“A terrível verdade
sobre o que aconteceu a duas pessoas que organizaram uma manifestação em Angola
contra o atraso no pagamento de salários e pensões está finalmente a vir ao de
cima. A investigação sobre o brutal assassinato de Kamulingue e Cassule só fará
sentido se o governo assumir com firmeza o compromisso de levar a julgamento
todos os responsáveis, independentemente do seu estatuto ou cargo.” Leslie
Lefkow, diretora-adjunta de África
(Joanesburgo) – As
autoridades angolanas devem mover uma ação judicial contra todos os oficiais de
segurança responsáveis pelo assassinato de dois organizadores de uma
manifestação que estavam desaparecidos desde maio de 2012, anunciou hoje a
Human Rights Watch.Um relatório confidencial do Ministério do Interior que
chegou às mãos da comunicação social angolana no dia 9 de novembro de 2013, e
que a Human Rights Watch julga ser autêntico, descreve o papel da polícia e do
serviço de inteligência, o SINSE, no rapto, tortura e assassinato de António
Alves Kamulingue e Isaías Cassule.
A
Procuradoria-geral de Angola anunciou a abertura de uma investigação e disse
que quatro oficiais não-identificados haviam sido detidos.Em 14 de Novembro, o
presidente José Eduardo dos Santos demitiu o diretor dos serviços de
inteligência, Sebastião Martins.
«A terrível verdade
sobre o que aconteceu a duas pessoas que organizaram uma manifestação em Angola
contra o atraso no pagamento de salários e pensões está finalmente a vir ao de
cima,» disse Leslie Lefkow,
diretora-adjunta de África da Human Rights Watch.«A investigação sobre o brutal
assassinato de Kamulingue e Cassule só fará sentido se o governo assumir com
firmeza o compromisso de levar a julgamento todos os responsáveis,
independentemente do seu estatuto ou cargo.»
Kamulingue e
Cassule, membros do Movimento Patriótico Unido (MPU) ad hoc, foram raptados em diferentes alturas por
agressores não-identificados, após terem organizado uma manifestação de guardas
presidenciais e veteranos de guerra pelo pagamento de salários e pensões em
atraso, que teve lugar no dia 27 de maio de 2012, em Luanda.
O site angolano de
notícias Club-K.net, baseando-se no relatório a que a comunicação social teve
acesso, divulgou que Kamulingue foi detido por membros da guarda presidencial
em 27 de maio e levado para uma esquadra da polícia no centro de Luanda, onde
foi torturado e eventualmente morto por um tiro na cabeça.O corpo foi
abandonado num local ermo fora da cidade.
Uma investigação da
Human Rights Watch de 2012 descobriu que Cassule fora raptado em 29 de maio
quando andava à procura de informação sobre o desaparecimento de
Kamulingue.Alberto Santos, que estava com Cassule, contou à Human Rights Watch
que viu Cassule ser arrastado para dentro de um carro por seis homens.Santos
conseguiu escapar e procurou manter-se escondido, mas acabou por ser detido em
março de 2013 e libertado seis meses depois sem qualquer acusação.O Club-K.net
denunciou que Cassule foi violentamente espancado durante dois dias e
assassinado, tendo o corpo sido atirado a um rio.
As revelações sobre
os homicídios provocaram um alarido político fora do comum em Angola.O principal
partido da oposição, a União Nacional para a Independência Total de Angola
(UNITA), convocou uma manifestação pública para dia 23 de novembro para exigir
a demissão do presidente José Eduardo dos Santos, devido à sua alegada
responsabilidade nos assassinatos.O partido no poder, o Movimento Popular de
Libertação de Angola (MPLA), condenou os assassinatos numa declaração, mas
alertou para o facto de a UNITA estar a tentar «criar caos» e a «preparar um
novo conflito».
Desde 2011, um
pequeno movimento pacífico de grupos ativistas angolanos, inspirado pelos
levantamentos populares no Médio Oriente, tem procurado manifestar-se contra a
corrupção, as restrições impostas à liberdade de expressão e a outros direitos,
e ao aumento das desigualdades no país rico em petróleo.
Nos últimos dois
anos, agentes da polícia e das forças de segurança angolanas têm usado
repetidamente de intimidação, assédio e força excessiva para reprimir protestos
pacíficos, levantando receios de que a próxima manifestação também venha a enfrentar
uma repressão igualmente violenta, alertou a Human Rights Watch.
Os meios de
comunicação do estado têm vindo a chamar às campanhas que apelam a
manifestações contra o governo uma tentativa de «declarar guerra», uma alegação
infeliz num país cuja longa guerra civil só terminou há uma década, disse a
Human Rights Watch.Jornalistas e
outros observadoresque procuraram documentar as manifestações e as
respetivas respostas do governo têm sido regularmente assediados, detidos e,
por vezes, vítimas de maus-tratos.
«O governo angolano
deve reconhecer que há muitas pessoas indignadas e frustradas, com razão, com
estes assassinatos e com o longo historial de crimes cometidos pelas forças de
segurança que têm ficado impunes», defendeu Lefkow.«É necessário que estas
preocupações sejam abordadas de forma aberta e dentro da lei, e não através de
uma nova repressão de protestos à base de intimidação e violência.»
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