operacionais Especiais, em McDill, base da Força Aérea, na Florida; o Comando de Transporte, na base da Força Aérea de Scott, Ilinóis e o Comando Estratégico, na base da Força Aérea de Offutt, no Nebrasca. 
 
Durante a administração Bush foi desenhada a estratégia contra o que foi designado por “Estados Canalhas” que formam um “arco de instabilidade” mundial, desde a zona andina, atravessando o norte de África, passando pelo Médio Oriente, até chegar as Filipinas e Indonésia. Este “arco de instabilidade” coincide com o “anel de petróleo”, outrora grande parte do que designavam de Terceiro Mundo. A instalação de bases militares foi reforçada em toda esta região. As bases contam com uma força militar activa, cujo número é variável consoante a natureza das missões a desempenhar e os níveis de segurança de cada zona e por núcleos permanentes dos serviços de inteligência, com grande capacidade operativa e tecnológica, com comando independente do militar e não sujeitos á sua ordem, sendo os militares obrigados á cooperação total com estes serviços e a prestarem-lhes todo o apoio solicitado. Algumas unidades especiais militares estão exclusivamente ao serviço dos núcleos de inteligência e reportam directamente às agências e não ao Pentágono.

Como escreveu Thomas Friedman, editorialista do New York Times, “a mão invisível do mercado não funcionará nunca sem o punho invisível”.

V - Para o “punho invisível” funcionar e cumprir a sua função de suporte á “mão invisível” (pobre Adam Smith, quantas voltas não daria no tumulo, se soubesse o que fizeram á “mão invisível” quando lhe atribuíram tamanho punho) é indispensável contar com uma rede mundial de bases, bem distribuídas em todos os continentes. As bases principais, de longo prazo, são colocadas em zonas com eixos de transporte rápido, onde se recolhe informação mundial, pontos de vigilância permanente, em que são cruciais as vastas operações de espionagem, simultâneas e de longa duração. Estas áreas permitem dispor de uma rede de comunicações interconectada, composta por aviões, helicópteros, transportes ferroviários, viaturas, viaturas de combate, barcos, submarinos, que contam com uma infraestrutura física essencial para o seu funcionamento, mediante o controlo de aeroportos, portos marítimos e fluviais, rede de estradas, autoestradas, rede ferroviária e centrais de telecomunicações. 

De importância similar são os porta-aviões, para as chamadas intervenções rápidas. Os USA contam actualmente com 12 porta-aviões, distribuídos por todos os mares do globo. A cada porta-aviões corresponde uma frota, constituída por diversos tipos de embarcações de superfície e submarinos. Cada porta-aviões transporta uma média de 50 aviões, capazes de realizar entre 90 a 170 ataques por dia. Todas as frotas são constituídas, para além dos submarinos, por torpedeiros, contratorpedeiros e dois cruzadores lança-mísseis. Para terem capacidade ofensiva terrestre, as frotas dos USA são completadas por forças anfíbias (os marines), compostas pelos três ramos do exército (cavalaria, infantaria e artilharia) e por grupos de operações especiais (comandos, ou forças especiais navais e aéreas, mas de intervenção terrestre).

As frotas são ainda complementadas por grupos de embarcações rápidas, constituídos pelos FSS (Fast Sealift Ships), em número de oito e pelos Roll on/Roll off em número de 20, dois grupos de deslocação rápida de tropas (Os FSS demoram18 dias, dos USA ao Golfo Pérsico). Estes grupos de suporte são ainda reforçados com mais 58 embarcação de diversos tipos e funções, para além de um número indeterminado de pequenas embarcações da Guarda Costeira. A capacidade aérea de suporte e transporte de tropas, veículos e equipamentos é reforçada pelos 134 enormes C-17 Globemaster.

Os USA utilizam quatro modelos de bases: Bases de grandes dimensões, com instalações militares completas, permanentemente ocupadas por efectivos militares (e famílias), modelos de bases-colónias, vitais para os longos processos de desculturação provocados pela guerra cultural; bases de médias dimensões, que contam com amplas instalações, ocupadas por forças que se renovam a cada semestre; bases pequenas, as CSL (Cooperative Security Locations), constituídas por pouco pessoal, mas de grande capacidade operativa em telecomunicações, informação e inteligência; por fim as micro-bases, locais de trânsito utilizados pela força aérea.     

