Rui Peralta, Luanda
I - Hassan Rohani, o
novo presidente iraniano, vencedor das eleições presidenciais é um “moderado”,
o que na nomenclatura politica iraniana não representa um reformista, mas antes
um conservador consensual, habituado às negociações inerentes á manutenção dos
equilíbrios orgânicos da elite politica islâmica iraniana. Neste sentido Rohani
é uma figura diametralmente oposta ao anterior presidente Ahmadinejad, considerado
um “radical”, que contava, inicialmente (no segundo mandato as relações
deterioram-se) com o apoio dos sectores conservadores da ala histórica do
regime (os “principalistas”, erradamente considerados fundamentalistas, que
rodeiam o líder máximo do país, o aiatola Ali Khamenei) e dos sectores
populistas.
Ahmadinejad
imprimiu uma política externa profundamente anti-imperialista, de cariz
nacionalista e vagamente socializante, no plano interno. Aproximou o país ao
eixo bolivariano (Venezuela, Bolívia, Equador), manteve boas relações com Cuba,
com o Brasil e com a Argentina, ampliou os laços com a Rússia, reforçou as
relações com a China, procurou um relacionamento mais profundo com o continente
africano (que ainda não entendeu a vantagem potencial que reside no
estabelecimento de relações de cooperação mais profundas com o Irão, o que
também é devido ao estado de bajulação neocolonial que está estabelecido no
continente) ensaiou pontes de relacionamento estável com a India e provocou a
hostilidade do ocidente, que não viu com bons olhos a política nacionalista de
Ahmadinejad e a sua priorização do projecto nuclear iraniano.
O alto índice de
participação nas eleições, 72,7%, desmentiu a possibilidade avançada pelos
serviços de informação ocidentais que apostavam numa abstenção numerosa por
parte da classe média urbana. Pelo contrário, a classe média urbana iraniana
parece ter-se contentado com a vitória eleitoral dos “moderados”, embora os
radicais mantenham poder suficiente no Parlamento e os assuntos de defesa,
segurança interna e de política externa, incluindo o programa nuclear estejam
obrigados ao acordo de Khamenei.
II - Rohani, com 64
anos de idade, é um clérigo, um homem com formação em Teologia Islâmica e
Direito Islâmico, e um doutoramento em
Direito na Universidade de Glasgow, na Escócia. Viveu vários anos na Europa e
fala alemão, russo, inglês e francês. A sua carreira no Estado Iraniano, depois
da Revolução Islâmica, esteve sempre ligada aos sectores da defesa e da
segurança, assumindo durante a guerra com o Iraque, posições de alta
responsabilidade nos serviços de inteligência iranianos. Em 1989 foi nomeado
para o Conselho de Segurança Nacional e dez anos depois para o Conselho de
Peritos, um organismo do Estado iraniano que reúne especialistas dos mais
diversos ramos do saber e das actividades económicas.
Em finais de 1999
assume a liderança da equipa negociadora dos assuntos nucleares, cargo que
ocupou até 2005, sendo afastado com a entrada em funções do presidente
Ahmadinejad, que imprimiu uma nova dinâmica ao projecto nuclear e que acusou
Rohani de manter uma linha demasiado cautelosa em relação á Europa e aos USA, o
que segundo Ahmadinejad, era uma atitude que afectava o progresso do programa
nuclear. Numa entrevista realizada em Março deste ano, na televisão pública
iraniana, durante a campanha eleitoral, o entrevistador usou os mesmos
argumentos de Ahmedinejad ao que Rohani reagiu intempestivamente chamando-o de
“analfabeto” e afirmou ser falso que durante o seu mandato o programa nuclear
avançasse de forma lenta, em função das relações diplomáticas, assumindo-se
como o grande responsável pela implementação do programa e pelo seu
desenvolvimento.
Na política
externa, Rohani pretende normalizar as relações com os USA e a Europa,
deterioradas durante a administração de Ahmadinejad. Mas na frente interna não
se espera grandes alterações durante o mandato de Rohani, que durante a
campanha defendeu que o governo deve interferir menos na vida dos cidadão, o
que levou as classes médias urbanas, que pretendem libertar-se do controlo imposto
pelos sectores religiosos, a prestarem-lhe o seu apoio. Por ser um hábil
negociador e um homem de consensos é natural que a sociedade iraniana sofra uma
maior abertura ao exterior e que o peso dos valores religiosos se esbatam e se
diluam, levemente, durante a sua administração, mas os que esperam por grandes
transformações ou por um projecto reformista, ver-se-ão desiludidos, porque
Rohani nunca enveredará por uma via que o afaste do consenso e o empurre para o
confronto aberto com os radicais.
