Rui Peralta, Luanda
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IV - O último
relatório oficial sobre o número de bases militares norte-americanas foi
apresentado em 2008 e elaborado pelo Pentágono. Naquele ano foram inventariadas
865 bases em 46 países, que albergavam 200 mil soldados. Actualmente, os que se
dedicam a este assunto referem mil duzentas e cinquenta bases em mais de uma
centena de países. Não existe qualquer confirmação ou desmentido oficial sobre
este número e o Pentágono refere que apenas publicará novo inventário em 2018.
Na América Latina,
os USA contam actualmente com 27 bases, oficialmente reconhecidas, às quais
devem-se adicionar as seguintes bases que nunca são mencionadas nos relatórios
oficiais do Pentágono, mas que surgem nos relatórios da CIA e da NSA: América
Central - Base Comalapa em Salvador; Soto-Cano (também conhecida por
Palmerola), nas Honduras, base na qual foi planeado o golpe que derrubou o
presidente Zelalla; Base Libéria na Costa Rica, que depois de abandonada foi
reactivada, recentemente. América do Sul - três bases no Peru, em local
incerto; Base militar Mariscal Estigarribia, em Chaco, Paraguai, com capacidade
para alojar 20 mil soldados, situada na tripla fronteira, na reserva aquífera
de Guarani, a maior reserva de água doce do mundo. Caribe - Base de Guantánamo,
em Cuba, utilizada, actualmente, como centro de tortura e campo de detenção;
Base militar de Reina Beatriz, em Aruba e por ultimo a de Hatos, em Curazao.
Temos assim 37 bases, mas ainda á que acrescentar as instaladas no Panamá
(desconhecidas) e o número incerto de bases na Colômbia (os números oficiais
referem 7 bases).
As bases militares
podem ser de quatro tipos: aéreas, terrestres, navais e de comunicação e
vigilância. As instalações militares norte-americanas são repartidas em cinco
unidades espaciais, ocupadas pelos 4 Comando Combatentes Unificados. Cada
unidade espacial e cada comando unificado, está sob comando de um general.
Partindo desta estrutura organizativa, os USA dividem, actualmente o mundo em
vários comandos, a saber: Comando Norte, na base Paterson, da Força Aérea, no
Colorado; o Comando do Pacifico, em Honolulu, Havai; o Comando Sul, em Miami,
Florida; o Comando Europeu, em Estugarda, Alemanha; o Joint Forces Command, em
Norfolk, Virgínia; os Comandos Operacionais Especiais, em McDill, base da Força
Aérea, na Florida; o Comando de Transporte, na base da Força Aérea de Scott,
Ilinóis e o Comando Estratégico, na base da Força Aérea de Offutt, no
Nebrasca.
Durante a administração Bush foi desenhada
a estratégia contra o que foi designado por “Estados Canalhas” que formam um
“arco de instabilidade” mundial, desde a zona andina, atravessando o norte de
África, passando pelo Médio Oriente, até chegar as Filipinas e Indonésia. Este
“arco de instabilidade” coincide com o “anel de petróleo”, outrora grande parte
do que designavam de Terceiro Mundo. A instalação de bases militares foi
reforçada em toda esta região. As bases contam com uma força militar activa,
cujo número é variável consoante a natureza das missões a desempenhar e os
níveis de segurança de cada zona e por núcleos permanentes dos serviços de
inteligência, com grande capacidade operativa e tecnológica, com comando
independente do militar e não sujeitos á sua ordem, sendo os militares obrigados
á cooperação total com estes serviços e a prestarem-lhes todo o apoio
solicitado. Algumas unidades especiais militares estão exclusivamente ao
serviço dos núcleos de inteligência e reportam directamente às agências e não
ao Pentágono.
Como escreveu Thomas Friedman,
editorialista do New York Times, “a mão invisível do mercado não funcionará
nunca sem o punho invisível”.
V - Para o “punho
invisível” funcionar e cumprir a sua função de suporte á “mão invisível” (pobre
Adam Smith, quantas voltas não daria no tumulo, se soubesse o que fizeram á
“mão invisível” quando lhe atribuíram tamanho punho) é indispensável contar com
uma rede mundial de bases, bem distribuídas em todos os continentes. As bases
principais, de longo prazo, são colocadas em zonas com eixos de transporte
rápido, onde se recolhe informação mundial, pontos de vigilância permanente, em
que são cruciais as vastas operações de espionagem, simultâneas e de longa
duração. Estas áreas permitem dispor de uma rede de comunicações interconectada,
composta por aviões, helicópteros, transportes ferroviários, viaturas, viaturas
de combate, barcos, submarinos, que contam com uma infraestrutura física
essencial para o seu funcionamento, mediante o controlo de aeroportos, portos
marítimos e fluviais, rede de estradas, autoestradas, rede ferroviária e
centrais de telecomunicações.
