Orlando Castro –
Folha 8, edição 1159, 14 setembro 2013
Isaías Samakuva afirma,
cada vez com mais elevados decibéis, que a UNITA tem a grande “missão de
liderar os processos e acções que transformarão a qualidade da democracia
angolana”, mostrando-se crente que o seu partido vai “trazer a mudança no nosso
país, transformar a democracia num valor social que elimine a pobreza, promova a
igualdade em todos os campos, garanta maior inclusão em diversidade cultural e
da representatividade do género com vista a melhorar a qualidade de vida dos
nossos cidadãos”.
“A UNITA deverá,
pois, liderar essas acções em Angola, já que tudo o que nós temos estado a ver,
o MPLA falhou na sua missão. Falhou porque o dia-a-dia nos diz que o MPLA que
dizia a determinada altura que era partido dos trabalhadores transformou-se na
realidade em partido de patrões, de defensores da terra do povo, passaram à
expropriadores da terra do povo, em vez de protegerem as classes mais
exploradas passaram a oprimir essas mesmas classes, de proprietários passaram a
latifundiários que não têm títulos legítimos do que eles têm e ao invés de
terem Angola no coração como diziam a determinada altura, eles têm Angola nos
bolsos”, afirma Samakuva.
Na análise que faz,
o líder da UNITA conclui que “o povo angolano está discriminado e completamente
excluído, os seus direitos e liberdades fundamentais, bem como os seus direitos
políticos, económicos e culturais continuam a ser sistematicamente violados pelos
poderes públicos. Enquanto ouvimos o governo a dizer que estamos a viver um
momento de crescimento económico e de prosperidade material, nós vemos que a
grande maioria do povo angolano não participa deste momento de crescimento e prosperidade”.
Considera por isso
que “é gritante a falta de investimentos sérios no desenvolvimento humano e em infraestruturas
de saneamento. A nossa cidade capital cresce todos os dias sem plano nenhum,
sem infraestruturas necessárias para uma cidade como a nossa. Temos um sistema de
educação que não funciona. A mesma coisa se pode dizer do sistema de saúde e
segurança social, que na realidade, a forma como estão a funcionar contraria
tudo aquilo que os angolanos gostariam de ver”.
“A corrupção
aumenta a cada dia que passa, e ela é feita a coberto dos senhores do poder,
das elites dominantes, que utilizam os recursos públicos para promover os seus
empreendimentos privados e promover enriquecimento ilícito, enquanto os
angolanos continuam na sua maioria, no nível de miséria pior que nos tempos do
colonialismo”, afirma o presidente da UNITA, acrescentando que é preciso “transformar
essa Angola de forma que as riquezas do país venham a beneficiar os seus cidadãos,
os angolanos”.
Samakuva garante
que “Angola, afinal, é nossa, Angola é de nós todos e face a essa situação
catastrófica que vivemos nós temos o dever de trabalhar e de provocar a
mudança. Temos o dever de liderar Angola, porque essa Angola precisa dessa nova
liderança, uma liderança que se identifica com o povo e que seja sensível aos
problemas da juventude, aos problemas da terceira idade, aos problemas da nossa
mulher, enfim aos problemas dos angolanos”.
“Precisamos,
portanto, de uma liderança que vá ao encontro do povo, que dialogue com o povo,
para em conjunto encontrar soluções para os problemas que vivemos. E esses problemas
são por todos conhecidos. Nós podemos citar, por exemplo, o problema de água
potável, o problema de saneamento básico, de organização e gestão de mercados
municipais, problemas do lixo. Ora esses problemas todos não encontrarão
solução enquanto a organização do estado estiver como está. Nós pensamos que
esses problemas todos resolver-se-ão se nós tivermos o poder local instituído, porque
só assim teremos imensas oportunidades para envolver os talentos da juventude,
os talentos da nossa sociedade que hoje estão esquecidos, mas que podem ajudar
com o seu dinamismo, com a sua energia resolver esses problemas”, retrata o
sucessor de Jonas Savimbi.
Isaías Samakuva
considera que “nós, afinal, somos os construtores da nacionalidade angolana, da
independência e da democracia, somos nós mesmos os construtores do futuro, os construtores
do país que buscamos”.
Samakuva tem razão.
Mas não basta tê-la. Aliás, o líder da UNITA diz agora o que sempre tem dito. Ou
seja, repete um diagnóstico conhecido mas, infelizmente, não tem passado disso.