III - Rohani contou
com o apoio dos ex-presidentes Akbar Hashemi Rafsanyani e Mohammed Katami e com
a declinação, a seu favor, quatro dias antes do acto eleitoral, do candidato
Mohammed Reza Aref. Os “moderados” jogaram tudo na primeira volta das eleições,
evitando o cenário da segunda volta, utilizando um discurso que mobilizou a
descontente classe média das cidades, que sentia-se ameaçada pelas reformas de
Ahmadinejad (o único presidente iraniano que apesar de ser um “radical” encetou
um sério programa de reformas sociais, que beneficiaram as camadas rurais mais
necessitadas da sociedade iraniana, embora causassem a desconfiança e o temor
das camadas médias das urbes).
Do lado dos “radicais”,
representados por três candidatos – o alcaide de Teerão, Mohammed Baker
Qabilaf, Ali Alili, chefe da equipa de negociações do programa nuclear e Ali
Akbar Velayaties, próximo a Ahmadinejad – as divisões eram mais intensas e os
consensos muito mais difíceis de obter, devido á maior amplitude de interesses
reflectida neste sector, que abrange desde os conservadores religiosos, aos
nacionalistas progressistas, passando por uma vasta gama de tendências
populistas.
A Republica Islâmica
do Irão é um sistema complexo de relações e de dinâmicas de Poder. Não existe
um centro de Poder definido. O Conselho Supremo, os pasdarans, o Conselho de
Peritos, o Conselho de Segurança Nacional, são instâncias do poder executivo,
com uma larga autonomia institucional, mas interrelacionadas de uma forma mais
operacional do que hierárquica, ou minimamente hierarquizadas no seu
relacionamento. Enquanto o Poder Legislativo e o Poder Judicial contêm centros
únicos (o Parlamento Islâmico e o Tribunal Supremo) o Poder Executivo é
composto por uma miríade de instituições que poderão ser mais ou menos preponderantes
e que criam uma encruzilhada de jogos de Poder, na qual o Presidente da
Republica é apenas mais um actor, que pode desempenhar diferentes papéis, mas
com competências próprias e especificas ao seu cargo de alto magistrado e
responsável máximo do executivo.
O actual Líder
Supremo o aiatola Khamenei, inicialmente viu com bons olhos a eleição do
presidente Ahmadinejad, um “radical” que aparentemente favorecia os interesses
dos conservadores religiosos (os principalistas), que se reúnem em tono do Líder
Supremo. Mas a agenda própria de Ahmadinejad, no exercício da Presidência da
Republica, criou fissuras nas relações com o Líder Supremo. Os últimos dois
anos foram de difícil relacionamento entre ambas as instituições e apenas as
manifestações e o descontentamento das classes médias urbanas, as manteve em diálogo
mínimo e concertado.
Os “radicais” da
linha de Ahmadinejad (nacionalistas progressistas) tinham uma agenda diferente
dos “radicais” próximos ao Líder Supremo, mas este nunca teve força suficiente
para desautorizar Ahmadinejad, ou de destitui-lo (o que seria possível apenas
através do parlamento). Por sua vez o Presidente da Republica (que não é
Comandante em Chefe, ou seja não detém autoridade militar, pois os militares
estão sujeitos a obediência ao Parlamento, que é quem declara a guerra e as
medidas de emergência) adquiriu uma forte preponderância no Conselho de
Segurança Nacional (logo nos serviços de inteligência) enquanto o Líder Supremo
e a sua corrente política dominavam o Conselho de Peritos. Não é por isso de
descartar a hipótese (plausível se atendermos ás dinâmicas e relacionamentos
internos e orgânicos do Estado) que o aiatola Jamani tenha obtido uma vitória
politica com a eleição de Rohani, apesar das suas divergências e diferentes
interesses.
IV - A cobertura
mediática foi reveladora da ignorância do Ocidente no que diz respeito á política
iraniana. Nenhuma das analises dos “experts” - as habituais figuras especializadas
em tudo, desde do gato da Joana que ficou preso na árvore até aos mais
complexos problemas do macrocosmos e da economia, passando pelas trivialidades
da política - fazedores de opinião (opinionemeiqueres), que fazem fila á porta
dos estúdios para fazerem ouvir os seus mal esclarecidos e pouco esclarecedores
comentários, ou fazem sentir o peso (insustentavelmente leve, como a
aerodinâmica do hipopótamo) da torta palavra, escrita em linhas direitas,
previu o triunfo dos “moderados”, limitando-se a repetir o discurso de
Washington que se afogava em lágrimas por o seu candidato, o ex-presidente
Rafsanjani, ter visto vetada a sua candidatura, pelo Conselho Supremo da
Revolução Islâmica, liderado pelo Líder Supremo, o aiatola Khamenei.
