Orlando
Castro – Folha 8, 9 de novembro 2013
O
líder do PS, principal partido da Oposição em Portugal, António José Seguro,
lamenta os problemas entre Portugal e Angola e oferece os préstimos socialistas,
partido que integra tal como o MPLA a Internacional Socialista, no sentido de
ultrapassar a actual situação entre os dois países. Confrontado com a notícia,
mandada passar pelo Governo de Eduardo dos Santos, do suposto adiamento da
cimeira entre os dois países, António José Seguro mostrou-se preocupado: “Vi
isso com muita preocupação, todas as autoridades devem fazer um esforço enorme
para ultrapassar este momento de tensão.” António José Seguro diz que está
disponível para colaborar na procura de uma solução para este impasse. “Deixo o
meu apelo às autoridades dos dois países, se for útil para esse compromisso, o
Partido Socialista está disponível para colaborar”, afirmou.
O
líder do PS considera que não há razões para a existência de tensão entre os
dois países lusófonos, já que “temos uma cooperação que, se for bem partilhada entre
Portugal e Angola, será muito boa para a economia dos dois países”. Explica que
“não são só os negócios e a economia que ligam estes dois países, devem ser
também os laços de amizade, a língua, a cultura. Não há razão para termos esta
tensão.” António José Seguro estaria, certamente, a pensar em José Sócrates
para liderar uma equipa socialista capaz de, mais uma vez, besuntar com amor, carinho
e sabujice canina as botas do nosso “líder carismático”. Seria com certeza uma
boa escolha. No entanto, o regime sabe que os socialistas já pertencem à
história e prefere negociar com o Passos Coelho, Paulo Portas e Cavaco Silva. António
José Seguro esquece-se que, agora, o MPLA diz que os cães passam e caravana
(socialista) ladra. E assim sendo, enquanto não for poder, o PS bem pode meter
a viola no saco.
Quem
de facto, e mesmo assim só depois da rendição judicial, pode desbloquear o amuo
de José Eduardo dos Santos é o seu homólogo Cavaco Silva, apesar da sua falta
de curriculum comparativo (nunca esteve trinta e tal anos no poder sem nunca ter
sido eleito). Quem não se recorda que Eduardo dos Santos felicitou Aníbal
Cavaco Silva pela sua reeleição para a Presidência da República, considerando
que esta iria contribuir para aprofundar as relações entreLuanda e Lisboa?
Depois
de desejar que o Presidente reeleito “alcance maiores êxitos neste seu segundo
mandato à frente da chefia do Estado português”, José Eduardo dos Santos disse
ainda ao seu homólogo português que a sua vitória eleitoral “há-de contribuir
para o aprofundamento dos laços de amizade e cooperação entre os dois povos”. Entre
os dois povos não se diria. Mas certamente que continuará a contribuir para
reforçar os laços entre os poucos que, tanto em Portugal como em Angola, têm
milhões.
Em
Março de 2009, no Palácio de Belém, só dois jornalistas de cada país tiveram
direito a colocar perguntas a Cavaco Silvae a Eduardo dos Santos. Um insípido
princípio de liberdade de Imprensa mas que, na verdade, foi útil. Um deles,
certamente no cumprimento da sua profissão mas, é claro, à revelia das regras
dos donos dos jornalistas e dos donos dos donos dos jornalistas, questionou Cavaco
Silva sobre esse eufemismo a que se chama democracia em Angola, e perguntou a
Eduardo dos Santos quando haveria eleições presidenciais no seu país. Cavaco
Silva, um político que nunca erra e raramente tem dúvidas, limitou-se a... não
responder. Eduardo dos Santos disse que não sentia falta de legitimidade.
Quando,
no dia 3 de Setembro de 2008, o mesmo Cavaco Silva falava na Polónia a
propósito das eleições em Angola, disse o óbvio (uma das suas especialidades): “Desejo
que as eleiçõess ocorram com toda a paz, sem qualquer perturbação, justas e
livres como costumam dizer as Nações Unidas nos processos eleitorais”. Nessa
altura, como sempre, Cavaco Silva nada disse sobre o facto de quatro órgãos de
comunicação social portuguesa - SIC, Expresso, Público e Visão – terem sido
impedidos de entrar em Angola para cobrir as eleições que foram tudo menos
justas e livres.
Afinal,
hoje, Cavaco Silva, embora mais comedido, continua a pensar da mesma forma que
José Sócrates, Passos Coelho, Paulo Portas, António José Seguro e Jerónimo de
Sousa, para quem Angola nunca esteve tão bem, mesmo tendo 68% dos angolanos na
miséria. Com a ajuda cada vez mais robusta do regime angolano, os portugueses (os
políticos estão incluídos) só estão mal informados sobre a realidade do nosso
país porque querem, ou porque têm interesses eventualmente legítimos mas pouco
ortodoxos e muito menos humanitários. Políticos, empresários, (supostos)
jornalistas fazem tudo o que podem para procurar legitimar o que se passa de
mais errado com os nossos governantes, os mesmos que estão no poder desde 1975.
