Tomás Vasques –
jornal i, opinião
A obsessão de
Passos Coelho pelo golpe de Estado constitucional não é novidade, pelo menos
para os mais atentos
À beira de
comemorarmos o quadragésimo aniversário do "dia inicial inteiro e limpo/
Onde emergimos da noite e do silêncio", como chamou Sophia à madrugada que
(quase) todos esperávamos, ainda é necessário sair à rua em defesa do
cumprimento da nossa Lei Fundamental - do pacto político e social que alicerça
a democracia em que vivemos. Para os mais desmemoriados é preciso lembrar que o
texto constitucional que nos rege foi aprovado por dois terços de
representantes eleitos pelos portugueses (e os juízes do Tribunal
Constitucional foram eleitos nos termos da Constituição e da Lei), de onde
resulta um Pacto que assegura a coesão política, social e a vivência
democrática e soberana de um povo. Isto significa, sem rodeios, que os esforços
deste governo, com estranhas cumplicidades exteriores, em subverter o texto
constitucional, pela força das "circunstâncias", corresponde à
subversão da nossa democracia.
Como era
inevitável, mais uma vez, o senhor Presidente da República enviou para o
Tribunal Constitucional um pedido de fiscalização preventiva da
constitucionalidade de normas de um Orçamento do Estado apresentado por este
governo. No caso concreto, das normas que determinam a redução em 10% de
pensões de reforma em pagamento. Aliás, o actual Presidente da República,
reconhecidamente um patrono deste governo, já enviou para fiscalização
constitucional mais diplomas do que qualquer outro dos seus antecessores. Por
uma simples razão: este governo, por incompetência e por razões ideológicas,
construiu o seu programa e o beija-mão à troika na base da permanente e
deliberada afronta à Constituição e à Democracia. A afronta é tal, que nem
Cavaco Silva lhe pode dar total cobertura. Esta obsessão de Passos Coelho pelo
golpe de Estado constitucional não é novidade, pelo menos para os mais atentos:
está inscrita na sua intervenção de encerramento do congresso que o elegeu como
líder do PSD, em 2010.
Neste final de ano
de 2013, a procissão ainda vai no adro. Os desmandos e desvarios deste governo,
obcecado em lançar na miséria a maioria dos portugueses, e em transformar
funções essenciais de um Estado democrático - a saúde, a educação e a segurança
social - em negócios chorudos, como "solução final" para a
recuperação económica e financeira do país, vão continuar. Enquanto isto
acontece, os beneficiários de PPP, swaps e outros contratos do género,
continuam a facturar e a fazer crescer as suas fortunas. Os sinais de que todas
estas prepotências podem não acabar bem, avolumam-se: os polícias saem à rua e
sobem a escadaria do palácio de São Bento, com a cumplicidade dos seus
camaradas "de armas", enquanto os militares fazem protestos, por ora
simbólicos, nos quartéis. Não devemos esquecer que, em última instância, o
poder efectivo está na ponta das espingardas. E que as democracias se podem
desfazer como castelos de cartas às mãos de um qualquer "sedutor".
PS - O
encontro-comício realizado na última quinta-feira, na Aula Magna, promovido por
Mário Soares, e que juntou na mesma mesa um leque diversificado e bem
representativo de personalidades que não se acomodam ao presente estado de
coisas, incomodou muita gente comprometida com o poder. O que é natural. Uns
dizem que o ex-Presidente da República anda a apelar à violência; outros, mais
ligeiros, dizem que quem defende a constituição nunca a leu; outros ainda, com
a presunção de "historiadores" do dia seguinte, dizem que Mário
Soares não ficará na história pelas suas últimas intervenções. Como disse José
Pacheco Pereira, na Aula Magna: "os tempos não estão para inércias nem
para confortos, nem para encontrar pretextos do passado, ou diferenças no
futuro, para não se lutar, não pelas mesmas coisas, mas contra as mesmas
coisas. Em momentos de profunda crise, tem de ser assim, sempre foi assim, e
esse é o sentido mais profundo deste tipo de iniciativas de Mário Soares. O
incómodo que geram, no poder e na oposição, vem disso mesmo." Sempre foi
assim!
Jurista, escreve à
segunda-feira
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