O veto á
candidatura de Rafsanjani foi interpretado no ocidente como um “gesto de
desespero” do Líder Supremo, que entrou em “pânico com a força dos reformadores”.
A campanha mediática que foi desencadeada durante os protestos das classes
médias de Teerão acabou por tornar-se numa intensa campanha propagandística e
com relação ao Irão, o ocidente não consegue ir além de slogans e de histórias
da aleijadinha, ou de argumentos próprios dos dramas de faca e alguidar, que
põem as velhinhas a chorar pedras da calçada. E com estas eleições passou-se o
mesmo. Acabou por ser divertido ver, ouvir e ler, a surpresa manifesta dos
papagaios e catatuas da indústria mediática, perante a vitória eleitoral de
Rohani.
Afinal, o Irão,
ainda tinha um bocadinho de democracia, diziam os risos, amarelos pelo
desconcerto com que as análises do ocidente enganam os seus próprios
manipuladores…
V - Nas eleições
iranianas de 14 de Junho, os oito anos da presidência de Ahmadinejad -
caracterizados por uma política externa independente, dissonante com o Ocidente
e de uma política interna baseada nas aspirações camponesas e apostando
fortemente no projecto nuclear, transformado em questão vital para a soberania -
foram julgados. Foi fatal a Ahmadinejad uma economia problemática. A vida
quotidiana do Irão é afectada por questões básicas, como o deficiente abastecimento
alimentar e a falta de medicamentos. O presidente iraniano foi demonizado pelas
classes médias urbanas, assustadas com o seu discurso socializante e com a sua
perspectiva externa contrária aos desígnios ocidentais.
Ahmadinejad via nas
classes médias aquilo que realmente são: uma massa disforme e confusa de
funcionários, profissionais liberais e pequenos empresários, caracterizados
pela relação de propriedade. Este cluster social julga que a solução para o
drama económico iraniano consiste numa mera abertura do mercado ao Ocidente. As
classes médias urbanas iranianas (iguais ás de todo o mundo, com os mesmos
tiques, as mesmas crenças e as mesmas mitologias alienantes), fortemente
aculturadas e com um gosto especial pelo Ocidente, abominavam a figura do
presidente iraniano, considerando-o um campónio, um ditador e um retrógrado, na
melhor das hipóteses, havendo ainda os sectores mais desesperados, á beira da
falência, que o consideravam um perigoso comunista.
As aspirações
nacionalistas de Ahmadinejad soçobraram perante a fraqueza da economia
iraniana, que naturalmente tornou-se um dos dois temas centrais do cenário
eleitoral. O outro tema estava escondido por debaixo do projecto nuclear
iraniano e chama-se relações com o Ocidente. Com a política de Ahmadinejad
essas relações tornaram-se ainda mais conflituosas e a classe média teme as
consequências desse conflito (o que a deixa num papel de relevo no bluff
externo criado pelo Ocidente). Desde a revolução Islâmica que o Ocidente olha
para o Irão como um inimigo permanentemente diabolizado, um nicho de
terroristas e um centro de clérigos fanáticos e fundamentalistas.
A insistência do
Irão em ter uma via de desenvolvimento assente na soberania dos recursos entra
em contradição com os actuais ditames da presente ordem internacional. O Irão é
temido e por isso é atacado, mas o receio que o Irão inspira ao Ocidente é
devido á incompreensão ocidental, que não consegue entender as dinâmicas
internas do país e a arquitectura institucional estabelecida pela Revolução Islâmica.
Os argumentos que o Ocidente esgrime na sua cruzada contra o Irão, são o sinal
evidente desta incompreensão da realidade iraniana e constituem um bloqueio
cultural, que não resiste a uma análise mais séria e profunda, mesmo que
efectuada dentro dos parâmetros predominantes da actual lógica do Ocidente.
As condenações a
que o país é sujeito por parte da U.E. dos USA e da ONU, que se reflectem na política
de sanções impostas aos iranianos, baseiam-se em pressupostos errados e em
premissas que nunca foram comprovadas. Apesar dos USA, logo depois dos
resultados eleitorais serem conhecidos, afirmaram-se prontos para negociar com
o Irão o seu programa nuclear, demonstrando algum optimismo e deixando no ar
uma vaga hipótese de abrandar as sanções, é pouco provável que isso venha a
acontecer de imediato.
