As negociações
comerciais UE-EUA, que começaram em Washington em 8 de julho, poderiam conduzir
a economias no valor de dezenas de milhares de milhões de euros e eliminar
alguma burocracia desnecessária. Mas a desconfiança gerada pelo recente
escândalo das escutas por parte dos EUA é apenas o primeiro de muitos
obstáculos a vencer.
Washington DC não é
uma cidade com falta de burocratas. Esta semana, estarão ali ainda mais do que
habitualmente. A capital norte-americana vai acolher a primeira ronda de negociações
comerciais bilaterais entre os Estados Unidos e a União Europeia, um
conjunto abrangente de conversações com o objetivo final de reduzir os entraves
a que os dois blocos económicos façam negócios um com o outro.
Em termos gerais,
as duas partes tentarão eliminar os direitos de importação cobrados sobre
mercadorias transacionadas entre os dois gigantes económicos. Esforçar-se-ão
também por reduzir a burocracia, para que as empresas internacionais possam
expandir-se mais facilmente.
Por si só, a
dimensão da relação comercial dos Estados Unidos com a Europa significa que até
as melhorias insignificantes terão um grande impacto sobre as economias dos
dois lados do Atlântico.
Num momento em que
a Europa enfrenta mais um ano de estagnação e a preocupação obsessiva dos
economistas com a influência crescente das economias emergentes, como as da
China, Índia e Brasil, a relação comercial entre os EUA e a UE continua a ser a
maior do mundo.
Reino terá de se
manter em jogo
Nos primeiros nove
meses de 2012, foram transacionadas entre as duas superpotências económicas
mercadorias no valor de mais de 485 mil milhões de dólares (€338 mil milhões).
As discussões que se iniciam em Washington [em 8 de julho] – formalmente
designadas como Parceria Transatlântica em matéria
de Comércio e Investimento (TTIP) – deverão criar um bloco comercial
que abrangerá quase metade da produção económica mundial. Este poderá
representar um valor adicional anual de cerca de €116 mil milhões, para a
economia de UE, perto de €93 mil milhões, para os EUA, e perto de 99 mil
milhões, para o resto do mundo.
As conversações são
igualmente uma das principais razões agora apresentadas para o Reino Unido
continuar a ser membro da União
Europeia.
Claro que o Reino
Unido ainda não saiu da UE, mas, com referendo ou sem ele, o país terá que se
manter em jogo por mais algum tempo, se quiser ajudar a influenciar as
negociações da TTIP. Os Estados Unidos declararam que pretendem utilizar a
atual dinâmica do G8 para alcançar um acordo comercial bilateral “gastando
apenas um depósito de combustível”. No entanto, até os otimistas apostam em que
as conversações durarão uns bons 18 meses. Outros especulam que será muito mais
realista falar em mais de três anos.
Algumas nuvens
políticas pairam já sobre a discussão da TTIP. Existe uma desconfiança
crescente entre os Estados-membros da UE e os EUA, na sequência de alegações de
que os Estados Unidos e o Reino Unidoespiaram
os seus aliados no decorrer de negociações anteriores.
As conversações
prosseguem, como estava planeado, mas as tensões aumentam. Perto de 120
representantes das equipas comerciais dos EUA e da UE vão reunir-se,
dividindo-se depois em cerca de dez grupos. Os delegados, todos eles
especialistas em áreas diferentes, vão discutir tudo – desde os ingredientes
que será obrigatório indicar nas embalagens dos cremes antienvelhecimento, a se
um advogado que fez o curso em Londres poderá trabalhar em Nova Iorque com
essas mesmas qualificações.
A questão dos
direitos de importação
Deveriam os
negociadores partir da premissa de que todos os direitos pautais foram abolidos
e decidir depois quais seriam “reintroduzidos”? Ou deveriam avaliar os impostos
sobre a importação, setor a setor? Estes vão ainda estudar quais os aspetos
burocráticos que podem ser resolvidos rapidamente e quais serão objeto de
discussões prolongadas e potencialmente difíceis.
Um dos pontos mais
simples da agenda é a questão dos direitos de importação. Os direitos pautais
entre os EUA e a UE são relativamente baixos, segundo os padrões mundiais – uma
média de 5,2% para as mercadorias para a UE e 3,5% para as mercadorias que
entram nos EUA –, mas, por si só, o volume do comércio entre os dois blocos
económicos significa que qualquer redução gerará economias significativas.
