quinta-feira, 18 de julho de 2013

PARABÉNS, MADIBA! SUL-AFRICANOS TEMEM FIM DO PAÍS DO ARCO-ÍRIS



Sérgio Soares – Jornal i

Mandela completa hoje 95 anos. A nação festeja como se fosse possível impedir o curso da natureza. Em estado de saúde crítico, com a família envolvida em desavenças pela sua herança e legado histórico, o assédio a Mandela não terminou

Nelson Mandela já não está politicamente activo há mais de uma década. E, no entanto, mesmo em estado crítico, ainda encarna o simbolismo de uma África do Sul melhor, mais justa e plurirracial. Hoje, ao completar 95 anos, Madiba, como é carinhosamente tratado, continua a ser um farol para toda a nação.

Uma luz potente que nos últimos meses ameaça extinguir-se e mergulhar o país num futuro incerto. Este homem bom é o máximo denominador comum de uma África do Sul contrastante, violenta, desigual e na iminência de mergulhar em profunda instabilidade.

O país vive suspenso de uma pergunta cuja resposta todos opinam mas temem. O que vai acontecer quando Mandela partir?

Nelson Mandela foi internado mais uma vez, no passado dia 8 de Junho, e esta recta final da sua atribulada, imprevisível e rica vida, tem sido mais do que turbulenta em termos de saúde e de laços familiares.

Ao ser conduzido de urgência para o hospital, agonizante, nesse dia de manhã cedo, Mandela esteve 40 minutos parado numa auto-estrada, porque a ambulância que o transportava se avariou. A equipa de emergência travou aí uma primeira batalha para impedir que morresse devido às complicações respiratórias que forçaram ao seu internamento.

Provavelmente alheado da realidade quotidiana, Mandela não esteve nunca consciente da triste imagem pública que a sua família, a desmoronar-se, tem dado, ao envolver-se num confronto feroz em torno da sua herança material. O neto, Mandla Zwelivelile Mandela, de 39 anos, um dos seus 12 netos vivos, de 17, construiu uma vida poderosa no mundo da política e dos negócios graças ao nome do avô. Nestas últimas semanas viu-se envolvido numa batalha jurídica pelo controlo da herança de Mandela, com vários membros da família contra si.

"Nos últimos dias tenho sido alvo de ataques de todo o tipo de indivíduos que querem alguns minutos de fama na imprensa à minha custa", declarou.

A disputa encheu de vergonha as pessoas de bom carácter e as primeiras páginas dos jornais, e centrou-se no facto de ele ter procedido unilateralmente à exumação dos corpos de três dos filhos de Mandela, sepultados em Qunu, e de os ter trasladado para Mvezo. Mandla defendeu-se afirmando que aquele era o local onde deveriam estar todos sepultados na companhia futura do próprio Mandela, já que Mvezo foi o seu local de nascimento, embora o histórico líder africano se tenha retirado para Qunu após a vida activa.

Com Mandela no hospital, a irmã Makaziwe e a mulher de Mandela, Graça Machel, para além de outros familiares, apresentaram uma queixa em tribunal para que as crianças fossem novamente sepultadas em Qunu. O tribunal deu-lhes razão.

Os rivais de Mandla na família, nomeadamente a tia Makaziwe, entenderam que este manobrou descaradamente para que o enterro de Mandela fosse também efectuado em Mvezo, para mais tarde poder beneficiar financeiramente dos turistas que visitassem o túmulo do avô.

LIBERDADE PARA NELSON MANDELA

Se há imagem que ilustra a grandeza de Nelson Mandela, a da sua saída para a liberdade, a 11 de Fevereiro de 1990, após 27 anos de prisão, em Robben Island, é a mais significativa. Imponente e humilde simultaneamente, dirigiu-se a milhares de pessoas que o aguardavam com nervosismo, após um breve atraso na sua libertação, a partir de uma varanda da Câmara Municipal da Cidade do Cabo.

Depois de reconhecer que o presidente Frederik de Klerk era um homem íntegro, disse: "A nossa luta atingiu um ponto decisivo. A nossa marcha para a liberdade é irreversível."

"Agora é o tempo de intensificar a luta em todas as frentes. Abrandar agora seria um erro que futuras gerações não nos perdoariam".

O discurso provocou receios entre a comunidade branca que esperava dias e meses de retaliação. Entre os africanos, os zulus do Inkhata, do chefe Magosutu Buthelezi, defrontavam-se mortalmente nas ruas e guetos do Soweto e de Alexandra com os Xhozas, sendo separados pelo ainda intacto exército branco do apartheid.

O futuro da África do Sul parecia sombrio. Ao longo de meses de esforços laboriosos, acalmando a ira de radicais negros e dos boers brancos, Mandela transformou o medo no sonho utópico de um país de arco-íris.

Por agora, todos, mas mesmo todos, se arvoram em herdeiros do seu legado político, mesmo que não façam a menor intenção de o pôr em prática.

