Martinho Júnior,
Luanda
1 – Os
relacionamentos entre Portugal e Angola estão repletos de exemplos daqueles
que, sendo dirigentes em Portugal, foram evidenciando ao longo dos tempos
posições ambíguas senão mesmo retrógradas, contribuindo para ferir ou manchar
os relacionamentos bilaterais depois da independência de Angola.
Algumas vezes essas
posições ambíguas foram levadas avante a coberto de outros interesses; noutros
casos elas dão sinais do carácter de quem as produz, das linhas com que se
conduzem e sempre dos interesses que representam.
A ambiguidade, é
preciso que se diga, tem surgido por parte de alguns daqueles que professam a
social-democracia (no quadro do PS, ou do PSD), mas também mais “à direita”, no
CDS (basta constatar os “Jogos Africanos” de Jaime Nogueira Pinto).
Esses exemplos
contrastam com a coerência histórica do Partido Comunista Português no seu
relacionamento com o MPLA e por tabela com Angola.
Privilegiando o
trabalho e os trabalhadores, o PCP contribui para consolidar bem no eixo as
políticas de respeito mútuo e amizade entre os dois povos, completando a
coerência antropológica.
É evidente que a
ambiguidade está ao serviço também da NATO e, quando os dirigentes portugueses
procuram ampliar as relações militares já existentes, parece que só alguns dos
militares angolanos têm dificuldade em perceber isso: parece que não bastou o
emprego massivo de material da NATO por parte de Portugal fascista e colonial,
enquanto duraram as campanhas contra a luta pelas independências das
ex-colónias portuguesas!
2 – As ambiguidades
não se ficaram por aí e foram marcando seu percurso em muitos processos de
relacionamento.
Durante o período
decisivo da descolonização por exemplo, Mário Soares assumiu uma das primeiras
ambiguidades: sem se importar que a orientação de Henry Kissinger levasse as
operações militares da CIA para dentro de Angola nas disputas pela
independência (“Operação Iafeature”, segundo seu comandante John Stockwell), ao
fazer tábua rasa disso insistiu nos Acordos de Alvor, enquadrando por seu turno
a orientação de Frank C. Carlucci e dos interesses que ele representava…
Isso influenciou a
sua conduta durante a luta contra o “apartheid” e só houve alguma aproximação
quando, com a volatilização do bloco socialista, se desencadearam na África
Austral os processos elitistas característicos da globalização neo liberal!
Pelo meio ficou o
apego a Savimbi e, dizem alguns, aos seus “diamantes de sangue”…
3 – Este 11 de
Novembro, data em que se comemora o 38º aniversário da independência de Angola,
os actos centrais vão ser assinalados em Benguela e por isso é justo recordar
alguns factos do passado que se reportam já à história de Angola independente e
de alguns episódios referentes aos seus relacionamentos externos envolvendo a
África do Sul e Portugal.
Em Agosto de 1982 era
Adido Militar da Embaixada do regime racista da África do Sul em Lisboa o
oficial da Marinha de Guerra Sul-Africana, Jacobus Everhardus Louw.
Nessa altura e
tendo essa personagem como figura de referência, os jornais portugueses deram a
conhecer o desencadear da “Operação Cubango” por parte dos serviços de
inteligência BOSS-NIS em Lisboa, operação essa que em primeira análise
procurava semear a confusão em direcção a diversos organismos do estado
angolano, através de processos deliberadamente forjados e publicamente
manipulados.
Alguns dados da “Operação
Cubango” tiveram de ser identificados pela inteligência angolana, tendo
desempenhado um papel relevante em relação a isso, em Lisboa, o oficial
angolano Caetano Francisco, já falecido, por que não houve outra forma de o
fazer.
Por essa altura e
sob essa “cortina de fumo”, Jacobus Everhardus Louw, tirando partido dos
relacionamentos históricos entre o fascismo-colonialismo português e o regime
de “apartheid” na África do Sul, procurou ainda recrutar cidadãos portugueses a
fim de trabalharem em proveito da BOSS-NIS (serviços de inteligência do regime
do “apartheid”) em Angola, em busca de informação de interesse de vária ordem,
a começar pelo interesse militar.
Entre esses
cidadãos acabariam por ser detectados em Angola, por parte dos serviços de
inteligência angolanos, Amílcar Fernandes Freire, cidadão português na altura
contabilista da África Têxtil (em Benguela), Francisco Alberto Albarran Barata,
cidadão português, Despachante Oficial no porto do Lobito e o angolano Agatão
Dongala Kamati, do Lubango.
