Carvalho da Silva –
Jornal de Notícias, opinião
Nas últimas
semanas, ao preparar uma conferência no quadro da evocação dos 40 anos da
Associação dos Deficientes das Forças Armadas, conversei com diversas pessoas
que trabalham na área das respostas à deficiência, desde professores,
profissionais da saúde, dirigentes associativos a investigadores que abordam as
problemáticas da deficiência, da inclusão/exclusão, dos custos suportados pela
sociedade e pelas famílias. Neste processo, deparei-me com inúmeros alertas que
precisam de ser do conhecimento de todos.
A brutal
austeridade a que vimos sendo sujeitos afeta a esmagadora maioria dos
portugueses, mas está a provocar o esmagamento da dignidade e da integridade de
muitas pessoas portadoras de deficiência, a matar justos sonhos de plena
inclusão, a colocar em pobreza gritante muitos destes homens e mulheres.
A utilização de
meios humanos, materiais, técnicos e científicos hoje existentes que permitem
vencer barreiras e gerar capacidades nas pessoas com deficiência,
propiciando--lhes o acesso e a participação em todos os campos da vida social,
é um direito fundamental. Mas as políticas em curso, sempre em nome da
"poupança", estão a destruir avanços conquistados nas últimas décadas
e a induzir uma vergonhosa regressão.
Os alertas são
preocupantes e surgem a partir das realidades vividas nas mais diversas áreas
da sociedade. No trabalho, as quotas de emprego para pessoas com deficiência
são agora absolutamente ignoradas. A taxa de desemprego destes trabalhadores
deve ser brutal e vai imperando a resposta reacionária: "Se não há
trabalho para os normais, como querem que haja para os deficientes".
Entretanto, estão a degradar-se as medidas de prevenção e reparação dos
trabalhadores que contraem doenças profissionais ou sofrem acidentes de
trabalho. Da escola, chegam os alertas sobre a diminuição do número de
professores para acompanhamento das crianças com necessidades educativas
especiais, o aumento do número de alunos por turma e o desaparecimento de
outras medidas de apoio. Começa a ser assustador o que se passa na escola
pública e jamais estes apoios serão garantidos pela escola dos mercados.
Os cortes na saúde,
nos transportes, nos orçamentos das autarquias e de outros organismos públicos
fazem ressurgir velhas dificuldades e barreiras que se repercutem violentamente
na vida destes cidadãos.
As dificuldades
aumentam no seio das famílias em resultado da diminuição dos seus rendimentos,
dos efeitos da emigração, da manutenção ou até corte dos irrisórios valores de
certas prestações sociais. A solidão e o acantonamento a que são remetidas as
pessoas com deficiência coloca-as num aprisionado sofrimento que é preciso
denunciar e combater.
A deplorável
exploração que o primeiro-ministro (PM) e outros governantes fazem das
diferenciações existentes na sociedade e o aprofundamento das desigualdades -
que agora até o FMI reconhece - conduzem a exclusões que se manifestam ainda
mais violentamente entre os que têm maior fragilidade.
Será que o PM
também vai desafiar as pessoas com deficiência a emigrar?
Portugal caminhou
da sociedade da exclusão para a sociedade das desigualdades, com salvaguarda
mínima da dignidade humana. Hoje, está-se a regredir para práticas de
assistencialismo, de caridadezinha, de paternalismo hipócrita e redutor da
integridade das pessoas e da sua liberdade.
Vivemos décadas de
uma ditadura fascista que não permitia a cidadania social e que praticava a
inibição face às pessoas com deficiência. As famílias escondiam-nas.
Relembremos que o
aparecimento, a ação livre e a intervenção sociopolítica das principais
associações das pessoas com deficiência estiveram na formação do lastro
democrático que deu origem ao 25 de Abril e, depois, foram construtores da
democracia.
Não permitamos a
regressão! Não admitamos que se reinstalem como "naturais" certas
limitações funcionais da sociedade e muito menos os constrangimentos e barreiras
que as pessoas com deficiência enfrentam no dia a dia.
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