João Lemos Esteves –
Expresso, opinião
Portugal vive
actualmente um período negro. Não só do ponto de vista económico-financeiro,
mas sobretudo do ponto de vista político. Aquilo que sucedeu nas duas últimas
semanas foi uma autêntica paródia política (para ser simpático!). O
resultado das negociações propostas pelo Presidente da República terminou como
se esperava: com uma enorme e rotundo desacordo, com o PS a saltar fora. Vamos
ser sérios e realistas: o fracasso das negociações era o único resultado
possível. Porquê? Vejamos.
Em primeiro lugar,
o processo negocial começou logo com um pecado original: Passos Coelho anunciou
que aceitava o repto do Presidente da República, mas que era inflexível quanto
às metas fundamentais do seu programa. E quais eram essas metas? Redução dos funcionários
públicos, manutenção do nível fiscal e privatizações. E quais são as
discordâncias de fundo do PS em relação á governação passista/portista? Ora, estão
relacionadas precisamente com esses três pontos. Portanto, se Passos Coelho é
inflexível quanto a esses três pontos e António José Seguro o quer
verdadeiramente esses três pontos, à partida, o acordo é impossível! Como é que
pode haver um acordo de vontades entre duas partes, se essas partes são, no
processo de formação do acordo, inflexíveis quanto a pontos cruciais do objecto
negocial? É impossível! É, pois, quase anedótico ouvir PS e PSD falarem de
"boa-fé negocial": esta é mais uma expressão da retórica deste poder
caduco. Nem sequer têm noção do ridículo em que caiem quando, na mesma frase, expressam
duas ideias altamente contraditórias: entrámos no processo de boa fé, mas
inflexíveis. Pois... Devem achar que os portugueses são estúpidos.
Em segundo lugar,
António José Seguro não se pode fazer de vítima ofendida. Porque António José
Seguro, ao contrário do que pretendem os novos seguristas convertidos que
pululam por aí na blogosfera e na imprensa escrita, não foi nenhum Patriota
ou homem com Sentido de Estado neste processo. Bem pelo contrário: António José
Seguro foi um medroso. Então, cabe na cabeça de alguém que o partido que está a
negociar um acordo de salvação nacional com o Governo, vota, no Parlamento, uma
moção de censura a esse mesmo Governo? Quer dizer: os parlamentares
socialistas votam uma moção de censura que teoricamente serve para derrubar o
Governo, enquanto que os responsáveis máximos do partido estavam à mesa das
negociações com o Governo que queriam derrubar! Isto não é infantil. Isto não é
amadorismo político. Em português, só há duas palavras para descrever o
comportamento do PS: ridículo e risível (por acaso, a palavra que me passou
pela cabeça é estúpido, mas não a vou dizer pela consideração, muito pouca, que
ainda tenho por António José Seguro). Portanto, Portugal - que é o mais
importante, a nossa Pátria - parou, com prejuízos sérios para a nossa economia,
para que os políticos-politiqueiros andassem a brincar durante uma semana aos
polícias e aos cowboys. E agora vem o ponto ainda mais censurável: brincadeira
que mereceu o alto patrocínio de Sua Excelência, o Presidente da República.
O mais
surpreendente nesta história é que Cavaco Silva sabia que PSD e PS tinham
posições políticas irreconciliáveis, sendo, por conseguinte, quase impossível
um acordo - quanto mais um acordo de governação. E achou que bastava
forçar os dois partidos para conversarem, tomar uns chazinhos nas respectivas
sedes partidárias, para que passassem a falar melhor. Puro engano. Por
conseguinte, o grande perdedor deste processo é Cavaco Silva. Note-se: cavaco
Silva, desta vez, nem sequer poderá "lavar as mãos" deste falhanço e
atirar as responsabilidades para outrem - é que Cavaco Silva esteve presente
nas negociações, por intermédio de David Justino, consultor de Cavaco Silva
para os assuntos sociais. Portanto, Justino, um funcionário da Casa Civil do
Presidente, esteve com os partidos nas negociações - e não conseguiu nenhum
resultado útil. Ou seja, já nem os partidos políticos respeitam Cavaco Silva.
Dito isto, Cavaco
Silva terá de tomar uma decisão clara, que será comunicada hoje às 20h30.
Repito: Cavaco Silva perdeu toda a sua autoridade com esta paródia nacional de
que ele é co-autor. Foi profundamente desrespeitado pelos partidos políticos. Aceitar
a remodelação governamental proposta por Passos Coelho, seria um desastre para
Cavaco Silva - pois torna-o o único responsável pela semana de brincadeira que
Portugal viveu. Logo, existindo coerência e racionalidade nas decisões
políticas de Cavaco Silva, a única saída airosa que tem para manter alguma
autoridade é dissolver a Assembleia da República - e convocar eleições
antecipadas já. É cero que é reescrever uma frase do seu discurso de dia 10 -
mas aceitar a remodelação proposta por Passos Coelho e Paulo Portas é anular
completamente o seu discurso e auto-criticar a sua intervenção na gestão da
crise política.
Por último,
repare-se que Cavaco Silva afirmou, nas Selvagens, que é imune a pressões. Ora,
Marques Mendes, em nome do Governo, ontem já começou a pressionar o Presidente
para viabilizar a solução governativa Coelho/Portas. Porventura, este será mais
um dado a ter em conta por Cavaco Silva...Ou então não, já que racionalidade e
coerência parecem não existir lá para os lados do Palácio de Belém com o actual
inquilino...
Leia mais em
Expresso
Sem comentários:
Enviar um comentário