O velho Amílcar
chegou a treinar técnicas de comunicação e cripto em instalações da BOSS-NIS
próximo de Pretória, aproveitando a cobertura duma das suas viagens a Portugal
e o Albarran Barata acabou por ser recrutado “por terceira bandeira”, pois
julgava que estava a prestar informações aos Estados Unidos.
A rede, entre as
várias missões que recebeu, levou a cabo recolha de informação sobre o trânsito
de cabotagem naval, incidindo sua atenção sobre os navios que transportavam
material de guerra ao longo da costa angolana, entre eles o “Habana” que estava
activo na logística militar comum Angola-Cuba.
A inteligência
sul-africana e o 4º Recce sedeado em Saldanha Bay, seguiu a deslocação do “Habana”
até Luanda e, na impossibilidade de o atacarem por via de homens-rãs, colocaram
cargas explosivas no “Lundoge” (navio mercante angolano) e no “Arendsee” (navio
mercante que navegava com pavilhão da República Democrática Alemã).
A rápida
intervenção das autoridades portuárias de Luanda tendo o então director do
porto à cabeça das operações, conseguiram amarrar o “Lundoge” a um dos molhes
do porto, de modo a que não afundasse por completo e encalharam o “Arendsee”
num areal da ilha de Luanda.
Entre os oficiais
que deram o seu contributo para salvar os navios esteve o já falecido Pitagrós.
Entre os oficiais
que participaram no processo contra a rede da BOSS/NIS instalada nas Províncias
de Benguela e da Huila esteve José Vale, também já falecido, um dos oficiais
que mais havia contribuído para desvendar as acções dos serviços de
inteligência do “apartheid” para dentro do território angolano.
4 – Os três
elementos da rede ao serviço da BOSS/NIS foram condenados pelo Tribunal Popular
Revolucionário de Angola à pena de morte, mas a sentença foi comutada pelo
Presidente da República de Angola, José Eduardo dos Santos em Agosto de 1986,
pois sob sua direcção, na altura já se faziam esforços no país para a abolição
da pena de morte.
Jacobus Everhardus
Louw esteve a cumprir a sua missão de Adido da Embaixada Sul-Africana em Lisboa
de 1980 a 1983, o ano em que Mário Soares iniciou suas obrigações de
Primeiro-Ministro, no âmbito do IXº Governo Constitucional, sucedendo ao
Primeiro Ministro Francisco Pinto Balsemão (VIIº e VIIIº governos constitucionais),
que por sua vez, por morte de Francisco Sá Carneiro, foi sucessor do Primeiro
Ministro Interino Diogo Freitas do Amaral (VIº governo constitucional)… quer
dizer, enquanto Adido Militar na Embaixada da África do Sul em Lisboa, esteve
sempre à vontade!...
5 – Mas se com
Diogo Freitas do Amaral, Francisco Pinto Balsemão e Mário Soares foi assim no
que toca a Jacobus Everhardus Louw em relação a Angola, com Cavaco Silva não
seria melhor e, de acordo com notícia de “O Século” de Joanesburgo:
A 31 de Março de
2010 “na Embaixada de Portugal, em Pretória, foi o Contra-almirante Jacobus
Everhardus Louw, da Armada Sul-Africana, actualmente a comandar a base naval de
Simonstown, agraciado com a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique,
condecoração que lhe foi entregue pelo embaixador dr. João Ramos Pinto.
Segundo ali
soubémos, esta condecoração tem a ver com os serviços que o Contra-almirante
Louw tem prestado ao Estado Português, nomeadamente na organização da visita à
África do Sul da fragata Álvares Cabral, que aqui veio integrado nas Forças da
Nato em 2007, da visita do navio-escola Sagres a Cape Town, Port Elizabeth e
Simonstown em 2008, e mais recentemente na ajuda que nos concedeu na preparação
da visita do Chefe da Armada, Melo Gomes, em 2009, para além de ter sido desde
1980 a 1983 adido militar da África do Sul em Portugal”…
Para quem tinha tão
abonatória folha na PIDE/DGS, nada custou condecorar um servidor do regime do “apartheid”
que, por obra e graça da nova onda de políticas elitistas introduzidas na
África do Sul pelo tandem Nelson Mandela / Thabo M’Beki, continuou no activo
até à idade da reforma, sem que alguma vez alguém se lembrasse de ressarcir
Angola dos danos causados pela inteligência do regime do “apartheid” e seu
cortejo de acções com recurso aos comandos do 4º Recce!...