VI - No que respeita ao seu objectivo de domínio, da parte central e sul do continente americano, a política norte-americana desenrola-se com base em três factores: o interesse vital para a sua economia em apoderar-se do petróleo da Venezuela (e agora das reservas do Brasil, daí este país dever dar mais atenção á politica social, para evitar dinâmicas internas de contestação social que se cruzem com as dinâmicas externas, uma fase critica das guerras de classe) e dos recursos naturais da região Andina-Amazónica; a pretensão de impedir processos de integração da América Latina que escapem ao seu controlo (como a ALBA); e por ultimo a necessidade de impedir processos de transformação na região que tenham como pano de fundo a reapropriação dos recursos, baseados no reforço das soberanias nacionais realizadas pelo aumento da capacitação das soberanias populares (estabelecendo um maior equilíbrio entre a representatividade e a participação directa).

Estes factores apresentam-se interligados, o que obriga os USA a analisarem cruzadamente os dados. É impossível para os USA controlarem o petróleo da Venezuela, caso não revertam o processo de transformação bolivariano, que reforça a soberania popular e a reapropriação dos recursos, logo reforça a soberania nacional. Mas para isso acontecer torna-se necessário intervir nos processos de integração regional, logo em impedir a concretização da ALBA.
 
Um estudo dos Serviços Geológico dos USA (NGS) calculou que a franja do Orinoco, na Venezuela, constitui uma reserva de 513 mil milões de barris, quase o dobro do petróleo da Arabia Saudita (cujas reservas são avaliadas em 266 mil milhões de barris). Estes dados fazem relevar a importância estratégica da Venezuela para os USA e implicam a ampliação dos “jogos americanos”. Por isso uma das tendências dominantes no complexo militar-petrolífero dos USA considera que para controlar o petróleo venezuelano é necessário o domínio directo sobre a Colômbia. O porta-voz principal desta tendência dominante, o senador republicano Paul Coverdale, um dos projectistas do Plano Colômbia, referiu, em 2000, a necessidade de dominar a Venezuela, partindo de um ponto dominado, a Colômbia, apetrechando este pais de forma a dominar, numa primeira fase o Equador, cortando os pontos de apoio á Venezuela e isolando-a, para depois, numa guerra prolongada, destruir gradualmente este país e estabelecer o domínio sobre os recursos petrolíferos venezuelanos.

Tudo isto poderia estar a ser dito da boca para fora, depois do senador ter tomado uns copitos (marijuana não deve fumar, atendendo a que é republicano, devendo preferir as beberragens texanas) se não tivesse sido recentemente ratificado pelo Comando Sul do Pentágono, que indica sem grandes rodeios, a necessidade de reforçar militarmente a Colômbia, neutralizando as guerrilhas, de qualquer forma, mesmo através de negociações politicas e partir para a desestabilização do Equador, com o objectivo de dominar a Venezuela.

VII - Nos objectivos geoeconómicos dos USA, são evidentes não apenas o controlo do petróleo Venezuelano e a supervisão das reservas brasileiras e equatorianas, mas também o gás da Bolívia, a água, a biodiversidade e os recursos florestais da Colômbia e do Brasil e de todos os recursos naturais da região andino-amazónica. Esse domínio apenas será possível se os países latino-americanos não se puderem integrar regionalmente e estabelecerem políticas e economias regionais, mercados regionais e estratégias regionais de desenvolvimento. A construção de uma estrutura confederativa que integrará os antigos territórios do império espanhol no continente americano, como forma de assegurar a sua prosperidade e soberania, é um objectivo histórico dos movimentos de libertação nacional da América Latinas, desde os seus primórdios (tal como aconteceu com os movimentos de libertação nacional em África e com o movimento operário na Europa). 
      
