Santana Castilho* -
Bloguer
Convidado em
Aventar
O ano lectivo que
agora se inicia está marcado, pobremente marcado: pelo afastamento da profissão
de muitos e dedicados professores; pela redução, a régua e esquadro, sem
critério, de funcionários indispensáveis; pela amputação autocrática da oferta
educativa das escolas públicas, para benefício das privadas; pela generalização
do chamado ensino vocacional, sem que se conheça qualquer avaliação da anterior
experiência limitada a 13 escolas e agora estendida a 300, via verde de
facilitismo (pode-se concluir o 3º ciclo num ano ou dois, em lugar dos três
habituais) e modo expedito de limpar o sistema de repetentes problemáticos;
pela imposição arbitrária de decisões conjunturais de quem não conhece a vida
das escolas, de que as metas curriculares, a eliminação de disciplinas, o
brutal aumento do número de alunos por turma e as alterações de programas são
exemplos; pelo medo do poder sem controlo, que apaga ao dobrar de qualquer
esquina contratos de décadas e compromissos de sempre; pela selva que tomou
conta da convivência entre docentes; pelo utilitarismo e imediatismo que
afastou a modelação do carácter e a formação cívica dos alunos; pela paranóia
de tudo medir, registar e reportar, para cima, para baixo, para o lado, uma e
outra vez, e cujo destino é o lixo, onde termina toda a burocracia sem sentido;
pelo retrocesso inimaginável, a que só falta a recuperação do estrado e do
crucifixo.
Providencialmente
no tempo (imediatamente antes de se concretizar mais um despedimento colectivo
de professores, que marca o ano lectivo) vieram a público dados estatísticos
oficiais. Primeiro disseram-nos que em 2011/2012 tivemos nos ensinos básico e
secundário menos 13.000 alunos que no ano anterior. Depois, projectando o
futuro, prepararam-nos para perdermos 40.000 até 2017. Providencialmente, no
momento, omitiram que, de Janeiro de 2011 a Junho deste ano, desapareceram
47.000 horários docentes. Políticos sérios não insinuam que esta redução de
docentes se deve à quebra da natalidade. Trapaceiros, sim.
Nada justifica a
desumanidade com que se trataram os professores contratados. Nada justifica o
ministerial sadismo de obrigar ao ritual do Fundo do Desemprego, por escassos
dias, aqueles que acabarão por ser contratados. Nada justifica o anacronismo de
impor um exame de selecção a quem já é professor há uma década e mais, ao mesmo
tempo que se entrega a leccionação de disciplinas curriculares a quem nem
sequer tem habilitação científica na área.
Na Educação
acabaram as subtilezas e perdeu-se a vergonha. Se Fernando Negrão, juiz de carreira
e deputado de circunstância, expressou vincado desacordo pelo ensino da
Constituição nas escolas, se Passos Coelho clamou pela “União Nacional” e,
raivoso com o quinto chumbo constitucional (que impediu o despedimento sem
justa casa dos funcionários públicos e foi significativamente decidido por
unanimidade) recorreu à boçalidade de linguagem para referir explicitamente os
respectivos juízes e, implicitamente, o Presidente da República, por que razão
seria Crato recatado e decente? Na mesma altura em que a falácia da “liberdade
de escolha” foi o argumento para um passo determinante na privatização do
ensino e para a ampliação sem peias das parcerias público-privadas na Educação,
(outra coisa não são os contratos de associação já vigentes) o preclaro
ministro cerceou a liberdade de escolha relativamente às escolas públicas,
quando não autorizou o funcionamento de turmas constituídas em função das
decisões dos alunos e das famílias. A engenharia social e económica que o
Governo acaba de consumar com a aprovação do novo estatuto do ensino
particular, a consumar-se com a regulamentação sucessiva que se espera, não se
afastará daquela que protege as rendas escandalosas dos sectores energéticos,
bancários, das rodovias e outros. Eis o Estado do futuro, o Estado escravo,
cujo poder deixou de ser delimitado pela lei. Uma vez mais, a Constituição da
República acaba de ser revista por decreto do Governo, que derrogou o carácter
supletivo do ensino privado nela contido.
A agenda escondida
com o objectivo de fora deste Governo é a substituição do Estado social
possível, laboriosamente construído em 39 anos de democracia, por um Estado
neoliberal, redutoramente classista. Para o conseguir, e a coberto do fantasma
da falência, o Governo tem-se encarniçado em reduzir o Estado a funções mínimas
de obediência aos titereiros do regime, privatizando o resto. Como fixou
Saramago naquele belo naco de prosa que nos deixou desde Lanzarote, não
escapará “a nuvem que passa” nem o sonho, “sobretudo se for diurno e de olhos
abertos”. Pela mão de Passos e de Crato, abriu o assalto final à Educação. Não
lhe declararam a privatização, como fizeram com a água. Mas, sorrateiramente,
com melífluas justificações, querem consumá-la.
* Professor do
ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)
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