Lei de Meios,
acatada na Argentina, está em votação no Uruguai. No Brasil, projeto de
iniciativa popular já recolhe assinaturas
Cibelih Hespanhol –
Outras Palavras
A luta pela
representação midiática da diversidade cultural, social, sexual, étnica,
ideológica… enfim, da diversidade humana (que maravilhosamente se agita em
todos nós) ganha corpo entre os sul-americanos. Conforme sua história e
panorama atual, diferentes países da América Latina passam por processos de
transformação das leis que regulam a comunicação social.
No Brasil, uma
jornada de palestras, ações culturais e coleta pública de assinaturas marcou a
Semana Nacional pela Democratização da Comunicação, em outubro. A data, já
comemorada há mais de década no país, veio fortalecer a Lei de Mídia
Democrática, de iniciativa popular – que já começa a coletar as 1,3 milhão de
assinaturas de que necessita para ser votada na Câmara.
Na Argentina, a
Suprema Corte acaba de decidir um impasse: declarou a constitucionalidade da
Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual dia 29 de outubro. Aprovada em 2009,
ela esteve suspensa devido aos recursos judiciais do Grupo Clarín, que
questionava quatro artigos: o artigo 41, que fixa as condições de transferência
de licenças; o 45, que as limita em número; o 48, que em um parágrafo nega a
alegação de “direitos adquiridos” para o não cumprimento dos artigos
anteriores; e 161, que estipula um prazo para que os grupos se adaptem à
mudança.
Para Martín
Becerra, doutor em comunicação de Barcelona, o próprio conflito entre governo
argentino e Grupo Clarín foi o que impulsionou a legitimação da Lei de Meios.
Em entrevista
ao Opera Mundi, lembra que o Clarín manteve aliança com o governo Nestor
Kirchner até o ano de 2008. Segundo ele, a ruptura foi necessária para que
entrasse em pauta a democratização da comunicação no país: “quando eram
aliados, o governo não impulsionava leis de meios”.
Com
a aprovação definitiva da lei, o Clarín terá que se desfazer das 240 licenças
de TV a cabo e 58% de abrangência, e chegar aos números impostos pela lei: 24
licenças de TV, 10 de rádio, e abrangência máxima de 35% do mercado. Na última
segunda-feira, dia 4, o grupo apresentou uma proposta de adequação à lei,
dividindo-se em seis unidades. A cada unidade serão, posteriormente, designadas
as devidas concessões e transferências. A Autoridade Federal dos Serviços de
Comunicação Audiovisual terá 120 dias para analisar a proposta de plano que, se
aprovada, deverá entrar em vigor dentro de seis meses. Segundo a Afsca, um dos
principais objetivos da lei é justamente impedir o monopólio de “gigantes
‘toma-tudo’, que não permitam que outros meios existam”.
A Lei de Meios
argentina serviu de inspiração à construção da lei de outro país
latino-americano: o Uruguai. Em 31 de julho deste ano, uma audiência pública
analisou seis propostas para a TV digital no país, com transmissão online ao
vivo. A nova lei procurou vincular à digitalização a distribuição igualitária
das frequências: dos vinte canais disponíveis para a TV digital, 7 serão
destinados a meios comunitários, outros 7 a comerciais e os restantes à
televisão pública.
O decreto
uruguaio se define pela máxima: “pela diversidade, evitando oligopólios”. E
estabelece: “O total de assinaturas de empresas de televisão autorizadas a
operar em todo o território nacional não pode ultrapassar 25% dos lares em todo
o país”. Além disso, a lei preza a valorização da produção nacional e
independente: 60% do conteúdo audiovisual deve ser produzido ou co-produzido
nacionalmente, e 30% exibido por produtores independentes.
A ausência, no
Uruguai, de um forte antagonismo entre o governo e uma única empresa midiática
(como ocorre no Brasil, com a Rede Globo; e na Argentina, com o Grupo Clarín)
poderia significar uma aceitação mais fácil das novas medidas. Mas, como toda
mudança profunda, também lá ocorreu um antagonismo de ideias.
A Organização dos
Estados Americanos (OEA) critica a imprecisão da lei ao se referir às infrações
e penas, e o que considera uma “excessiva regulamentação” por parte do governo.
Já a organização Repórteres Sem Fronteiras se diz otimista e lamenta que “os
opositores ao projeto estejam querendo confundir as coisas”.
Para o Comitê
sobre a Liberdade de Expressão da Sociedade Interamericana de Imprensa, a lei é
contraditória e sujeita a interpretações equivocadas. Frank La Rue, relator
especial sobre o direito à liberdade de expressão da ONU, defende
que a lei é um “grande passo para o Uruguai”, mas faz ressalvas quanto ao que
considera uma atuação excessiva do Poder Executivo.
Até o final deste
ano, o Senado deve votar o projeto. Se aprovado, será mais uma conquista de um
país que demonstra, também em outras mudanças – como a legalização do aborto e
da maconha –, estar cada vez mais sintonizado com a realidade.
No Brasil, o caso é
outro: quem defende a diversificação dos meios é um movimento “de baixo para
cima”, vindo da própria população – que já não se vê representada nos meios
tradicionais. “A opinião pública se forma com base no conteúdo dos meios
midiáticos”- lembra Ignácio Ramonet, diretor do Le Monde Diplomatique, ao falar
da importância social da comunicação em vídeo
divulgado pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação.
Por motivos óbvios,
a Semana Nacional pela Democratização da Comunicação não esteve nas principais
emissoras de tevê do país. Mas está ao alcance de um clique, no site para expressar a liberdade.org.br. Informe-se,
conscientize-se. E contribua para a aprovação de uma lei que quer garantir a
todos o direito perdido à voz.
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