As políticas de integração e as intenções de unidade sempre falharam por uma questão muito simples: o capitalismo (entendido como o domínio do mercado pelos grupos que acumulam capital, em detrimento das relações sociais do mercado) só se pode desenvolver á escala nacional e os grupos detentores de capital nestes países do centro e do sul da América nunca ultrapassaram a estrutura oligárquica, ao contrário do que aconteceu aos seus congéneres do Norte (onde as relações sociais de mercado subsistiram e estiveram na causa imediata das respectivas independências, mantendo-se autónomas, até á segunda metade do seculo XX, não permitindo um controlo do mercado por parte dos grupos acumuladores de capital) que por isso desenvolveram as estruturas integradas dos USA e do Canadá.

Na última década os projectos de integração latino-americanos voltaram a constar na agenda de alguns países, impulsionados pelas transformações ocorridas na Venezuela, que assumiu um projecto bolivariano de transformação. Os novos projectos de integração foram plasmados na ALBA (Aliança Bolivariana para los Pueblos de Nuestra América), um projecto de unidade política, económica e cultural, o mais importante desde os tempos da Gran Colômbia. Para além da ALBA existem projectos de integração dos mercados, como o MERCOSUR (Mercado Comum do Sul) e a nível económico e politico como a UNASUR (União das Nações Sul-Americanas) e a CELAC (Comunidade de Estados Latino-americanos e do Caribe).

Todos estes projectos de integração, construídos no meio de muitas dificuldades e contradições internas, são mal recebidos por Washington, que coloca em campo os seus habituais lambe-botas locais, como no caso das Honduras, onde se perpetrou um golpe contra o presidente eleito, que tinha nas suas bases programáticas o objectivo de vincular o país á ALBA. O torpedeamento da integração é feito, também, através de regimes como o colombiano, que jogam um papel fundamental nas acções de Washington para impedir os projectos de integração. Por exemplo, a Comunidade Andina das Nações (CAN), foi atomizada quando, em 2006, a Colômbia e o Peru negociaram bilateralmente com os USA, o Tratado de Livre Comercio, sem consultarem os outros estados membros e violando todos os compromissos assumidos no âmbito da CAN.

Mas nem sempre estes meios de impedimento são diplomáticos, ou golpes institucionais. Em 2008 a Colômbia efectuou bombardeamentos em território equatoriano, alegando que ali se encontravam bases das FARC-EP, avisando que tornaria a realizar acções militares no Equador e na Venezuela, sempre que achasse necessário. Por outro lado, é frequente que os grupos paramilitares da extrema-direita colombiana penetrem em território equatoriano e venezuelano e aí realizem acções militares, para aterrorizarem comunidades indígenas, ou procurarem e executarem colombianos, refugiados nesses países.  
        
VIII - A administração Obama acusa os governos da Venezuela, Bolívia e Equador de múltiplos delitos. Estes países são acusados de “entorpecer” a luta contra as drogas, de refugiarem “terroristas”, de não respeitarem a liberdade de imprensa, de estarem em vias de transformar-se em regimes totalitários opostos á “livre empresa” e á “propriedade privada” e que impõem um “modelo politico populista”. Estas acusações, feitas e redigidas por altos responsáveis da administração Obama, fazem parte da guerra de quarta geração, que neste momento é travada na América Latina.

Neste tipo de guerra o governo norte-americano aparece á margem, dando a impressão de não estar envolvido nos acontecimentos, recorrendo a governos subordinados e a forças politicas subsidiadas (da extrema-direita á “esquerda”), para concretizarem as acções de agressão, de instabilidade politica e desestabilização interna nos países que sigam vias próprias de desenvolvimento. Nesta guerra irregular, não reconhecida e não declarada, mas tão mortífera e destrutiva como as guerras convencionais, todos os meios são utilizados e todas as instituições servem como factor de desestabilização. Por exemplo, quando a Colômbia acusou na ONU, Hugo Chávez e Rafael Correa de serem terroristas, estivemos perante uma dessas acções calculadas, por muito inverosímeis que possam parecer.
   