O doente não se cura com os diagnósticos, embora estes sejam fundamentais. É
preciso medicá-lo. É preciso tratá-lo. É preciso agir e não apenas reagir. Há
um ano, a UNITA considerava que a paz em Angola continuava “a ser apenas a paz
militar”, continuando por passar à prática os princípios constitucionais das
liberdades fundamentais. E se fossem apenas os princípios constitucionais das liberdades
fundamentais… Se calhar, com 70% de pobres, falta muito mais. É claro que
nesses 70% está a maioria do povo que, no caso da UNITA, acreditou nos
princípios do Muangai, os tais que falavam na defesa da igualdade de todos os
angolanos na Pátria do seu nascimento; na busca de soluções económicas, priorização
do campo para beneficiar a cidade; na liberdade, na democracia, na justiça
social, na solidariedade e na ética na condução da política.
Embora reconheça
que o 4 de Abril de 2002 representou “o início de uma nova etapa do processo político
angolano”, a UNITA lamenta que continuem por se cumprir “os objetivos políticos
preconizados no âmbito da democratização e da reconciliação nacional”. Para o
maior partido da oposição, as reformas previstas nos vários Acordos de Paz,
para a criação de “um verdadeiro Estado de Direito Democrático em Angola e ao
estabelecimento de um sistema de Governo realmente democrático, apenas
conheceram passos muito tímidos”.
“As liberdades
fundamentais dos angolanos, constitucionalmente consagradas, continuam
coartadas com a intensificação, nos últimos tempos, de actos de intolerância política
praticados em quase todo o país, de forma coordenada, por elementos afectos ao
partido no poder que, perante o silêncio conivente das autoridades do país,
destroem propriedades, símbolos partidários e causam desaparecimentos, ferimentos
e perda de vidas humanas entre militantes e membros de partidos na oposição,
sobretudo os da UNITA”, dizia a UNITA.
Crê-se, no entanto,
que os principais responsáveis da UNITA, que elaboram documentos à volta de uma
mesa cheia de lagostas enquanto o povo labuta nas lavras à procura de mandioca,
não estão interessados em praticar o que foi estabelecido a 13 de Março de
1966, no Muangai. Foi no Muangai, Província do Moxico, que saíram pilares como a
luta pela liberdade e independência total da Pátria;
democracia assegurada pelo voto do povo através dos partidos; soberania expressa
e impregnada na vontade do povo de ter amigos e aliados primando sempre os interesses
dos angolanos. Resultaram também a defesa da igualdade de todos os angolanos na
Pátria do seu nascimento; a busca de soluções económicas, priorização do campo para
beneficiar a cidade; a liberdade, a democracia, a justiça social, a
solidariedade e a ética na condução da política.
Alguém, na actual
UNITA, se lembra de quem disse: ”Eu assumo esta responsabilidade e quando
chegar a hora da morte, não sou eu que vou dizer não sabia, estou preparado”? Alguém
se lembra de que, como estão as coisas, nunca será resgatado o compromisso de
Muangai?
A UNITA mostrou até
agora, é verdade, que sabe o que é a democracia e adoptou-a, embora nem sempre da
forma mais transparente. Tê-lo-á feito de forma consciente? Resistem algumas dúvidas,
sobretudo depois das manipulações e vigarices eleitorais de que foi vítima, que
já não esteja arrependida. Isaías Samakuva mostrou, reconheça-se, ao mundo que
as democracias ocidentais estão a sustentar um regime corrupto e um partido que
quer perpetuar-se no poder. E de que lhe valeu isso?
Depois das
hecatombes eleitorais, provocadas também pela ingenuidade da UNITA em acreditar
que Angola caminha para
a democracia, Samakuva conseguiu juntar alguns bons jogadores mas esqueceu-se
que não bastam bons jogadores para fazer uma boa equipa.
O mundo ocidental
continua, mais uma vez, de olhos fechados para o enorme exemplo que a UNITA deu.
Em 2003, abriu bem os olhos porque esperava o fim do partido. Isso não aconteceu.
Agora, Ocidente basta uma UNITA com 10% dos votos para dar um ar democrático à
ditadura do MPLA. Aliás, por alguma razão o Ocidente não reagiu às vigarices,
às fraudes protagonizadas pelo MPLA. E não reagiu porque não lhe interessa que
a democracia funcione em Angola. É sempre mais fácil negociar com as ditaduras.
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