“Muitas empresas
britânicas já têm negócios com os EUA, o nosso maior mercado de exportação, mas
liberalizar os direitos pautais poderá poupar às empresas do Reino Unido cerca
de mil milhões de libras por ano”, declara o cônsul geral britânico em Nova
Iorque, Danny Lopez, cuja principal tarefa é ajudar as companhias britânicas a
expandirem-se nos Estados Unidos e vice-versa.
Os Estados Unidos
penalizam especialmente os têxteis, vestuário e calçado importados da UE, por
exemplo, impondo-lhes direitos pautais de 40%, 32% e 56%, respetivamente.
Existem também impostos surpreendentes sobre mercadorias destinadas a mercados
específicos, por exemplo a louça de mesa cerâmica para hotéis e restaurantes. Os
importadores têm que pagar cerca de 28% do preço de custo em impostos, apenas
para introduzir essas mercadorias nos Estados Unidos.
A UE também cobra
350% de direitos sobre o tabaco, para ajudar a cobrir os custos de tratamento
dos danos que este causa à saúde daqueles que o utilizam e para assegurar que o
preço seja suficientemente elevado para dissuadir muitos potenciais fumadores
de adquirir o vício. Prevê-se que os Estados Unidos peçam a redução desses
impostos, o que dificilmente virá a obter aprovação popular na Europa.
Regras burocráticas
entre UE e EUA
Em muitos aspetos,
a tarefa mais delicada da TTIP dirá respeito aos complicados meandros da
burocracia. As discrepâncias em matéria de regras burocráticas entre a UE e os
EUA custam anualmente às empresas milhares e milhares de milhões de libras em
perdas de receitas e estima-se que privem o Reino Unido de cerca de oito mil
milhões de libras [mais de nove mil milhões de euros] em comércio.
Na indústria
automóvel, por exemplo, os fabricantes são obrigados a fazer os seus veículos
embater duas vezes contra paredes, a grande velocidade, para serem aprovados em
testes de segurança quase idênticos.
Por outro lado, o
setor dos cosméticos tem que criar dois conjuntos diferentes de rótulos para as
mercadorias que serão vendidas na Europa e nos EUA, porque os reguladores
norte-americanos não aceitam o termo “aqua”.
Também passará a
ser mais fácil advogados, contabilistas e alguns outros profissionais viajar
entre os dois blocos, em vez de ficarem amarrados àquele em relação ao qual
receberam formação. Esta alteração não traria apenas benefícios económicos:
abriria ainda percursos profissionais e estilos de vida completamente
diferentes para milhões de indivíduos.
Estas regras podem
parecer anacrónicas, mas, em muitos aspetos, elas simbolizam as dificuldades
que as discussões sobre a TTIP deverão encontrar. Por influência de poderosos
grupos de pressão de alguns setores, que frequentemente se opõem a qualquer
mudança suscetível de trazer consigo uma concorrência mais aguerrida de atores
internacionais, tem sido permitido que algumas leis antiquadas permaneçam
intocadas.
VISTO DA POLÓNIA
Nascimento de um gigante
A criação de uma
zona de comércio livre entre a UE e os Estados Unidos poderá, nos próximos
anos, mudar a geografia política e económica, escreve Marek Magierowski em Do
Rzeczy. Marcará não apenas o “fim das barreiras pautais como também a
introdução de regulamentos e normas comuns em todos os setores”, adianta, acrescentando
que a Parceria
Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP) é, sem dúvida alguma, a
iniciativa mais ambiciosa desde a criação da Organização Mundial do Comércio em
1995.
O instituto
londrino Centre for Economic Policy Research publicou um estudo que sugere que
a TTIP será extremamente benéfica para ambos os lados: 119 mil milhões de
dólares (€92,7 mil milhões) de receitas adicionais para a União Europeia e 95
mil milhões de dólares para os Estados Unidos. As exportações europeias para os
Estados Unidos aumentarão 28%. O projeto também terá “um enorme impacto
político” e poderá reforçar a posição global em declínio da Europa e da América.
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