De importância
similar são os porta-aviões, para as chamadas intervenções rápidas. Os USA
contam actualmente com 12 porta-aviões, distribuídos por todos os mares do
globo. A cada porta-aviões corresponde uma frota, constituída por diversos
tipos de embarcações de superfície e submarinos. Cada porta-aviões transporta
uma média de 50 aviões, capazes de realizar entre 90 a 170 ataques por dia.
Todas as frotas são constituídas, para além dos submarinos, por torpedeiros,
contratorpedeiros e dois cruzadores lança-mísseis. Para terem capacidade
ofensiva terrestre, as frotas dos USA são completadas por forças anfíbias (os
marines), compostas pelos três ramos do exército (cavalaria, infantaria e
artilharia) e por grupos de operações especiais (comandos, ou forças especiais
navais e aéreas, mas de intervenção terrestre).
As frotas são ainda
complementadas por grupos de embarcações rápidas, constituídos pelos FSS (Fast
Sealift Ships), em número de oito e pelos Roll on/Roll off em número de 20,
dois grupos de deslocação rápida de tropas (Os FSS demoram18 dias, dos USA ao
Golfo Pérsico). Estes grupos de suporte são ainda reforçados com mais 58
embarcação de diversos tipos e funções, para além de um número indeterminado de
pequenas embarcações da Guarda Costeira. A capacidade aérea de suporte e
transporte de tropas, veículos e equipamentos é reforçada pelos 134 enormes
C-17 Globemaster.
Os USA utilizam
quatro modelos de bases: Bases de grandes dimensões, com instalações militares
completas, permanentemente ocupadas por efectivos militares (e famílias),
modelos de bases-colónias, vitais para os longos processos de desculturação
provocados pela guerra cultural; bases de médias dimensões, que contam com
amplas instalações, ocupadas por forças que se renovam a cada semestre; bases
pequenas, as CSL (Cooperative Security Locations), constituídas por pouco
pessoal, mas de grande capacidade operativa em telecomunicações, informação e
inteligência; por fim as micro-bases, locais de trânsito utilizados pela força
aérea.
VI - No que
respeita ao seu objectivo de domínio, da parte central e sul do continente
americano, a política norte-americana desenrola-se com base em três factores: o
interesse vital para a sua economia em apoderar-se do petróleo da Venezuela (e
agora das reservas do Brasil, daí este país dever dar mais atenção á politica
social, para evitar dinâmicas internas de contestação social que se cruzem com
as dinâmicas externas, uma fase critica das guerras de classe) e dos recursos
naturais da região Andina-Amazónica; a pretensão de impedir processos de
integração da América Latina que escapem ao seu controlo (como a ALBA); e por
ultimo a necessidade de impedir processos de transformação na região que tenham
como pano de fundo a reapropriação dos recursos, baseados no reforço das
soberanias nacionais realizadas pelo aumento da capacitação das soberanias
populares (estabelecendo um maior equilíbrio entre a representatividade e a
participação directa).
Estes factores
apresentam-se interligados, o que obriga os USA a analisarem cruzadamente os
dados. É impossível para os USA controlarem o petróleo da Venezuela, caso não
revertam o processo de transformação bolivariano, que reforça a soberania
popular e a reapropriação dos recursos, logo reforça a soberania nacional. Mas
para isso acontecer torna-se necessário intervir nos processos de integração
regional, logo em impedir a concretização da ALBA.
Um estudo dos
Serviços Geológico dos USA (NGS) calculou que a franja do Orinoco, na
Venezuela, constitui uma reserva de 513 mil milões de barris, quase o dobro do
petróleo da Arabia Saudita (cujas reservas são avaliadas em 266 mil milhões de
barris). Estes dados fazem relevar a importância estratégica da Venezuela para
os USA e implicam a ampliação dos “jogos americanos”. Por isso uma das
tendências dominantes no complexo militar-petrolífero dos USA considera que
para controlar o petróleo venezuelano é necessário o domínio directo sobre a
Colômbia. O porta-voz principal desta tendência dominante, o senador
republicano Paul Coverdale, um dos projectistas do Plano Colômbia, referiu, em
2000, a necessidade de dominar a Venezuela, partindo de um ponto dominado, a
Colômbia, apetrechando este pais de forma a dominar, numa primeira fase o
Equador, cortando os pontos de apoio á Venezuela e isolando-a, para depois,
numa guerra prolongada, destruir gradualmente este país e estabelecer o domínio
sobre os recursos petrolíferos venezuelanos.
