terça-feira, 12 de novembro de 2013

HOLANDA: BARATOS E SEMPRE DISPONÍVEIS

 


Trouw, Amesterdão – Presseurop – imagem Falco
 
A exploração dos trabalhadores da Europa central e oriental não diz apenas respeito aos campos de tulipas: também é possível encontrar, nos serviços, checos e polacos mal pagos, alojados em condições precárias e que trabalham até 20 horas por dia com contratos duvidosos. Mas as agências de trabalho temporário que os empregam afirmam agir de boa-fé. Excertos.
 
 
Um miniautocarro branco da agência de trabalho temporário Werk & Ik está estacionado em frente a uma fila de garagens numa zona industrial de Osdorp [um bairro de Amesterdão]. Uma delas serve de habitação para a mão-de-obra temporária checa da Werk & Ik.
 
Uma mulher mostra os quartos: cinco divisões feitas de painéis de madeira, com camas em beliche. Uma lâmpada de néon ilumina a totalidade do local, incluindo o espaço onde as pessoas querem dormir. Não há janelas nem ventilação. “Segundo determinadas estimativas, cerca de 100 mil checos, polacos e outras pessoas oriundas da Europa central e oriental trabalham neste tipo de condições na Holanda.
 
Sem subsídio de férias
 
A Werk & Ik – cujo volume de negócios atinge os 12 milhões de euros – trabalha de bom grado com checos, sobretudo em Schiphol, onde limpam aviões e tratam das malas. Serão os trabalhadores temporários suficientemente bem pagos pelo seu trabalho? Não, segundo George, estudante e agente de limpeza. Henry Stroek, responsável do sindicato nacional CNV, salienta o facto de que George não recebeu nenhum subsídio de férias em 2012. Ou seja, 16,3% do salário nunca é pago. “É muito dinheiro, sobretudo quando a pessoa ganha o salário mínimo”, realça Stroek. Ivan Karels, diretor e proprietário da agência de trabalho temporário, admite que vários checos não chegaram a receber o subsídio de férias. “Foi algo que nos escapou. Agora prestamos mais atenção.”
 
A Werk & Ik promete, no seu site de recrutamento em checo Werkczeck.cz, um vencimento líquido de cinco euros à hora, independentemente da idade. Segundo Stroek, as folhas de remuneração de George indicam que, durante um ano, o salário bruto prometido foi pago, com as horas extras correspondentes ao trabalho em horário de serão e noturno, mas no ano seguinte não.
 
Sem folhas de remuneração
 
O conselheiro da agência de trabalho temporário, Rewiesh Jibodh, que traz os checos para a Holanda e trata da planificação do trabalho, tem uma explicação: “É óbvio que as horas não correspondem sempre. Quando alguém fica doente e a pessoa que o substitui não consta na lista, as horas de trabalho podem ser atribuídas ao trabalhador doente. Mas acabamos sempre por corrigir estes erros.”
 
Também há outro problema, os trabalhadores temporários não recebem as suas folhas de remuneração, apesar de ser uma obrigação legal. George só as recebeu recentemente, pouco antes de deixar a Holanda, quando ameaçou recorrer a um advogado. “Acabam por perdê-las ou deitá-las fora”, diz Jibodh. “Só gastamos dinheiro em papel. Não vejo qual é o interesse.” As folhas de remuneração deveriam estar disponíveis online, mas os trabalhadores temporários entrevistados não receberam nenhum nome de utilizador nem palavra passe. Uma vez mais, foi algo que lhes escapou, admite Karels.
 
Despesas de alojamento deduzidas
 
A Werk & Ik também deduz certos custos. Por exemplo, a agência retém quantias no salário por danos causados, mesmo quando as pessoas não têm culpa. Mas nada se compara ao que cobram pelo alojamento: 2,50 euros por hora de trabalho, especifica o contrato. Na época alta, no verão, os checos pagam entre 120 e 150 euros por semana por uma cama num beliche numa garagem, que segundo o município de Amesterdão não é próprio para habitação. Na segunda-feira passada, foram enviados inspetores para o local que acabaram por evacuar as pessoas. “Muito perigoso”, adiantava o relatório, que utilizou o termo “exploração”.
 
“Cumprimos as normas em vigor em termos de alojamento. Nas garagens, não é o caso, não vou negar o contrário. Mas foram os jovens que pediram para morar lá. Tenho alojamentos suficientes para todos, mas continuam inabitados”, diz Ivan Karels.
 
“Um empregador não pode cobrar mais de 68 euros por semana por um alojamento, quando a pessoa em questão ganha o salário mínimo. O que a Werk & Ik faz equivale a roubar”, diz num tom revoltado Stroek, do CNV.
 
“Ao realizar estas deduções, ficámos de facto em falta”, responde Karels. “Mas não tínhamos más intenções. Sou um simples empreendedor que trabalha arduamente e procura crescer rapidamente. Há sempre inconvenientes ligados ao crescimento. Vamos resolver os problemas de toda a gente.” Este afirma, no entanto, que os montantes também cobrem outros custos: a energia, a água, a Internet e a carrinha que os leva e traz do trabalho.
 
Um dia de folga por mês
 
Também se verificam deslizes no que diz respeito às horas de trabalho legais. Analisemos, por exemplo, o horário de trabalho de Pavel, o condutor da carrinha, que durante mais de um ano transportou outros checos para o seu local de trabalho. O seu dia de trabalho durava facilmente vinte horas. Quanto a George, o agente de limpeza, descobriu-se com base nos seus mapas de serviço que, durante o mês de agosto, só teve um dia de folga.
 
Depois de um dia de trabalho, um agente de limpeza tem direito a dez horas de descanso sem interrupção, e após uma semana, a 36 horas, segundo a lei.
 
Um ano de serviço noturno
 
Também é algo que Karels admite: “Em certos casos, não prestamos suficientemente atenção”. Jibodh, o diretor da agência, explica que a sua empresa só pensava em responder aos pedidos dos trabalhadores. “Os checos suplicam para trabalhar mais”, diz ele. “Pergunto-lhes sempre se querem efetuar um serviço adicional.” No entanto, quando um colega de George pediu, depois de passar um ano a efetuar serviços diurnos e noturnos, se podia ter outros horários, responderam-lhe: “Queres regressar ao teu país? É só pedir”.
 
Por incrível que pareça, a Werk & Ik, que tem como clientes regulares grandes empresas, como a KLM, é detentora de um certificado da Stichting Normering Arbeid (Fundação para a normalização do trabalho). Esta última garante o cumprimento dos salários mínimos legais. Em maio de 2013, a agência de trabalho temporário chegou mesmo a obter a renovação do seu certificado.
 
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