Gabriele Crescente –
Presseurop, editorial
No começo da
“primavera árabe”, muitos observadores europeus compararam os levantamentos
contra os regimes autoritários do Norte de África e do Médio Oriente aos que
provocaram a queda dos regimes comunistas europeus, em 1989. Esperavam assistir
a uma vaga de democratização e de desenvolvimento, alimentada por uma nova
geração de jovens que se inspiravam nos valores ocidentais.
Conforme salientou, em maio de 2012, a
diretora-geral adjunta do FMI, a egípcia Nemat Shafik, a diferença é que, em
1989, “a economia mundial estava em plena expansão, a União Europeia estava
preparada para acolher entre os seus membros países em transição e era fácil
obter financiamentos externos”. A transição dos países árabes verificou-se num
contexto muito mais difícil. Segundo Nemat Shafik, sem uma “primavera
económica” a acompanhar a renovação política, a primavera árabe estaria
condenada ao fracasso, mas, por outro lado, o peso das profundas reformas
necessárias teria um impacto potencialmente negativo sobre os cofres já vazios
desses países instáveis.
Após o
regresso sangrento do Exército, no Egito, o fracasso está à vista de todos.
E a situação atual parece, como sublinham entre outros Robert D. Kaplan e Jonathan Steinberg, ser mais
comparável a um outro grande ciclo revolucionário que fracassou: a “primavera
dos povos” de 1848.
Contudo, entre os
pontos comuns manifestados entre estes dois grandes acontecimentos, inclui-se
um que passou despercebido: nos dois casos, tratou-se de uma explosão que
culminou num longo processo de reequilíbrio entre sistemas económicos,
políticos e sociais antigos e novos. Em 1848, o capitalismo burguês triunfante
tentava derrubar o sistema feudal e instituir um modelo baseado na democracia
parlamentar e no liberalismo. Em 2011, a crise económica rebentava no termo de
uma longa fase de usura e de obsolescência de regimes autoritários que datavam
da Guerra Fria. E a classe média, que deveria apoiar a criação de um modelo de
tipo ocidental, tinha uma dimensão demasiado reduzida e estava enfraquecida
pela sua própria crise. O processo passou assim para as mãos dos islamitas,
que, em vez de sofrerem os efeitos das dificuldades económicas viram a sua
posição reforçada por elas.
Tal como em meados
do século XIX, a nossa época não estava preparada para o que aconteceu e,
perante a vaga atual de protestos, os movimentos islamitas estão a regressar à
clandestinidade. Os Estados do Golfo, que tentaram aproveitar-se do movimento,
aperceberam-se do seu alcance real e decidiram substituir a Europa e os Estados
Unidos no papel de padrinhos dos guardiães autoritários da ordem regional.
Assim, em comparação com os 12 mil milhões de dólares oferecidos aos generais
egípcios, as parcas ajudas bloqueadas pela União Europeia como “resposta
simbólica forte” mostram, de uma forma quase caricatural, até que ponto o
papel da Europa na outra margem do Mediterrâneo é agora acessório.
Para poder colher
os frutos de uma primavera de democracia e de desenvolvimento, a Europa deveria
ter lançado as sementes, quando os tempos eram favoráveis, e ter apoiado os
principais atores do movimento, em vez de se dividir por causa de algumas
cumplicidades com regimes ditatoriais corruptos e de iniciativas vãs como a
União para o Mediterrâneo. Agora, é tarde demais. A primavera árabe talvez
esteja a chegar ao fim, mas – como depois de 1849 – a dinâmica histórica que
desencadeou irá seguir o seu curso. O dinheiro dos xeques não bastará para
resolver os problemas estruturais dos países árabes e a hora do acerto de
contas com os movimentos islamitas só foi adiada. Mas os europeus podem estar
descansados: já não temos nenhum papel a desempenhar nessa história.
*Gabriele Crescente
é um jornalista italiano, nascido em 1980. Trabalha na revista Internazionale,
desde 2006, e é responsável pela versão italiana do Presseurop.
1 comentário:
O QUE A EUROPA MISTIFICOU!
O QUE A EUROPA MISTIFICOU E MISTIFICA, TÊM SIDO PRECISAMENTE AS "PRIMAVERAS ÁRABES", POR CAUSA DOS SEUS INTERESSES, OU SEJA, DOS INTERESSES DAS SUAS OLIGARQUIAS INTEGRADAS NA ARISTOCRACIA FINANCEIRA MUNDIAL COM OS ESTADOS UNIDOS À CABEÇA.
O PETRÓLEO BARATO (NO QUE DIZ RESPEITO AOS MAIS BAIXOS CUSTOS DE PRODUÇÃO) E O CONTROLO DAS VIAS DE COMUNICAÇÃO AO REDOR DOS SEUS CENTROS DE PRODUÇÃO,EXPLICA TUDO, INCLUSIVE A "DERIVA" DAS "PRIMAVERAS ÁRABES"!
TUDO ESTÁ A GIRAR À VOLTA DO PETRÓLEO PRODUZIDO NAS AREIAS E NO CONTROLO DO GOLFO PÉRSICO, DO ÍNDICO NORTE, DO MAR VERMELHO, DO CANAL DO SUEZ E DO MEDITERRÂNEO ORIENTAL, BEM COMO O CONTROLO DOS OLEADUTOS, PRINCIPALMENTE OS QUE DESEMBOCAM NO MEDITERRÂNEO E NO PAQUISTÃO!
Martinho Júnior.
Luanda
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