Mário Soares – Diário de Notícias, opinião
1- Toda a
gente pensava - e dizia, com mais ou menos razão - que o Governo estava
moribundo e que a política de austeridade, além de ser uma desgraça para
Portugal, nos levaria de mal a pior. Assim tem sido, como se tem visto.
Entretanto, veio a
bomba da demissão de Vítor Gaspar, com uma carta para o primeiro-ministro,
especialmente bem escrita, a dizer que tinha errado, sem remédio, sem o apoio
necessário do primeiro-ministro. A carta, note-se, foi divulgada pelo seu
autor.
Seria que a
política financeira e económica, mal conhecida pelos portugueses, ia mudar?
Não! Visto que o primeiro-ministro nomeou como ministra das Finanças a antiga
secretária de Estado de Gaspar, Maria Luís Albuquerque, extremamente próxima do
anterior ministro. Quer dizer: com a demissão de Gaspar nada iria mudar, não
obstante a nova ministra ser uma pessoa polémica, dado que tinha mentido, mais
de uma vez, no Parlamento.
Passos Coelho não
perdeu tempo e pediu ao seu amigo e aliado (de agora, note-se), o Presidente
Cavaco Silva, para lhe dar posse imediata - o que aconteceu, estando pouca
gente, o que faz pensar que nem todo o Governo foi posto ao corrente.
Ao que parece,
ainda a cerimónia não tinha acabado quando rebentou outra bomba: o discurso,
completamente inesperado, de Paulo Portas a demitir-se. Também não avisou
ninguém nem sequer os seus companheiros mais próximos do partido e membros do
Governo. Um discurso bem estruturado, dito pelo autor como irrevogável, que
deixou o País entusiasmado. Porque representava o fim de um Governo moribundo,
há semanas completamente paralisado.
Direi que esta
segunda bomba foi maior do que a primeira. Porque sem os votos do CDS-PP, o
Governo perderia a maioria, o que implicava a sua queda automática.
Contudo, o discurso
de Paulo Portas foi feito sem dizer nada aos seus companheiros do partido, nem
sequer os informou. Souberam tudo pela televisão e pela rádio. Estranha posição
de um líder que ignora os seus pares e que talvez julgue que só o que ele diz é
o que conta. Enganou-se redondamente, porque os protestos dos membros do CDS-PP
não se fizeram esperar... Mesmo dos mais próximos e sobretudo dos dois membros
do Governo: Assunção Cristas e Mota Soares.
Perante esta
invulgar situação, completamente absurda, o primeiro-ministro, Passos Coelho,
não perdeu tempo. E começou por dizer que não aceitava a demissão de Portas,
como se alguém, em democracia, pudesse dizer não a um ministro que se demite.
E assim começou a
"ópera bufa", como lhes chamaram, das conversas mais ou menos
clandestinas entre os três protagonistas principais: Portas, Passos Coelho e
Cavaco Silva, este último em silêncio, como de costume, ouvindo e calando.
Até que veio a
notícia, depois de muitos boatos e rumores, de que, afinal, Portas aceitava
ficar no Governo. Foi na sexta-feira ao fim da tarde. Mas onde, em que pasta e
porquê? Ter-se-á arrependido do discurso que fez por estar embriagado ou
qualquer outra razão singular?
A verdade é que as
conversações entre Passos Coelho e Paulo Portas se prolongaram durante dois ou
três dias e finalmente, depois de o primeiro-ministro ouvir várias vezes o
Presidente, Cavaco Silva, chegou-se a acordo: Paulo Portas deu o dito pelo não
dito e afinal deixou cair o que era irrevogável. Ficou no Governo, ao que diz oDiário
de Notícias, como "vice" de Passos Coelho, entrando mais membros do
CDS-PP para o Governo.
No entanto, os
mercados pronunciaram-se, as bolsas caíram a pique, os juros aumentaram e as
agências de rating perceberam finalmente que o Governo português não
tinha consistência política e social nenhuma. E é incapaz de ter alguma ideia
de mudança.
O Presidente,
Cavaco Silva, parece ter gostado da solução, embora tenha continuado em
silêncio. A legitimar este Governo, apesar de totalmente desacreditado pela
imprensa internacional e pelos portugueses, porque o Presidente não quer é que
lhe ponham "o menino nos braços" (ou seja o Governo)...
No sábado passado
foi vaiado outra vez pelas duas centrais sindicais em conjunto e por
representantes de diversos partidos, mas de janelas fechadas no seu palácio,
não deve ter ouvido as vaias, como de costume. E depois de ter falado na
Europa, não parece ter dado conta das vaias que lhe fizeram e que se transmitem
cada vez mais aos portugueses desempregados e mesmo com emprego, que o
detestam. Nunca se viu, desde o 25 de Abril, um Presidente tão impopular.