Tudo isto poderia
estar a ser dito da boca para fora, depois do senador ter tomado uns copitos
(marijuana não deve fumar, atendendo a que é republicano, devendo preferir as
beberragens texanas) se não tivesse sido recentemente ratificado pelo Comando
Sul do Pentágono, que indica sem grandes rodeios, a necessidade de reforçar
militarmente a Colômbia, neutralizando as guerrilhas, de qualquer forma, mesmo
através de negociações politicas e partir para a desestabilização do Equador,
com o objectivo de dominar a Venezuela.
VII - Nos objectivos
geoeconómicos dos USA, são evidentes não apenas o controlo do petróleo
Venezuelano e a supervisão das reservas brasileiras e equatorianas, mas também
o gás da Bolívia, a água, a biodiversidade e os recursos florestais da Colômbia
e do Brasil e de todos os recursos naturais da região andino-amazónica. Esse
domínio apenas será possível se os países latino-americanos não se puderem
integrar regionalmente e estabelecerem políticas e economias regionais,
mercados regionais e estratégias regionais de desenvolvimento. A construção de
uma estrutura confederativa que integrará os antigos territórios do império
espanhol no continente americano, como forma de assegurar a sua prosperidade e
soberania, é um objectivo histórico dos movimentos de libertação nacional da
América Latinas, desde os seus primórdios (tal como aconteceu com os movimentos
de libertação nacional em África e com o movimento operário na Europa).
As políticas de
integração e as intenções de unidade sempre falharam por uma questão muito simples:
o capitalismo (entendido como o domínio do mercado pelos grupos que acumulam
capital, em detrimento das relações sociais do mercado) só se pode desenvolver
á escala nacional e os grupos detentores de capital nestes países do centro e
do sul da América nunca ultrapassaram a estrutura oligárquica, ao contrário do
que aconteceu aos seus congéneres do Norte (onde as relações sociais de mercado
subsistiram e estiveram na causa imediata das respectivas independências,
mantendo-se autónomas, até á segunda metade do seculo XX, não permitindo um
controlo do mercado por parte dos grupos acumuladores de capital) que por isso
desenvolveram as estruturas integradas dos USA e do Canadá.
Na última década os
projectos de integração latino-americanos voltaram a constar na agenda de
alguns países, impulsionados pelas transformações ocorridas na Venezuela, que
assumiu um projecto bolivariano de transformação. Os novos projectos de
integração foram plasmados na ALBA (Aliança Bolivariana para los Pueblos de
Nuestra América), um projecto de unidade política, económica e cultural, o mais
importante desde os tempos da Gran Colômbia. Para além da ALBA existem
projectos de integração dos mercados, como o MERCOSUR (Mercado Comum do Sul) e
a nível económico e politico como a UNASUR (União das Nações Sul-Americanas) e
a CELAC (Comunidade de Estados Latino-americanos e do Caribe).
Todos estes
projectos de integração, construídos no meio de muitas dificuldades e
contradições internas, são mal recebidos por Washington, que coloca em campo os
seus habituais lambe-botas locais, como no caso das Honduras, onde se perpetrou
um golpe contra o presidente eleito, que tinha nas suas bases programáticas o
objectivo de vincular o país á ALBA. O torpedeamento da integração é feito,
também, através de regimes como o colombiano, que jogam um papel fundamental
nas acções de Washington para impedir os projectos de integração. Por exemplo,
a Comunidade Andina das Nações (CAN), foi atomizada quando, em 2006, a Colômbia
e o Peru negociaram bilateralmente com os USA, o Tratado de Livre Comercio, sem
consultarem os outros estados membros e violando todos os compromissos
assumidos no âmbito da CAN.
Mas nem sempre
estes meios de impedimento são diplomáticos, ou golpes institucionais. Em 2008
a Colômbia efectuou bombardeamentos em território equatoriano, alegando que ali
se encontravam bases das FARC-EP, avisando que tornaria a realizar acções
militares no Equador e na Venezuela, sempre que achasse necessário. Por outro
lado, é frequente que os grupos paramilitares da extrema-direita colombiana
penetrem em território equatoriano e venezuelano e aí realizem acções
militares, para aterrorizarem comunidades indígenas, ou procurarem e executarem
colombianos, refugiados nesses países.
