Tomás Vasques – Jornal i, opinião
Como escreveu
Gabriel Garcia Marques: "a chatice deste país é sobrar demasiado tempo às
pessoas para pensarem"
Setembro, o
primeiro mês do calendário político, entrou suficientemente agitado para
entreter a "agenda política" nos próximos tempos. E este
"entretenimento" é parte importante da ocupação dos nossos escassos
tempos livres. Como escreveu Gabriel Garcia Marques: "a chatice deste país
é sobrar demasiado tempo às pessoas para pensarem". As eleições
autárquicas - as mais sensaboronas de sempre - são um pormenor ao pé da
"guerra da Constituição" que vai envenenar os nossos dias até à aprovação
do Orçamento de Estado do ano que vem. A proposta de criminalização do piropo,
um tema da maior importância para qualquer mulher que tem de decidir entre os
livros para os filhos ou pagar a conta da electricidade, é a cereja em cima
deste bolo.
Vamos por partes.
As eleições autárquicas, cuja campanha eleitoral começa dentro de dias, são o
espelho do país que temos; o país que, em quatro décadas, o regime democrático
construiu. Neste momento, a menos de um mês do acto eleitoral, ainda há
candidatos a presidente de câmara, em cidades como Lisboa e Porto, que aguardam
uma decisão judicial para saberem se podem concorrer ou não. É uma espécie de
roleta russa concebida pelo legislador parlamentar que, por incúria ou
conveniência política, preferiu não escrever com clareza o que queria. E era
tão simples expressar a sua vontade com clareza, em português, mesmo obedecendo
ao famigerado acordo ortográfico. O resultado é a transferência de uma decisão,
que devia caber à Assembleia da República - aos parlamentares eleitos -, para
os tribunais, atafulhando estes em trabalho desnecessário e descredibilizando a
nossa frágil democracia. A este imbróglio, segue-se o vazio de ideias da
maioria dos candidatos autárquicos em todo o país. Impedidos, pela falta de
dinheiro, de prometer rotundas, piscinas públicas, centros culturais e outros
acepipes eleitorais, refugiam-se em ideias vagas e em slogans caricatos, uma
autêntica paródia. Um dos exemplos, entre centenas, é o do candidato socialista
a Caia, freguesia de Elvas: "Caia com força". E depois admiram-se por
a maioria dos portugueses optar pela abstenção.
Outro tema que nos
vai entreter nos próximos tempos é a "guerra da Constituição", uma
versão contemporânea das Guerras do Alecrim e da Manjerona, a conhecida obra de
António José da Silva. As frases que por aí circulam, na comunicação social, do
tipo "o Tribunal criou um problema para o país, uma vez que bloqueou a
reforma do Estado" são todo um programa - o programa que o PSD de Passos
Coelho escondeu aos portugueses durante a campanha eleitoral. O deboche
argumentativo dos "governamentalistas" é tal que, pelo simples facto
de o governo ser obrigado a cumprir as leis da República e as decisões
judiciais já nos ameaçam, como consequência, com mais aumentos de impostos e
com um segundo resgate. E há um bom lote de apaniguados que repete isto até à
exaustão, como se uma mentira mil vezes repetida se transformasse em verdade. A
"guerra da Constituição" é um subproduto antidemocrático, alimentado
por este governo para esconder os desaires das suas políticas. Um país sem lei,
sem tribunais, nem "forças de bloqueio" era o que a coligação que nos
governa desejava, para poder espalhar a miséria à sua vontade. Já conhecemos um
país assim. Acabou em Abril de 1974.
Na outra ponta da
vara, nesta rentrée, militantes do Bloco de Esquerda propuseram a
criminalização do piropo, proferido no espaço público como uma forma de assédio
sexual. Não se trata de discutir a condenação social de certos comportamentos,
mas a sua criminalização. Até eu que sou ateu, digo: Deus nos livre do Bloco de
Esquerda quando exige que a polícia elabore o auto, quando o
"arguido" disser, ao descer a Avenida da Liberdade, dirigindo--se a
uma desconhecida: "És boa como o milho". E por aqui me fico,
abstendo-me de citar os piropos sugeridos por Luiz Pacheco, em "O
Libertino Passeia por Braga, a Idolátrica, o Seu Esplendor".
É caso para dizer:
e o Estado totalitário aqui tão perto.
Jurista, escreve à
segunda-feira
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