Sérgio Soares –
Jornal i
Mandela completa
hoje 95 anos. A nação festeja como se fosse possível impedir o curso da
natureza. Em estado de saúde crítico, com a família envolvida em desavenças
pela sua herança e legado histórico, o assédio a Mandela não terminou
Nelson Mandela já
não está politicamente activo há mais de uma década. E, no entanto, mesmo em
estado crítico, ainda encarna o simbolismo de uma África do Sul melhor, mais
justa e plurirracial. Hoje, ao completar 95 anos, Madiba, como é carinhosamente
tratado, continua a ser um farol para toda a nação.
Uma luz potente que
nos últimos meses ameaça extinguir-se e mergulhar o país num futuro incerto.
Este homem bom é o máximo denominador comum de uma África do Sul contrastante,
violenta, desigual e na iminência de mergulhar em profunda instabilidade.
O país vive
suspenso de uma pergunta cuja resposta todos opinam mas temem. O que vai
acontecer quando Mandela partir?
Nelson Mandela foi
internado mais uma vez, no passado dia 8 de Junho, e esta recta final da sua atribulada,
imprevisível e rica vida, tem sido mais do que turbulenta em termos de saúde e
de laços familiares.
Ao ser conduzido de
urgência para o hospital, agonizante, nesse dia de manhã cedo, Mandela esteve
40 minutos parado numa auto-estrada, porque a ambulância que o transportava se
avariou. A equipa de emergência travou aí uma primeira batalha para impedir que
morresse devido às complicações respiratórias que forçaram ao seu internamento.
Provavelmente
alheado da realidade quotidiana, Mandela não esteve nunca consciente da triste
imagem pública que a sua família, a desmoronar-se, tem dado, ao envolver-se num
confronto feroz em torno da sua herança material. O neto, Mandla Zwelivelile
Mandela, de 39 anos, um dos seus 12 netos vivos, de 17, construiu uma vida
poderosa no mundo da política e dos negócios graças ao nome do avô. Nestas
últimas semanas viu-se envolvido numa batalha jurídica pelo controlo da herança
de Mandela, com vários membros da família contra si.
"Nos últimos
dias tenho sido alvo de ataques de todo o tipo de indivíduos que querem alguns
minutos de fama na imprensa à minha custa", declarou.
A disputa encheu de
vergonha as pessoas de bom carácter e as primeiras páginas dos jornais, e
centrou-se no facto de ele ter procedido unilateralmente à exumação dos corpos
de três dos filhos de Mandela, sepultados em Qunu, e de os ter trasladado para
Mvezo. Mandla defendeu-se afirmando que aquele era o local onde deveriam estar
todos sepultados na companhia futura do próprio Mandela, já que Mvezo foi o seu
local de nascimento, embora o histórico líder africano se tenha retirado para
Qunu após a vida activa.
Com Mandela no
hospital, a irmã Makaziwe e a mulher de Mandela, Graça Machel, para além de
outros familiares, apresentaram uma queixa em tribunal para que as crianças
fossem novamente sepultadas em Qunu. O tribunal deu-lhes razão.
Os rivais de Mandla
na família, nomeadamente a tia Makaziwe, entenderam que este manobrou
descaradamente para que o enterro de Mandela fosse também efectuado em Mvezo,
para mais tarde poder beneficiar financeiramente dos turistas que visitassem o
túmulo do avô.
LIBERDADE PARA
NELSON MANDELA
Se há imagem que ilustra a grandeza de Nelson Mandela, a da
sua saída para a liberdade, a 11 de Fevereiro de 1990, após 27 anos de prisão,
em Robben Island, é a mais significativa. Imponente e humilde simultaneamente,
dirigiu-se a milhares de pessoas que o aguardavam com nervosismo, após um breve
atraso na sua libertação, a partir de uma varanda da Câmara Municipal da Cidade
do Cabo.
Depois de
reconhecer que o presidente Frederik de Klerk era um homem íntegro, disse:
"A nossa luta atingiu um ponto decisivo. A nossa marcha para a liberdade é
irreversível."
"Agora é o
tempo de intensificar a luta em todas as frentes. Abrandar agora seria um erro
que futuras gerações não nos perdoariam".
O discurso provocou
receios entre a comunidade branca que esperava dias e meses de retaliação.
Entre os africanos, os zulus do Inkhata, do chefe Magosutu Buthelezi,
defrontavam-se mortalmente nas ruas e guetos do Soweto e de Alexandra com os
Xhozas, sendo separados pelo ainda intacto exército branco do apartheid.
O futuro da África
do Sul parecia sombrio. Ao longo de meses de esforços laboriosos, acalmando a
ira de radicais negros e dos boers brancos, Mandela transformou o medo no sonho
utópico de um país de arco-íris.
Por agora, todos,
mas mesmo todos, se arvoram em herdeiros do seu legado político, mesmo que não
façam a menor intenção de o pôr em prática.
