Novas da
Guiné-Bissau
Jorge Heitor*
O aniversário do
primeiro golpe de estado que depôs um Presidente guineense é a altura adequada
para uma reflexão sobre a violência no país e a incapacidade das Nações Unidas
para a resolver.
Foram necessários
11 anos de luta para a Guiné-Bissau conseguir alcançar a sua independência; e
agora já lá vão 33 anos que estamos a assistir à sua desagregação, ao
desmoronar do sonho, desde que no dia 14 de Novembro de 1980 João Bernardo
“Nino” Vieira depôs o Presidente Luís Cabral, irmão de Amílcar.
De 1963 a 1974 o
povo guineense lutou para que Portugal reconhecesse o seu direito a ter um
Estado próprio. De 1974 a 1980 Luís Cabral dirigiu o país dos balantas, dos
fulas, dos mandingas, dos manjacos, dos papéis e de outros povos que vivem na
bacia do rio Geba e nas suas imediações. A partir de Novembro de 1980, Nino
Vieira destruiu o projeto de Amílcar Cabral, cortou a caminhada conjunta com o
povo de Cabo Verde, irritou o seu amigo Ansumane Mané, chamou em seu auxílio
tropas estrangeiras e fez outras tropelias.
Depois de Nino,
Kumba Ialá demonstrou que também ele não era a solução, antes pelo contrário. E
assim se foram sucedendo os governos e os golpes, num descambar quase
constante, sem o surgimento de pessoas à altura de tão ciclópicas tarefas como
as que haveria a realizar.
Agora, este mês, a
agressão gravíssima, e ainda não devidamente explicada, ao ministro dos
Transportes e das Comunicações, Orlando Viegas, que teve de ser retirado
primeiro para Dacar e depois para Lisboa, demonstrou que as coisas continuam
muito más em solo guineense. Morrem soldados durante a recruta, perseguem-se
nigerianos e por muitas outras formas se dá a entender ao exterior que a
Guiné-Bissau não está minimamente preparada para, nos próximos meses, ser
chamada às urnas, em clima de serenidade, para decidir o seu futuro.
Contra toda a
lógica, o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, António Indjai,
ordenou a incorporação de novos mancebos, numas tropas que deveriam ser
reduzidas e não, de forma alguma, aumentadas.
Um país com o tamanho
da Guiné-Bissau, e com os seus fracos recursos, não pode nem deve ter mais de
4.000 homens nas fileiras, a queixarem-se de que não há condições nos quartéis
e a revoltarem-se por tudo e por nada, sem qualquer respeito pelo poder civil.
As Forças Armadas
guineenses devem ser reestruturadas de uma vez por todas, saindo delas uns bons
800 ou 900 elementos que estão visivelmente a mais; a começar pelos oficiais
que nestes últimos anos têm estado na linha da frente de uma série de conjuras
e de atropelos à legalidade.
Sem um profundo
saneamento do aparelho militar e de segurança a Guiné-Bissau não irá a lado
nenhum, por mais eleições que se façam, com idas às urnas que são uma simples
panaceia e um completo desperdício de dinheiro.
Se dinheiro há, se
há algum dinheiro, a União Africana e a Comunidade Económica dos Estados da
África Ocidental (CEDEAO) que o utilizem na passagem compulsiva à reforma de
800, 900 ou mil oficiais e sargentos que não fazem qualquer falta ao país; só
atrapalham. Que o utilizem no pagamento de pensões de reforma a militares que
devem ser afastados para muito longe dos quartéis e dos paióis, de modo a que
cessem de vez as suas tentações golpistas.
A reforma dos
sectores da Defesa e da Segurança encontra-se com muito mais de 14 anos de
atraso. E é isso que as Nações Unidas têm de perceber, antes de se empenharem
na organização, seja em Fevereiro, Março ou Abril, de eleições que de pouco ou
nada servirão.
Neste contexto,
tem-se revelado muitas vezes estranha, para não dizer mais, a atitude mantida
nos últimos meses pelo representante local do secretário-geral da ONU, o antigo
Presidente timorense José Manuel Ramos-Horta.
Ao tentar esconder
toda a gravidade e complexidade da situação e ao acamaradar com pessoas tão
pouco recomendáveis como o dr. Kumba Ialá, Ramos-Horta perde uma parte do
prestígio que teve na altura em que alguém decidiu atribuir-lhe um Nobel da
Paz. Um Nobel que anda a perder-se numa tarefa que talvez esteja acima das suas
capacidades.
*Jorge Heitor, que
na adolescência tirou um Curso de Estudos Ultramarinos, trabalhou durante 25
anos em agência noticiosa e depois 21 no jornal PÚBLICO, tendo passado alguns
períodos da sua vida em Moçambique, na Guiné-Bissau e em Angola. Também fez reportagens
em Cabo Verde, em São Tomé e Príncipe, na África do Sul, na Zâmbia, na Nigéria
e em Marrocos. Atualmente é colaborador da revista comboniana Além-Mar e da
revista moçambicana Prestígio.
Na foto: Amílcar Cabral
Fonte : LUSOMONITOR
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