Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
Faz todo o sentido que
Vítor Gaspar se tenha demitido por causa das cedências de Nuno Crato aos
professores. Elas não foram apenas uma monumental desautorização das suas
imposições a todos os ministérios. Tiveram efeitos orçamentais significativos,
deixaram a troika de cabelos em pé e foram um prenúncio do que espera Passos
Coelho na sua tão desejada "reforma do Estado". Provaram que nenhum
governo pode, com o mínimo de paz social, fazer o "ajustamento" que
agora se propõe. Se o querem terão de suportar a paralisação do País. Desse
ponto de vista, a greve dos professores aos exames e as suas consequências
politicas são uma importantíssima lição para os que se opõe a este rumo mas não
querem fazer ondas. Ou estão disponíveis para um combate tão agressivo como a
politica imposta pela troika ou aceitam a derrota de uma vez por todas. Os
professores mostraram como se ganha a guerra política das nossas vidas (sim, o
confronto com a agenda da austeridade determinará a vida das próximas
gerações). Agora resta saber quem está disponível para tanta dureza.
Se a demissão de Vítor Gaspar foi por causa da aprovação, por parte dos
deputados da maioria, das recomendações do PS para a politica económica, então
estamos perante um homem distraído. Só agora percebeu que apenas Passos e
Cavaco o seguravam? Sentiu-se desautorizado. Mas espanta-se? Não foi ele que
exibiu de forma absurda a sua autoridade no famoso despacho que paralisou os
ministérios depois da decisão do tribunal Constitucional? Não foi ele que
lançou a inútil confusão na Função Pública com a história dos subsídios?
Julgava o quê? Que por, como orgulhosamente disse, não ser eleito as regras da
politica não se aplicavam a ele? Se foi por isto que Gaspar se demitiu, o seu
alheamento face à realidade que o rodeia é ainda maior do que eu supunha. Ele,
que desautorizou todo o governo, os deputados e o parceiro de coligação várias
vezes, julgava que estava a salvo da devida resposta.
Há também a possibilidade de Vítor Gaspar se ter demitido pelas razões que
apresentou na sua carta: porque as suas politicas tiveram efeitos recessivos e
isso desequilibrou as contas públicas, deixando-o fragilizado politicamente.
Seria uma extraordinária confissão a que o primeiro-ministro deveria prestar
atenção: tudo o que Gaspar escreveu sobre a sua própria situação se aplica à de
Pedro Passos Coelho.
Seja qual for a razão para a demissão de Gaspar, sabemos que há uma coisa que
não muda: Pedro Passos Coelho continua o mesmo desastre politico de sempre. É
verdade que a demissão de Gaspar era a demissão de quase tudo o que Passos
defendeu nos dois últimos anos. E o princípio do fim. Mas, perante este revés,
tinha, com a escolha de Paulo Macedo, a possibilidade de dar um novo fôlego
politico ao seu governo. Não duraria muito o estado de graça. Mas sempre era um
tempo para respirar. Quem escolheu Passos para substituir Gaspar? Maria Luís
Albuquerque.
Umbilicalmente ligada a todas as decisões que foram tomadas nos últimas
semanas, trata-se de uma solução de continuidade, sem a vantagem (para o
governo) de ter relações próximas com a troika. Ou seja, é uma espécie de Vítor
Gaspar da loja dos 300. Percebo o que move Passos: cercado no seu próprio
governo não quis escolher um dos que se opôs a algumas das medidas das
Finanças. O que prova o extraordinário isolamento de Passos Coelho. Não apenas
no Pais. Não apenas na coligação. Não apenas no PSD. Mas no próprio Conselho de
Ministros.
Mas o mais grave é mesmo a relação de Maria Luís Albuquerque com os contratos
swap, as omissões e mentiras que foi transmitido em todo este processo e a
purga de secretários de Estado que liderou por terem assinado contratos em tudo
semelhantes aos que ela própria assinou na Refer. Todo este processo deveria
servir de aviso de Passos Coelho. Mas os avisos, por mais claros que sejam, é
coisa que o primeiro-ministro nunca entende.
Antes de saber da demissão de Gaspar tinha escrito, para hoje, um texto em que
explicava que Maria Luís Albuquerque, com tudo o que já se sabe sobre dossiê
dos swap, não tinha condições para continuar a ocupar o lugar de secretaria de
Estado. O meu texto ficou desactualizado. A senhora foi promovida a ministra. O
que prova que até eu continua a subvalorizar a infinita estupidez de Pedro
Passos Coelho. Swaps. Vai ser esse o assunto dos próximos meses. Deixando a
nova ministra a ferver em lume brando, de revelação em revelação até à
revelação final. Não espanta que Passos não o perceba. Afinal de contas, este é
o homem que levou Miguel Relvas, que toda a gente sabia quem era, para o
governo.
Sem comentários:
Enviar um comentário