Outra das tácticas usadas na guerra de quarta geração são as grandes movimentações, como as Revoluções de Veludo, ou as Revoluções Laranjas, experimentadas na Europa de Leste (exemplo da Checoslováquia) e países da ex-União Soviética (Ucrânia e Geórgia, por exemplo) ou as mais agressivas e violentas, como a experimentada na Roménia, que levou á queda do fascizante socialismo á romena e ao fuzilamento da destruturada família do sapateiro Ceaucescu. Estas tácticas foram recentemente revistas e aperfeiçoadas nas primaveras Árabes da Tunísia e do Egipto e o modelo romeno foi revisto na agressão á Líbia, para ser reutilizado e readaptado na Síria e futuramente (talvez em modelo misto) no Irão.

Estas são operações políticas complexas, onde se cruzam as dinâmicas internas e externas, para que as dinâmicas sociais internas possam ser aproveitadas de forma directa pelas dinâmicas externas, mesmo sendo ambas as dinâmicas artificialmente criadas, ou baseadas em falsos pressupostos criados por acções pré-determinadas (estamos perante esse fenómeno no Egipto e de forma menos evidente, por enquanto, no Brasil).  
    
A guerra de quarta geração tem uma outra característica. Mistura, propositadamente conceitos como o de narcotráfico, terrorismo e movimentos guerrilheiros, afirmando que todas as organizações irregulares compartem as mesmas tácticas, estratégias e mecanismos de financiamento. O grande impacto desta mistura de conceitos, produto de uma lógica militar, é que serve de pretexto á renúncia de reformas sociais, politicas, económicas e administrativas. Por outro lado, ao misturar estes conceitos de narcotráfico, terrorismo e guerrilha, os USA justificam o seu envolvimento nas lutas internas.

Curiosamente os primeiros a utilizar actividades criminosas, aliadas a grupos de resistência foram os USA, na Segunda Guerra Mundial, durante a invasão da Sicília, quando os grupos democratas-cristãos na resistência, sob orientação dos norte-americanos, foram colocados ao lados dos “capos” da MAFIA siciliana, para realizarem actos de sabotagem, enquanto as tropas aliadas desembarcavam. Nessas acções os norte-americanos colheram importantes lições e durante décadas foram experimentando esta fórmula, das mais variadas maneiras, desde a guerra da Coreia, ao Vietname, Cuba e restantes países da América Latina, sendo a fórmula aperfeiçoada de forma intensiva, ao ponto de em alguns países latino-americanos as ligações de um vasto espectro das forças politicas (do centro-direita e centro-esquerda, á extrema-direita) ao submundo serem uma praxis normal. A própria CIA utiliza as estruturas do narcotráfico para realizar acções de desestabilização, constituírem a base dos grupos paramilitares e mesmo como estruturas de financiamento a partidos políticos e presidentes (caso de Uribe na Colômbia).

A guerra irregular de quarta geração constitui, desta forma, o cenário da actualidade latino-americana, sobre o qual os diversos actores interpretam os seus papéis.

(continua)

Fontes
Vega Cantor, René Colombia en la Geopolitica Imperialista http://www.rebelion.org
Egremy, Nidya Contrainsurgencia para el siglo XXI http://www.rebelion.org
Ruiz Tirado, Wladimir La tendencia militarista del imperio: uribismo y pentagonismo se dan la mano, http://www.rebelion.org
Johnson, Chalmers El imperio estadounidense de las bases, http://www.nodo50.org/.../imperio_bases.html
Modak,, Frida ¿Para qué 20 bases militares de EE.UU.?  http://www.nodo50.org
Zibechi,, Raúl Crisis militar en Sudamérica: Los frutos del Plan Colombia, http://www.cipamericas.org/es/archives/1417
Calle, Fabián  La crisis Venezuela-Colombia: las capacidades militares que esconden las palabras  http://www.nuevamyoria.com;
María Chiani, Ana Plan estratégico de Estados Unidos para América latina y el Caribe  http://www.observanto.com
Fernando Isaza Delgado, José y Campos Romero, Diógenes Algunas consideraciones cuantitativas sobre la evolución del conflicto en Colombia Revista de Economía Colombiana, No. 322, febrero de 2008
Otero Prada, Diego El papel de Estados Unidos en el conflicto armado colombiano. De la Doctrina Monroe a la cesión de siete bases militares Ediciones Aurora, Bogotá, 2010
Dieterich, Heinz Las guerras del capital. De Sarajevo a Irak, Editorial de Ciencias Sociales, La Habana, 2003


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