6 – Parece evidente
que para dirigentes como aqueles que têm assumido o poder ao longo dos últimos
governos constitucionais portugueses, quer em função da NATO, quer em função de
outros interesses, é muito difícil abandonar políticas de relacionamento para
com Angola que recorram a e se sustentam de fórmulas ambíguas capazes de
múltiplas interpretações.
Sem dúvida que,
mesmo que se procurem estratégias comuns entre Portugal e Angola que conduzam a
um patamar de parceria de nível elevado, tudo o que é assumido em nome dos
governos constitucionais portugueses em relação a Angola é, no mínimo,
imprevisível e a velha mentalidade colonial, sobranceira quando não arrogante,
estará ainda por várias gerações à espreita de sua oportunidade, quantas vezes
sem ser efectivamente em nome dos interesses de Portugal, muito menos do povo
português!
Foto: Entrega da Comenda da Ordem do Infante Dom Henrique ao Contra-almirante Jacobus Eevrhardus Louw, por parte do embaixador de Portugal na África do Sul, dr João Ramos Pinto (31 de Março de 2010) – Portugal condecorou o Contra-almirante sul-africano Jacobus Everhardus Louw – http://www.oseculoonline.com/index.php?option=com_content&task=view&id=1682
A consultar:
. Mário Soares,
Angola e o tráfico de diamantes – http://aventar.eu/2009/07/23/mario-soares-angola-e-o-trafico-de-diamantes/
. Contos proibidos
de Rui Mateus – http://ferrao.org/documentos/Livro_Contos_Proibidos.pdf
. Mário Soares – http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A1rio_Soares
. In search of
enemies – http://www.thirdworldtraveler.com/Stockwell/In_Search_Enemies.html
. CIA operation IA
feature – http://www.youtube.com/watch?v=F2l1qpUwkqM
. America third
world war – http://www.informationclearinghouse.info/article4068.htm
. Frank C. Carlucci
– http://publicintelligence.net/frank-c-carlucci/
. The Frank C.
Carlucci page – http://www.smokershistory.com/Carlucci.htm
. A verdade
escondida sobre Cavaco Silva e a PIDE – http://forum.antinovaordemmundial.com/Topico-a-verdade-escondida-sobre-cavaco-silva-e-a-pide
. Cavaco admite ter
preenchido ficha da PIDE mas não se lembra – http://www.tsf.pt/paginainicial/Portugal/interior.aspx?content_id=1734665
. Aníbal Cavaco
Silva – http://en.wikipedia.org/wiki/An%C3%ADbal_Cavaco_Silva
. Amílcar Fernandes
Freire consta no Roteiro de Benguela – http://www.cpires.com/docs/roteiro_benguela_1.pdf
. La peine de mort
en Angola – http://www.peinedemort.org/National/pays.php?pays=125
. Angola ruma para
progresso e modernidade – http://www.portalangop.co.ao/angola/pt_pt/noticias/politica/2013/10/46/Angola-ruma-para-progresso-modernidade-Manuel-Vicente,fe6cf81d-f7b7-46c9-bc7a-4f9ed63de638.html
A consultar ainda:
. Rapidinhas do
Martinho – 14 – Lições para não esquecer – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/05/rapidinhas-do-martinho-14.html
. Rapidinhas do
Martinho – 53 – Reinventando Maquiavel: Os piores fins justificam os melhores
meios – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/10/rapidinhas-do-martinho-53.html
. Rapidinhas do
Martinho – 65 – Um golpe de estado já com várias legislaturas de longevidade – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/11/rapidinhas-do-martinho-65.html
. Uma das placas
giratórias ao serviço do BILDERBERG – I – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/04/portugal-uma-das-placas-giratorias-ao.html;
II – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/05/portugal-uma-das-placas-giratorias-ao.html;
III – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/05/portugal-uma-das-placas-giratorias-ao_03.html
. O arco da velha –
http://paginaglobal.blogspot.com/2013/07/o-arco-da-velha.html
. Apagando os
sinais – http://paginaglobal.blogspot.com/2013/07/apagando-os-sinais.html
. Vassalagem
comprometedora – http://paginaglobal.blogspot.com/2013/07/vassalagem-comprometedora.html
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