Israel, pela voz do
primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, afirmou que a pressão sobre o Irão não
deve ser abandonada. Netanyahu, conhecedor da realidade institucional iraniana,
referiu que o Líder Supremo é quem determina o programa nuclear e não o
presidente, pelo que a pressão deve continuar, até para “auxiliar o processo
reformista”. E arrematou com a habitual ameaça: “Se o Irão insistir em avançar
com o programa de armamento nuclear o resultado final deve ser claro. De uma
forma ou de outra o programa tem de ser parado.”
As sanções
aplicadas ao Irão visam a asfixia económica do país, de forma a criar focos de
instabilidade, o que foi conseguido com as classes médias dos principais centro
urbanos, mais sensíveis á pressão e às relações comerciais com o Ocidente. David
Cohen, Subsecretário de Estado para o Terrorismo, declarou á al-Arabiya, que as
sanções afectaram a capacidade do Irão e dos seus serviços de inteligência em
manterem os elevados níveis de suporte ao Hezbollah e ao Hamas, para além de
prejudicarem os apoios iranianos á Síria.
O Irão é, assim,
sancionado pela possibilidade incerta de num determinado momento do presente ou
de um futuro próximo produzir armas nucleares, o que nunca foi comprovado e que
o Irão refuta, argumentando que o seu projecto de desenvolvimento nuclear é
para fins energéticos e não para fins militares. Duas questões essenciais devem
ser colocadas, na actual e decadente ordem internacional: a da decisão soberana
e o da legitimação dos tratados internacionais. Vamos supor – porque nada
indica que essa seja a intenção – que o Irão utilizará o projecto nuclear com
fins militares, para além das óbvias finalidades civis. É uma decisão soberana
e legítima. Algumas vozes angelicais perguntam de imediato: “Então e os
tratados internacionais de Não Proliferação Nuclear?” Esses, meus angelicais e
etéreos seres, valem o que valem. E valem o que valem porque são assentes numa
lógica de domínio e não na legitimidade da decisão soberana.
Os actuais tratados
favorecem o clube dos que já possuem as armas nucleares, um restrito clube de
cavalheirescos cavaleiros e garbosos cavalos, que impede a entrada aos jovens
pretendentes. Os privilegiados outorgam-se de um direito quase divino e
consideram-se os eleitos, os únicos que podem manter os arsenais nucleares,
porque com eles estão “em boas mãos”. Como este clube de privilegiados, de
eleitos que possuem as virtudes cedidas pela divindade do bom senso e da razão
pura, é o mesmo que tem assento permanente no Conselho de Segurança da ONU,
fica constituído o monopólio das armas nucleares. Tudo o que está para além das
suas decisões é proliferação nuclear.
Só teme a
proliferação nuclear os que pretendem manter a sua hegemonia. É legítima a
vontade soberana que provenha de um Estado que opte pela utilização dos
arsenais nucleares, pois esta é uma opção de defesa perante as pretensões
hegemónicas do bloco dominante. Os tratados internacionais só são legítimos,
quando assentam em pressupostos e procedimentos de igualdade de tratamento e de
respeito mútuo, pois só assim a fonte da legitimidade, que provém da soberania
dos signatários, poderá impor a implementação do acordo.
Neste contexto a
Republica Islâmica do Irão joga um papel fundamental na desarticulação dos
discursos e da praxis da homogeneização na política internacional. O maior
legado de Ahmadinejad foi a aproximação efectuada entre a América Latina, o
mundo árabe, África e o mundo persa, no contexto da cooperação sul-sul, numa lógica
de combate á hegemonia e assente na construção de um padrão critico nas
relações internacionais. Se Rohani vai reconhecer este facto e continuar nesta
senda, ou não, é, por enquanto, uma incógnita. Depende das cedências que fizer
aos interesses que o elegeram e aos interesses que o rodeiam: ou cede á radical
moderação da classe média e das elites económicas (que o elegeram), ou á
moderada radicalidade das elites surgidas após a Revolução de 1979 (que é a sua
origem).
Quanto às
aspirações populares terão de ficar na fila de espera. São ardilosos, os
trilhos do Profeta…
Fontes
Sáenz de Ugarte, Iñigo http://www.guerraeterna.com/rohani-un-politico-de-consenso-para-gobernar-iran/
Horacio Molina,
Ángel http://www.jornada.unam.mx/archivo_opinion/autor/front/53/37264
Oyarzo Varela,
Cristina http://analisiscriticointernacional.blogspot.com/
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