Entretanto, alguém
desapareceu: a jovem ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, que se
retirou para parte incerta. Ainda é ministra ou já não, devido ao novo aparelho
governamental que está a ser fabricado por Passos Coelho e Paulo Portas?
Ninguém sabe responder, se calhar nem a própria...
Nestes poucos dias,
o atual Governo perdeu completamente o crédito. A imprensa internacional assim
o escreveu. E a troika está já a fazê-lo sentir. Assim não! Não há
qualquer base social de apoio. Acontece que a verdade vem sempre à tona de
água. Será que Cavaco Silva continua a pensar no pós-troika, daqui a vários
anos, e não pensa no descrédito total de um Governo que, ao contrário do que
julga, vai de mal a pior e em pouco tempo tudo lhe vai cair em cima, sem
remédio? Alguém com um mínimo de senso acredita que o Governo que aí vem, mais
desprestigiado do que nunca, com ou sem Portas, não terá ficado totalmente
desacreditado nos últimos dias?
Que gente mais
incompetente, desacreditada e incapaz! Esperem pelo que aí vem. Porque os
portugueses estão fartos e começam a pensar que sem alguma violência as coisas
irão sempre de mal a pior. O Presidente que se cuide também... Com este Governo
pobre e incapaz, de que ninguém gosta e que nesta semana ficou completamente
desfeito, sobretudo no contexto internacional.
Realmente, como é
que os mercados podem acreditar num Governo que não tem qualquer base social de
apoio e os partidos da coligação, como se tem visto, não têm qualquer impacte
na população, sendo que o partido maioritário, o PSD, na sua esmagadora
maioria, não se revê no seu partido e que os candidatos às próximas eleições
autárquicas se dizem "independentes" para as poderem ganhar...
A composição do
Governo refeito não é ainda conhecida, mas parece ter mais representantes do
CDS-PP do que sociais-democratas. Tirando a ministra das Finanças, que tendo
desaparecido fica agora dependente do seu antagonista, Paulo Portas. Que
interessante composição... Ninguém pode esperar nada de uma tal equipa, morta
antes de nascer.
2 - TEMOS ESPERANÇA
NO NOVO PATRIARCA?
No último domingo,
realizou-se a primeira missa de D. Manuel Clemente, atual patriarca, no
Mosteiro dos Jerónimos. Havia a esperança de ser um novo impulso para a Igreja
portuguesa, muito mais aberta do que a espanhola e mais próxima do pensamento
do novo Papa Francisco.
Mas não foi. A
missa, instrumentalizada pelo Governo moribundo que temos, tornou-se uma
vergonha inaceitável. A presença do Presidente da República, nada discreta, de
Passos Coelho e de Paulo Portas e mais a claque dos capangas que lá puseram
para bater palmas aos políticos presentes resultou num escândalo. Nenhum
católico verdadeiro pode aceitar uma tal humilhação a que sujeitaram o
patriarca, que, julgo, não a merecia. Mas a verdade é que não reagiu e pelo
contrário parecia satisfeito, como se viu na televisão.
Se a Igreja não
deve intrometer-se na política, a verdade é que os políticos também não devem
aproveitar-se da Igreja para fazerem propaganda. Teremos voltado ao tempo
triste do fascismo?
Foi o que
aconteceu, sem que o senhor patriarca tivesse reagido minimamente. Começou
muito mal com a sua primeira missa. Direi mesmo que foi uma vergonha que
infelizmente o vai marcar negativamente perante os católicos sinceros e
progressistas, sem falar dos leigos, como eu, que se lembram bem dos tempos em que
o fascismo utilizava a religião...
Não sei agora como
é que o senhor patriarca vai falar dos desempregados e dos pobres, quando
deixou que os responsáveis por essa desgraça nacional fossem aplaudidos nessa
primeira missa, obviamente organizada pelos políticos, como está à vista,
quando são vaiados sempre que se atrevem a aparecer na rua.
É óbvio que uma
Igreja como o Mosteiro dos Jerónimos é um local sagrado. Não se compreende
assim que o novo patriarca, que é uma pessoa culta e experiente, deixasse que os
políticos presentes fossem aplaudidos sem que ele, patriarca, lhes lembrasse
que a Igreja onde estavam é um lugar sagrado, não é um lugar próprio para esse
tipo de manifestações políticas. Começou mal, muito mal, as suas novas funções,
como o povo católico mais humilde vai compreender.
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