Com Eduardo dos Santos os angolanos não brincam e são poucos os que trincam. Ele
não brinca em serviço mas adora brincar com os seus escravos e com todos
aqueles que vai comprando por esse mundo fora.
Quando
no dia 7 de Dezembro de 2009 exortou os seus súbditos a “não pactuar com a
corrupção e com a apropriação de meios do erário público ou do partido”,
mostrou como é fácil e barato enganar meio mundo e comprar o outro meio.
O
tempo vai passando e tudo continua na mesma, e até os mais optimistas e ingénuos
já concluíram que a mudança de algumas moscas não alterou o mau cheiro da
coisa. E se os mais cépticos perguntam o que é que andaram a fazer durante 38
anos, os mais realistas continuam a fazer contas com o dinheiro que passa por
baixo da mesa, que levanta voo em malas diplomáticas e que aterra num paraíso
chamado Portugal.
“Hoje
é voz corrente equiparar a pessoa investida em funções políticas a um homem sem
palavra, desonesto e sem escrúpulos. É necessidade absoluta assumir atitudes
positivas que desfaçam essa imagem pálida e inconveniente de forma a dar
credibilidade, valorizar e repor a nobreza da função dos dirigentes políticos”.
Não,
não foi Passos Coelho, Paulo Portas, António José Seguro, Catarina Martins,
Jerónimo de Sousa ou até Cavaco Silva quem fez esta afirmação, embora ela
retrate o que se passa no reino lusitano. Quem o disse foi Eduardo dos Santos,
sublinhando debaixo de estrondosos aplausos dos seus perfilados e atentos
sipaios que o partido “tem dito isto por outras palavras” e advertindo que “as
nossas palavras e promessas devem corresponder aos actos que praticamos”.
Eduardo
dos Santos pede, e nunca como agora o pedido teve tanta razão de ser (na óptica
do regime), o “fim da intriga, dos boatos e a manipulação de factos na
comunicação social para prejudicar os outros”. Subentende-se que esteja a
dirigir o alvitre ao seu órgão que dá pelo nome “Jornal de Angola”.
Por
cá, como em Portugal, a comunicação social livre é a fonte de todos os males. Foi
ela, a comunicação social independente, que forçou o MPLA a reconhecer a
corrupção e outras grandes enfermidades, e é exactamente por isso que é a
culpada de tudo.
“Devemos
aperfeiçoar o modo de encarar a política, um modo pró-activo e rigoroso de
mostrar o nosso empenho e dedicação que sirva para mobilizar milhões para a
nossa causa”, diz Eduardo dos Santos, certamente depois de ter tido num só dia
o que milhões de angolanos não têm durante muitos dias: refeições.
O
Presidente da República e do MPLA, e também chefe do Governo, disse ainda que
“em cada 100 angolanos, 60 são muito pobres, não conseguem comer normalmente
todos os dias, não têm acesso fácil a água potável, acesso aos cuidados de saúde
nem casa normal para se abrigar”. Na verdade a culpa nem é do regime nem do
partido do regime, nem do regime do partido. O MPLA está no poder há 38 anos,
Angola está em paz há onze anos, o que é manifestamente pouco tempo para pôr em
ordem o país. O “desemprego, o analfabetismo e a pobreza são três problemas
muito gravese difíceis de resolver, que atingem especialmente as mulheres, as
famílias e as crianças”, disse Eduardo dos Santos (o mesmo poderia, aliás, ser dito
pelo seu amigo Cavaco Silva) em mais uma manifesta enciclopédia de hipocrisia
que, contudo, foi aplaudida.
Certamente
anestesiado pelas ovações dos seus vassalos, José Eduardo dos Santos disse
também que o MPLA pugna desde 1975 “pela defesa das liberdades direitos e
garantias dos cidadãos, e considera o direito à associação como fundamental”.
Para os problemas que persistem no país, como a pobreza, retomou a evocação da
“pesada herança do colonialismo” que foi “agravada pelo período de guerra que o
país viveu” até 2002.
Se
tantos anos depois da conquista da democracia (com a ajuda do MPLA), os
portugueses continuam também a desculpar-se com a pesada herança do salazarismo,
é legítimo que o MPLA acuse o colonialismo, um bode expiatório que aguenta
ainda ser utilizado aí por mais uns trinta anos.
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