José Manuel Pureza –
Diário de Notícias, opinião
Se há coisa que a
Direita - política, económica e ideológica - encara como alvo prioritário de
combate essa é a escola pública. A razão é simples: a escola pública é um dos
mais eficientes mecanismos - a par do Serviço Nacional de Saúde - de ligação
indissociável entre a democracia e a igualdade. Na escola pública - como no
Serviço Nacional de Saúde - o filho do rico é igual ao filho do pobre. Na
escola pública - como no Serviço Nacional de Saúde - a igualdade que combate a
discriminação e a diferença que combate a despersonalização dão-se as mãos nas
estratégias de dignificação de todos e de cada um. Porque é isso que é exigido
pelo primado de uma cidadania democrática. E são esse entendimento e essa
política que a Direita portuguesa não tolera e nunca aceitará.
A Direita sempre
viu na igualdade efetiva que anima a escola pública um mal a erradicar. A sua
estratégia é clara: primeiro, fazer crer que o primado da escola pública tem um
animus totalitário e uniformizador; depois, apregoar o princípio abstrato da
"liberdade de escolha" associando-o a uma subsidiariedade invertida
(o ensino público subsidiário da oferta privada e não esta como supletiva do
primado da rede pública); finalmente, a responsabilização financeira do Estado
pela oferta de ensino privado, não apenas lá onde a rede pública não chega mas
em toda a parte - isto é, a obrigação de o Estado pagar a concorrência contra
si próprio. Por outras palavras, o Estado supostamente totalitário e ameaçador
torna-se libertador se aceitar pagar a fatura da iniciativa privada.
É o modelo desse
financiamento que o Governo se apresta a rever em breve. O seu guião será o do
aristocrata de Lampedusa posto em filme inesquecível por Visconti: "algo
tem que mudar para que tudo fique na mesma." No caso, o valor transferido
diretamente para as escolas no âmbito dos contratos de associação descerá -
ficando, ainda assim, acima do que havia sido fixado pelo Governo anterior - e,
em contrapartida, aumentará o financiamento direto às famílias que queiram ter
os seus filhos no ensino privado ou cooperativo, incrementando os chamados
"contratos simples".
O bolo global da
fatura privada paga pelo orçamento público não diminuirá, portanto. Mas o que
diminuirá, disso não há dúvidas, é o financiamento público da escola...
pública. E a sua desqualificação através do despedimento de professores e
funcionários ou do encerramento de escolas. Vale pois a pergunta: há razões de
eficiência acrescida que justifiquem esta transferência de dinheiro público
para o setor privado neste domínio? A resposta é um rotundo não. A
Inspeção-Geral da Educação tem insistentemente identificado no ensino privado e
cooperativo práticas de excesso de alunos por turma, sobrecarga ilegal de
tarefas e de horários para professores impostas arbitrariamente ao abrigo da
precariedade mais escandalosa, afastamento de alunos cujas classificações fazem
perigar o lugar dessas escolas nos rankings, subalternização das atividades de
enriquecimento curricular ou mesmo cobrança de propinas ilegais (por exemplo,
sob a forma de pagamento obrigatório de senhas de refeição por crianças
apoiadas pela ação social escolar).
Não, não é de
liberdade de escolha que se trata coisa nenhuma. É sim de apoiar clientelas
políticas da maioria governamental para que estas se fortaleçam à custa da
delapidação do bem público, seja este a escola pública ou o dinheiro dos
contribuintes. E de cumprir uma obsessão ideológica de combate à igualdade efetiva
de todos em favor da escolha real só de alguns. Os de sempre.
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