VIII - A
administração Obama acusa os governos da Venezuela, Bolívia e Equador de
múltiplos delitos. Estes países são acusados de “entorpecer” a luta contra as
drogas, de refugiarem “terroristas”, de não respeitarem a liberdade de
imprensa, de estarem em vias de transformar-se em regimes totalitários opostos
á “livre empresa” e á “propriedade privada” e que impõem um “modelo politico
populista”. Estas acusações, feitas e redigidas por altos responsáveis da
administração Obama, fazem parte da guerra de quarta geração, que neste momento
é travada na América Latina.
Neste tipo de
guerra o governo norte-americano aparece á margem, dando a impressão de não
estar envolvido nos acontecimentos, recorrendo a governos subordinados e a
forças politicas subsidiadas (da extrema-direita á “esquerda”), para
concretizarem as acções de agressão, de instabilidade politica e
desestabilização interna nos países que sigam vias próprias de desenvolvimento.
Nesta guerra irregular, não reconhecida e não declarada, mas tão mortífera e
destrutiva como as guerras convencionais, todos os meios são utilizados e todas
as instituições servem como factor de desestabilização. Por exemplo, quando a
Colômbia acusou na ONU, Hugo Chávez e Rafael Correa de serem terroristas,
estivemos perante uma dessas acções calculadas, por muito inverosímeis que
possam parecer.
Outra das tácticas
usadas na guerra de quarta geração são as grandes movimentações, como as
Revoluções de Veludo, ou as Revoluções Laranjas, experimentadas na Europa de
Leste (exemplo da Checoslováquia) e países da ex-União Soviética (Ucrânia e
Geórgia, por exemplo) ou as mais agressivas e violentas, como a experimentada
na Roménia, que levou á queda do fascizante socialismo á romena e ao
fuzilamento da destruturada família do sapateiro Ceaucescu. Estas tácticas
foram recentemente revistas e aperfeiçoadas nas primaveras Árabes da Tunísia e
do Egipto e o modelo romeno foi revisto na agressão á Líbia, para ser
reutilizado e readaptado na Síria e futuramente (talvez em modelo misto) no
Irão.
Estas são operações
políticas complexas, onde se cruzam as dinâmicas internas e externas, para que
as dinâmicas sociais internas possam ser aproveitadas de forma directa pelas
dinâmicas externas, mesmo sendo ambas as dinâmicas artificialmente criadas, ou
baseadas em falsos pressupostos criados por acções pré-determinadas (estamos
perante esse fenómeno no Egipto e de forma menos evidente, por enquanto, no
Brasil).
A guerra de quarta
geração tem uma outra característica. Mistura, propositadamente conceitos como
o de narcotráfico, terrorismo e movimentos guerrilheiros, afirmando que todas
as organizações irregulares compartem as mesmas tácticas, estratégias e
mecanismos de financiamento. O grande impacto desta mistura de conceitos,
produto de uma lógica militar, é que serve de pretexto á renúncia de reformas
sociais, politicas, económicas e administrativas. Por outro lado, ao misturar
estes conceitos de narcotráfico, terrorismo e guerrilha, os USA justificam o
seu envolvimento nas lutas internas.
Curiosamente os primeiros
a utilizar actividades criminosas, aliadas a grupos de resistência foram os
USA, na Segunda Guerra Mundial, durante a invasão da Sicília, quando os grupos
democratas-cristãos na resistência, sob orientação dos norte-americanos, foram
colocados ao lados dos “capos” da MAFIA siciliana, para realizarem actos de
sabotagem, enquanto as tropas aliadas desembarcavam. Nessas acções os
norte-americanos colheram importantes lições e durante décadas foram
experimentando esta fórmula, das mais variadas maneiras, desde a guerra da
Coreia, ao Vietname, Cuba e restantes países da América Latina, sendo a fórmula
aperfeiçoada de forma intensiva, ao ponto de em alguns países latino-americanos
as ligações de um vasto espectro das forças politicas (do centro-direita e centro-esquerda,
á extrema-direita) ao submundo serem uma praxis normal. A própria CIA utiliza
as estruturas do narcotráfico para realizar acções de desestabilização,
constituírem a base dos grupos paramilitares e mesmo como estruturas de
financiamento a partidos políticos e presidentes (caso de Uribe na Colômbia).
A guerra irregular
de quarta geração constitui, desta forma, o cenário da actualidade
latino-americana, sobre o qual os diversos actores interpretam os seus papéis.
(continua)
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A
SAGA AMERICANA – PARTE 1. O CONTROLO DOS RECURSOS (I)
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