Orlando Castro –
Folha 8 – Edição 1157 – 31 de agosto de 2013
Há muitos anos que
o Governo garante a pés juntos que em Cabinda nada de anormal se
passa. Se assim é, qual serão a razão de, mais uma vez, o comandante da Região Militar
de Cabinda, tenente-general Eugénio de Figueiredo, ter sentido necessidade de
reiterar “o apoio inabalável” das tropas ao comandante-em-chefe das Forças
Armadas Angolanas (FAA), José Eduardo dos Santos,
presidente da República?
Não deixa, aliás,
de ser curioso ver as peculiaridades da democracia, embora imposta, que reina
no nosso país. Isto porque Eugénio de Figueiredo falava durante a cerimónia que
marcou o início das jornadas alusivas ao 71º aniversário do Chefe de Estado, que
se assinala dia 28 de Agosto. Se a moda pega… “Estamos sempre prontos para dar
o nosso melhor, com vista a fortalecer a coesão, disciplina, unidade no seio do
nosso colectivo militar e igualmente no melhoramento do nosso dia-a-dia”, disse
o tenente-general Eugénio de
Figueiredo, enaltecendo a satisfação pelo facto de o Ministério da
Defesa ter escolhido Cabinda para acolher o acto que marca o início das
jornadas comemorativas do aniversário do Comandante-em-Chefe.
Não ficaria mal
que, doravante, os militares também comemorassem os dias dos seus diferentes casamentos,
a começar com o de Tatiana Kukanova, do nascimento dos filhos, da tomada de
posse, da formatura, da adesão ao MPLA, do monólogo
feito entrevista à SIC, etc. do comandante-em-chefe das FAA.
“Esta jornada será
não só uma reflexão, mas o momento de um olhar para os grandes momentos e
desafios até hoje trilhados pelo nosso grande arquitecto da Paz”, prosseguiu o
comandante da Região Militar de Cabinda, citado pelo órgão oficial do regime. O
tenente-general Eugénio de Figueiredo não se esqueceu, como mandam as regras de
qualquer democracia avançada do tipo Coreia do Norte, de exaltar a figura do
Chefe de Estado, citando frases célebres de Eduardo dos Santos que, ao que tudo
indica, vão fazer parte do curriculum universitários de muitas outras
democracias, a começar pela do seu amigo Robert Mugabe.
“Vamos fazer de
Angola uma boa terra para viver”, “um canteiro de obras”, “trabalhar juntos
para o desenvolvimento” e “todos somos necessários para erguer a nova Angola, moderna,
próspera e democrática”, recordou comovido (há quem tenha descortinado uma
lágrima no canto do olho) Eugénio de Figueiredo, dizendo que estas frases “catapultam
o povo angolano rumo ao progresso”. O Memorando de Entendimento para a Paz e
Reconciliação em Cabinda foi assinado no dia 1 de Agosto de 2006, no Salão
Nobre da Administração municipal do Namibe, na presença, na altura, do
Presidente da República em exercício, Roberto Victor de Almeida.
O documento,
rubricado pelo ministro da Administração do Território, Virgílio de Fontes
Pereira, pelo Governo, e pelo suposto líder do Fórum Cabindês para o Diálogo
(FCD), António Bento Bembe, mais tarde ministro do MPLA, previa, entre outras,
a atribuição de um estatuto especial para Cabinda, na base do respeito pela Lei
Constitucional e demais legislação em vigor na República de Angola, como Nação
dita una e indivisível.
No seu discurso,
Virgílio Fontes Pereira disse que o Governo de Angola sempre assumiu um
posicionamento claro em relação ao conflito de Cabinda. Assegurou – à revelia
da população local e do Direito Internacional – que Cabinda é parte integrante de
Angola, pelo que a sua situação devia passar pelo respeito dos pressupostos legais
vigentes no país. Por sua vez, Bento Bembe assegurou que a sua organização jamais
iria aceitar qualquer comportamento susceptível de fazer regressar o povo de
Cabinda ao clima de inquietação e ausência da paz. Roberto de Almeida, que representou
o Chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, vincou que, “de facto, desde Abril
de 2002que apenas na província de Cabinda continuava a existir um conflito
armado, superado pelo patriotismo, bom senso e a capacidade de diálogo de todas
as partes envolvidas”. Referiu também, como mandam as regras da democracia do
MPLA, ser justo que “neste momento solene se preste a devida homenagem à
clarividência do Presidente da República, em primeiro lugar, mas também à todos
os que souberam colocar os superiores interesses do país acima de eventuais contingências
de natureza geográfica, histórica e cultural”.
”Foi, aliás, o
reconhecimento, pelo poder central, da sua especificidade que levou à aceitação
de um estatuto especial para a província de Cabinda, que permitirá aos seus
futuros responsáveis gerir da melhor maneira, no interesse das suas populações
e do povo angolano em geral, os seus imensos recursos materiais e humanos”,
disse então Roberto de Almeida. No mesmo dia, o Bureau Político do MPLA saudou a
assinatura do Memorando de Entendimento para a Paz e Reconciliação e todos os
intervenientes desse processo, com destaque (mal fora se o não fizesse) para o
Presidente da República, José Eduardo dos Santos.
