Wikileaks revela:
EUA pressionam e ameaçam para nunca ter ações de seus cidadãos julgadas
internacionalmente
Vinicius Gomes –
Outras Palavras, em Blog da Redação
Quando, em 2002, a
Corte Internacional de Justiça foi estabelecida em Haia, na Holanda, seu norte
foi: julgar indivíduos acusados de crimes de guerra, crimes contra a humanidade
e genocídio. O mais polêmico país da considerável lista dos que
se recusaram a ratificar o Estatuto de Roma – colocando-se, assim, fora da
jurisdição da Corte – são os Estados Unidos.
No auge de sua
invasão ilegal ao Iraque, os EUA não apenas se negaram a integrar a Corte como
também realizaram agressiva campanha de pressão sobre diversos países para que
assinassem o chamado Artigo 98, mais conhecido como “Acordo Bilateral de
Imunidade”. Os países que assinam tal acordo com os EUA se comprometem a jamais
entregar, sem o consentimento de Washington, qualquer cidadão norte-americano
para julgamento da Corte Internacional.
Centenas de
documentos diplomáticos que vieram a conhecimento público, graças ao Wikileaks,
mostram como a administração Bush usou de sanções, promessas e ameaças a países
mais fracos para coagi-los a assinar esses acordos – e assim reforçar a
política de nunca sujeitar suas ações às leis internacionais. A política de
Washington era bem clara: como diz o documento
do Wikileaks, “eles ajudariam aqueles que assinassem o acordo e cortariam ajuda
àqueles que se recusassem”.
Os exemplos de
promessas e coerções são vários. Ao primeiro-ministro do Sri
Lankae ao governo das pequenas ilhas das Maldivas,
ambos no oceano Índico, foi prometida uma “considerável atenção positiva entre
os tomadores de decisão em Washington”. Ao país africano de Lesoto
– um dos mais afetados do mundo pela AIDS – foi dito que “devido a seu status
de não-signatário do acordo do Artigo 98, a ajuda dos EUA estava sendo negada”.
Países europeus como Romêniae
Croácia
também se encontraram em situação difícil, por estarem entre as pressões dos
EUA e a necessidade de integrar a política externa da União Europeia (que havia
ratificado o Estatuto de Roma).
Devido às
controvérsias sobre esses acordos bilaterais, alguns países tiveram de fazê-lo
em segredo e, pior, ilegalmente. Foram os casos do Paraguaie
do Bahrein.
Os dois países se viram sob uma pressão norte-americana muito maior, uma vez
que a concordância para assinar o Artigo 98 deveria ser submetida a seus
parlamentos.
Esses casos, e
dezenas de outros, ocorreram entre 2002 a 2009, mas a prática de pressão e ameaças
ainda não terminou. Cerca de um mês atrás, o secretário de estado John Kerry
viajou ao Afeganistão para formalizar as negociações a respeito da permanência
de tropas norte-americanas no país, desde que todo
norte-americano em solo afegão estivesse sob jurisdição das leis dos EUA. O
presidente afegão discordou e as negociações ainda estão em andamento.
A prática de
proteger seus militares e ter controle sob a jurisdição a que estão submetidos
é exercida até mesmo dentro dos EUA. Nenhum militar acusado de qualquer crime
enfrenta um tribunal comum, e sim a Corte Marcial. Nas guerras contra o Iraque
e o Afeganistão o controle foi além, uma vez que muitos soldados, contratados
por empresas privadas de segurança, tinham seus crimes jogados num limbo
jurídico: não podiam ser julgados pela Corte Marcial dos EUA (não eram
soldados) e também não podiam ser julgados pela Corte Internacional (pois eram
norte-americanos).
O terreno fica
ainda mais pantanoso quando o assunto são os drones. O relatório
da Anistia Internacional “Serei eu o próximo? Ataques de drones
norte-americanos no Paquistão”contabilizou, desde 2004, quase 4.700 pessoas,
incluindo civis, que morreram com os ataques de drones nas regiões tribais do
Paquistão.
A pergunta óbvia
parece ser: como conter o desrespeito às leis internacionais e aos direitos
humanos por parte dos governos dos EUA, quando seus cidadãos e soldados são
blindados juridicamente? A quem acusar pelos assassinatos, quando bombas são
jogadas por aviões não-tripulados?
Na imagem: “War
bonds”, poster de N.C. Wyeth, 1942
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