Mandela personifica
o herói, o pai do milagre da reconciliação nacional, quase um santo, e todos
assumem como seu esse legado histórico. Do ANC, que se extremou, e não se
assemelha em nada ao partido que Mandela dirigiu, ao Partido Democrático, cuja
base racial é branca, todos reivindicam a herança. Apesar de excepcional, uma
pesada herança difícil de cumprir.
Em 1994, os
sul-africanos comemoraram o 94.o aniversário de Mandela com bolos gigantescos,
missas evocatórias e 67 minutos de "boas acções" - uma por cada ano
de luta do líder antiapartheid contra o regime minoritário branco.
Ainda com Mandela
internado, em estado crítico, o presidente sul-africano, Jacob Zuma, pediu a
semana passada que a nação planeasse o seu 95.o aniversário.
O pedido de Zuma
foi proferido na sequência das críticas da ex-mulher de Mandela, Winnie, ao seu
governo do Congresso Nacional Africano (ANC) por ter filmado o antigo
presidente na sua casa, em Abril, para fins declaradamente propagandísticos.
Mandela é reverenciado
pelo seu carisma, por ter lutado contra o apartheid e pregado a reconciliação
nacional, apesar de ter estado preso 27 anos em Robben Island onde contraiu
tuberculose na década de oitenta.
Em 1993 recebeu o
Prémio Nobel da Paz, um ano antes de ser eleito presidente. Em 1999 deixou o
cargo após cumprir um único mandato.
Desde que deixou o
cargo de presidente, Mandela tornou-se naturalmente o mais representativo
embaixador da África do Sul e apadrinhou diversas campanhas, entre as quais a
da luta contra o HIV/Sida, tendo ainda ajudado o seu país a conquistar a
organização do Campeonato do Mundo de Futebol em 2010.
Madiba - que sofreu
vários problemas de saúde ao longo dos anos -, envolveu--se também em
negociações de paz em diversas partes do mundo, nomeadamente na República
Democrática do Congo, Burundi e, inclusivamente, em Timor- -Leste, onde
persuadiu o ditador indonésio Shuarto a libertar o líder da resistência
timorense, Xanana Gusmão.
Mandela retirou-se
da vida pública em 2004 e raramente compareceu em eventos oficiais desde essa
data.
UMA VIDA
Mandela galvanizou
a nação inteira ao entregar a taça do Mundial de Rugby ao capitão branco da
África do Sul
1918 - Rolihlahla Mandela nasceu no Transkei, no dia 18 de Julho e recebeu o nome
Nelson dado por um dos seus professores. Estudou na Universidade de Fort Hare e
na Universidade de Witwatersrand, onde se formou como advogado
1952 - Mandela tornou-se vice-presidente do Congresso Nacional Africano (ANC). Face à descriminação
racial, Mandela e Oliver Tambo tomaram uma via mais radical no ANC. Levado a
tribunal em 1956, foi condenado por traição e mais tarde absolvido
1960 - Em Março, três dezenas de militantes anti-apartheid foram mortos pela polícia
em Sharpeville. O governo declarou o estado de emergência e o ANC adoptou a
luta armada. Mandela ajudou a estabelecer o braço armado do ANC, Umkhonto we
Sizwe
1963 - Novamente julgado e preso por cinco anos. Mandela e outros membros do ANC foram
acusados de conspiração para derrubar o governo. Foi condenado pela segunda vez
a prisão perpétua e enviado para Robben IIsland. Tornou-se no símbolo da
resistência
1990 - O governo minoritário branco sul-africano, presidido por Frederik de Klerk,
responde à pressão, interna e externa, para libertar Mandela e levantar a ilegalização
do Congresso Nacional Africano (ANC). No ano seguinte, Mandela torna-se o
líder do ANC
1993 - Mandela recebeu o Prémio Nobel da Paz com Frederik de Klerk, então presidente
da África do Sul. No ano seguinte, a África do Sul realizou as primeiras eleições
multirraciais livres nas quais Mandela foi eleito o primeiro chefe de Estado
negro
1995 - A 24 de Junho, Nelson Mandela, o primeiro presidente negro do país, entrou no
campo do estádio de Ellis Park em Johanesburgo para entregar a taça do mundo de
Rugby a François Pienaar, o capitão branco da equipa nacional
1998 - Casa-se com a terceira mulher, Graça Machel, viúva do ex-presidente de
Moçambique, Samora Machel. A segunda esposa de Mandela, Winnie, com quem se
casara em 1958 e da qual se divorciou em 1996, continua a ser uma
controversa activista
2004 - Neste ano, Mandela anuncia a sua retirada da vida pública, embora tenha
prosseguido com a sua actividade social e de caridade. Em 2007, foi-lhe erguida
uma estátua na Praça doParlamento, em Londres
2010 - Com várias nações potencialmente capazes de vencerem o concurso para receber o
Mundial de Futebol de 2010, Mandela foi chamado para dar uma mão à candidatura
e ajudou a garantir a vitória da África do Sul. Compareceu na cerimónia
de encerramento
2013 - “It’s time to let him go” (É tempo de o deixar partir). Manchete recente do jornal sul-africano Sunday Times
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