“Conquistada a paz,
que tantos sacrifícios custou,é chegado o momento de todos darmos as mãos e sem
olhar as diferenças de qualquer tipo rumarmos para o progresso, reconstruindo o
país e reforçando os alicerces da sociedade democrática e moderna que almejamos”,
referia o comunicado. O Bureau Político reiterou também o seu firme propósito de
se manter fiel aos ideais do povo angolano (pelo que se vê hoje só é povo quem
for do MPLA) “e tudo fazer para a construção da pátria una e indivisível, onde
cada angolano se reveja como parte integrante e imprescindível, independentemente
da sua opção política, credo religioso, raça, local de nascimento ou qualquer outra
diferença”.
No dia 10 de
Agosto, a Assembleia Nacional autorizou o Presidente da República, na qualidade
de mais alto magistrado da Nação, a fazer a paz em Cabinda, nos termos do
respectivo Memorando de Entendimento. Numa resolução
aprovada por 129 votos a favor, nenhum contra e sem abstenções, o Parlamento
considerou que a autorização decorreu da necessidade premente de obtenção da paz
em Cabinda, expressa e sentida diariamente pelas populações de Angola, em
geral, e do enclave, em particular. A Assembleia Nacional aprovou igualmente o Memorando
de Entendimento para a Paz e Reconciliação em Cabinda, conferindo deste modo dignidade
legal ao importante documento, que previa um conjunto de acções a serem
executadas, para a efectivação do fim do conflito. No mesmo dia, foi igualmente
aprovada a Lei de Amnistia para a paz e reconciliação em Cabinda, no quadro do
Memorando de Entendimento. A proposta de Lei, que foi depois promulgada pelo Presidente
da República, deveria beneficiar todos os crimes militares cometidos igualmente
no quadro do conflito, até esta data. O parlamento aprovou também uma resolução
que autorizava a aprovação de um Estatuto Especial para Cabinda, no quadro do
Memorando de Entendimento, na
sequência do reconhecimento, pelo Governo, de especificidades histórico-geográfica
e culturais da província. O documento estabelecia as bases gerais do modo de
organização, competências, funcionamento e poder regulamentar da Administração
do Estado em Cabinda, no âmbito da sua integração na divisão político-administrativa
do país e respeito pela Lei Constitucional e demais legislação.
Um ano depois da
assinatura, Raul Danda, então porta-voz da Associação Cívica de Cabinda
Mpalabanda, entretanto ilegalizada, desmentiu que existisse paz no enclave e alertou
para o facto de estar em curso “uma perseguição às forças da FLEC” levada a
cabo pelas FAA, ajudadas por elementos da FLEC-Renovada (FLEC-R) de Bento
Bembe. Bento Bembe desmentia a continuação do conflito militar, garantindo que “as
pessoas circulam por todo o lado na província”. “A situação está calma. Não há
guerra em Cabinda”, afirmava. Raul Danda tinha opinião divergente: “O Memorando
de Entendimento tem uma adesão fraquíssima por parte da população. Este
memorando nunca conseguirá conquistar o coração dos cabindas”. N’Zita Tiago era
peremptório: “não só há guerra em Cabinda, como esta vai continuar”, e
perguntava: “Qual é o povo que hoje aceita ser escravo?”. E respondia: “A
situação está pior do que quando estavam cá os portugueses. Os angolanos
continuam a matar os cabindas”.
Neste contexto,
também “saudando” o aniversário do Presidente de Angola, os cabindas apenas
dizem que… “a luta continua.”
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UNITA denuncia
actos de corrupção política em Cabinda
“Fontes bem
informadas em Cabinda revelaram que o governo de Aldina Da Lomba envolveu-se em
actos de corrupção política no último final de semana, para impedir a
participação dos cidadãos de Cabinda em actividades convocadas pela UNITA, por
ocasião da visita do Presidente Isaias Samakuva ao enclave rico em petróleo. As
fontes fazem saber que o executivo provincial gastou 12 milhões de Kwanzas para
compra de cartões de saldo oferecidos às pessoas e outros 60 milhões de kwanzas
gastos em aliciamentos de cidadãos que se dirigiam ao comício da UNITA em Cabinda.
Os cidadãos que
denunciaram a prática indecorosa revelaram ainda que o governo provincial
gastou outros avultados valores em aluguer de táxi para o evento do MPLA, bem
como na promoção da corrida de motocrosse e outras modalidades desportivas e de
entretenimento com fim único de atrair pessoas. Como sempre em eventos que o
MPLA promove para reter pessoas principalmente jovens, nunca falta medida
alcoólica e desta vez em Cabinda, de acordo com as fontes que vimos citando,
custou 20 kwanzas cada. Comentando sobre esses factos relatados por cidadãos de
Cabinda a denunciar uso indevido de dinheiros públicos, um observador sugeriu
que a UNITA e outras organizações que se têm posicionado contra a corrupção em Angola
deviam intentar uma acção judicial contra o Executivo de Albina Da Lomba.”
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