Mandela personifica o herói, o pai do milagre da reconciliação nacional, quase um santo, e todos assumem como seu esse legado histórico. Do ANC, que se extremou, e não se assemelha em nada ao partido que Mandela dirigiu, ao Partido Democrático, cuja base racial é branca, todos reivindicam a herança. Apesar de excepcional, uma pesada herança difícil de cumprir.

Em 1994, os sul-africanos comemoraram o 94.o aniversário de Mandela com bolos gigantescos, missas evocatórias e 67 minutos de "boas acções" - uma por cada ano de luta do líder antiapartheid contra o regime minoritário branco.

Ainda com Mandela internado, em estado crítico, o presidente sul-africano, Jacob Zuma, pediu a semana passada que a nação planeasse o seu 95.o aniversário.

O pedido de Zuma foi proferido na sequência das críticas da ex-mulher de Mandela, Winnie, ao seu governo do Congresso Nacional Africano (ANC) por ter filmado o antigo presidente na sua casa, em Abril, para fins declaradamente propagandísticos.

Mandela é reverenciado pelo seu carisma, por ter lutado contra o apartheid e pregado a reconciliação nacional, apesar de ter estado preso 27 anos em Robben Island onde contraiu tuberculose na década de oitenta.

Em 1993 recebeu o Prémio Nobel da Paz, um ano antes de ser eleito presidente. Em 1999 deixou o cargo após cumprir um único mandato.

Desde que deixou o cargo de presidente, Mandela tornou-se naturalmente o mais representativo embaixador da África do Sul e apadrinhou diversas campanhas, entre as quais a da luta contra o HIV/Sida, tendo ainda ajudado o seu país a conquistar a organização do Campeonato do Mundo de Futebol em 2010.

Madiba - que sofreu vários problemas de saúde ao longo dos anos -, envolveu--se também em negociações de paz em diversas partes do mundo, nomeadamente na República Democrática do Congo, Burundi e, inclusivamente, em Timor- -Leste, onde persuadiu o ditador indonésio Shuarto a libertar o líder da resistência timorense, Xanana Gusmão.

Mandela retirou-se da vida pública em 2004 e raramente compareceu em eventos oficiais desde essa data.

UMA VIDA

Mandela galvanizou a nação inteira ao entregar a taça do Mundial de Rugby ao capitão branco da África do Sul

1918 - Rolihlahla Mandela nasceu no Transkei, no dia 18 de Julho e recebeu o nome Nelson dado por um dos seus professores. Estudou na Universidade de Fort Hare e na Universidade de Witwatersrand, onde se formou como advogado

1952 - Mandela tornou-se vice-presidente do Congresso Nacional Africano (ANC). Face à descriminação racial, Mandela e Oliver Tambo tomaram uma via mais radical no ANC. Levado a tribunal em 1956, foi condenado por traição e mais tarde absolvido

1960 - Em Março, três dezenas de militantes anti-apartheid foram mortos pela polícia em Sharpeville. O governo declarou o estado de emergência e o ANC adoptou a luta armada. Mandela ajudou a estabelecer o braço armado do ANC, Umkhonto we Sizwe

1963 - Novamente julgado e preso por cinco anos. Mandela e outros membros do ANC foram acusados de conspiração para derrubar o governo. Foi condenado pela segunda vez a prisão perpétua e enviado para Robben IIsland. Tornou-se no símbolo da resistência

1990 - O governo minoritário branco sul-africano, presidido por Frederik de Klerk, responde à pressão, interna e externa, para libertar Mandela e levantar a ilegalização do Congresso Nacional Africano (ANC). No ano seguinte,  Mandela torna-se o líder do ANC

1993 - Mandela recebeu o Prémio Nobel da Paz com Frederik de Klerk, então presidente da África do Sul. No ano seguinte, a África do Sul realizou as primeiras eleições multirraciais livres nas quais Mandela foi eleito o primeiro chefe de Estado negro

1995 - A 24 de Junho, Nelson Mandela, o primeiro presidente negro do país, entrou no campo do estádio de Ellis Park em Johanesburgo para entregar a taça do mundo de Rugby a François Pienaar, o capitão branco da equipa nacional

1998 - Casa-se com a terceira mulher, Graça Machel, viúva do ex-presidente de Moçambique, Samora Machel. A segunda esposa de Mandela, Winnie, com quem se casara em 1958 e da qual se divorciou em 1996, continua a ser uma  controversa activista

2004 - Neste ano, Mandela anuncia a sua retirada da vida pública, embora tenha prosseguido com a sua actividade social e de caridade. Em 2007, foi-lhe erguida uma estátua na Praça doParlamento, em Londres

2010 - Com várias nações potencialmente capazes de vencerem o concurso para receber o Mundial de Futebol de 2010, Mandela foi chamado para dar uma mão à candidatura e  ajudou a garantir a vitória da África do Sul. Compareceu na cerimónia de encerramento

2013 - “It’s time to let him go” (É tempo de o deixar partir). Manchete recente do jornal sul-africano Sunday Times

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