Daniel Oliveira – Expresso, opinião
O trabalho dos
jornalistas não é repetir como factos as opiniões da moda. É verificar nos
factos - na medida em que os factos nos podem dar respostas - a veracidade de
ideias feitas. E, se necessário, desmontá-las. Umas das ideias feitas mais
indiscutíveis em Portugal é esta: temos funcionários públicos a mais. O peso do
Estado é insuportável e é necessário reduzir o número de trabalhadores e os
encargos com eles. E como se bem torturados os números confessam sempre o que
deles quisermos tirar, as provas desta verdade indesmentível acabam sempre por
surgir. E se eles não confessam, inventa-se. Ainda me recordo de se dizer por
aí que os salários dos funcionários públicos correspondiam a 80% das despesas
do Estado, de tal forma a mentira se tornou banal.
Cumprindo a sua
função, a RTP fez as contas às despesas do Estado. Não precisou mais do que ir
aos números oficiais. Temos cerca de 575 mil funcionários públicos. Menos do
que isto, só em 1991. Chegaram, em 2005, a ser quase 750 mil. Desde então não
parou de descer. Sem que, no entanto, tenha havido um despedimento coletivo. Ou
seja, ao contrário do reza a lenda, Passos Coelho não chegou ao governo e
encontrou um Estado que não parava de engordar. Encontrou muito menos
funcionários públicos do que cinco ou seis anos antes. Encontrou um Estado que
estava a emagrecer há algum tempo. Pela mão do despesista Sócrates. Que, com
exceção daquele aumento em ano de eleições, não se pode dizer que tenha tratado
os funcionários públicos bem.
Os funcionários
públicos representavam, em 2008 (quando eram mais do que hoje), 12,1% da
população ativa. A média dos 32 países da OCDE é de 15%. A Dinamarca e a
Noruega aproximam-se dos 30%. Abaixo de nós está, para estragar a dimensão
europeia deste mito, a Grécia.
Mesmo assim é insustentável.
Porque nós não produzimos a riqueza dos dinamarqueses ou da generalidade dos
europeus. Bem, o peso dos vencimentos dos funcionários públicos, em Portugal,
em relação à riqueza produzida é inferior à média da UE e da zona euro. 10,5%
em Portugal, 10,6% na zona euro, 10,8% na União Europeia, mais de 18% em países
como a Dinamarca ou a Noruega. Repito: estamos a falar de percentagens
relativas ao PIB. Ou seja, dizer que os outros têm mais capacidade para
comportar esta despesa não faz qualquer sentido.
Esta é uma das
coisas que mais me perturba nesta crise: a repetição ad nauseam de verdades
absolutas que os números e os factos desmentem. Não, o peso do Estado
português, ou pelo menos os custos com os seus funcionários, não é
incomportável para a riqueza que produzimos. Haverá racionalidade a acrescentar
à gestão de pessoal do Estado. Haverá desperdício. Mas nem há funcionários
públicos a mais nem eles ganham acima do que a nossa produção de riqueza comporta.
Os nossos problemas, no Estado, no privado e na nossa integração europeia, são
outros. Os funcionários públicos são apenas o bode expiatório de políticos
incapazes de enfrentar os atrasos estruturais do País. E um saco de pancada
para quem aposta em virar trabalhadores do privado contra trabalhadores do
público para assim não pôr em causa os verdadeiros privilégios instalados.
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