Portugal-Angola: Arquive-se
tudo!
Folha
8, 9 novembro 2013
O
Departamento Central de Investigação e Acção Penal (D C I A P) de
Portugal está prestes a arquivar (tal como fez agora com o caso relativo ao
vice-Presidente. Manuel Vicente, por fraude fiscal, branqueamento de capitais e
falsificação de documentos) todas as investigações que envolviam, entre outras
altas figuras do regime, o general Manuel Vieira Hélder Dias Júnior “Kopelipa”,
ministro de Estado e chefe da Casa Militar de José Eduardo
dos Santos, e o general Leopoldino Nascimento “Dino”, consultor do ministro de
Estado.
A
estrutura do DCIAP mudou recentemente de protagonistas, facto que veio
confirmar, embora ainda não de forma oficial mas com expressão pública, que
essas alterações significavam boas notícias para os angolanos envolvidos nos
processos que estavam sob investigação. Fontes contactadas pelo Folha 8
confirmam que os processos estão a caminho do arquivamento, a bem, é claro, das
relações institucionais entre Portugal e Angola e por oportuna falta de matéria
de facto que consubstancie qualquer crime.
Será
uma reedição do que se conhece do processo que envolvia o Procurador-Geral
de Angola, João Maria de Sousa, e que, afinal, já há meses tinha o carimbo
oficial de arquivamento. Recorde-se que a nova Procuradora-Geral de Portugal,
Joana Marques Vidal, resolveu mudar o estado das coisas e instaurar processos
disciplinares a três procuradores do DCIAP, entretanto também arquivados,
incluindo a directora Cândida Almeida, Rosário Teixeira e Paulo Gonçalves (este
tinha o processo de Manuel Vicente e companhia), devido a fugas de informação.
Cândida
Almeida ficou então a saber que, apesar da sua disponibilidade, não iria ser
reconduzida no cargo que ocupava há 12 anos. Recorde-se que foi a primeira
magistrada de Portugal e, aos 63 anos, era a procuradora mais antiga do
Ministério Público, tendo chegado ao topo da carreira há 22 anos.
O
DCIAP investiga actualmente, para além do caso de suposto branqueamento de
capitais por altos dignitários angolanos e que agora estão apenas à espera do
carimbo “arquive-se”, os casos mais emblemáticos da justiça portuguesa, tais
como Monte Branco e Operação Furacão, Banco Português de Negócios
e privatizações da EDP e da REN.
A
gota de água que, supostamente, entornou o copo de Joana Marques Vidal tem a
ver com os magistrados Rosário Teixeira e Paulo Gonçalves, a quem foi
instaurado um inquérito disciplinar por alegada violação do segredo de justiça. E
qual era esse segredo de justiça? O jornal Público explicou que “em causa está
uma notícia publicada pelo semanário Expresso, a 12 de Janeiro, intitulada “Processo
de Angola vai acelerar”, em que se adiantava na entrada que
a Procuradora-Geral tinha pedido aos titulares daqueles processos “para
concluírem as investigações” com rapidez. A notícia relatava vários encontros entre
Joana Marques Vidal e alguns procuradores titulares dos casos mais sensíveis
que estavam, mas já não estão, em investigação. O Expresso escreveu que
participaram nas reuniões Cândida Almeida, Paulo Gonçalves e Rosário Teixeira.
Como
aqui foi dito, o procurador português Paulo Gonçalves e Rosário Teixeira não
são ou, pelo menos, não eram, magistrados que cedam a pressões e, segundo
diversas fontes contactadas pelo Folha 8, estariam na disposição de fazer “tudo
o que lhes fosse legalmente permitido” para esclarecer os casos, admitindo-se
antes da chantagem do regime de Eduardo dos Santos que não teriam dúvidas em –
se assim o entendessem – constituir arguidos Manuel Vicente, Manuel Vieira
Hélder Dias Júnior “Kopelipa” e Leopoldino Nascimento “Dino”. Mas isso só seria
válido se Paulo Gonçalves e Rosário Teixeira tivessem apoio hierárquico para “meter
a mão” no barril de pólvora. Mas isso não aconteceu.
Sem
capacidade para vencerem o braço-de-ferro com os que os bombardeiam com a
necessidade, a bem da nação, de arquivar os processos, a luta tornou-se
tremendamente desigual e, segundo apurou o Folha 8, os procuradores começaram a
estar fartos de “brincar aos Estados de Direito”. A
estratégia do Ministério Público parece passar pela desistência dos procuradores,
exaustos com os processos e consequentes pressões vindas de todos os lados. Nem
mesmo a chantagem do regime angolano fez com que, ao contrário do que ingenuamente
se admitiu, o DCIAP passasse a ter mais meios humanos para as suas
investigações. Pelo contrário.
Compete
ao DCIAP, no âmbito da prevenção do branqueamento e do financiamento do
terrorismo (conforme as Directivas 2005/60/CE, do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 26 de Outubro, e 2006/70/CE da Comissão, de 1 de Agosto) receber e
analisar as comunicações de operações susceptíveis de configurar a prática do crime
de branqueamento ou de financiamento do terrorismo que as entidades sujeitas
lhe devem enviar e, se for acaso disso, determinar a suspensão da execução da
operação suspeita notificando, para o efeito, a entidade sujeita. Subsequentemente,
o DCIAP pode determinar, conforme os casos, o prosseguimento de investigação sob
outras formas processuais, seja mediante a realização de averiguação preventiva
ou determinando a abertura de inquérito. Compete
também ao DCIAP a iniciativa da realização de acções encobertas no âmbito da
prevenção criminal (cuja decisão cabe ao juiz do Tribunal Central
de Instrução Criminal), relativamente a qualquer dos crimes indicados no artigo
2º da Lei nº 101/2001, de 25 de Agosto.
Todo
este imbróglio resultou de uma queixa apresentada por um cidadão angolano,
professor universitário, a residir em Lisboa que, como matéria de facto
apresentou uma lista de mais de 20 angolanos que, para além de vultuosos investimentos
financeiros, tinham igualmente inúmeras propriedades em Portugal. Logo nessa
altura o Governo português foi avisado pelas autoridades angolanas que, a bem
da cooperação entre os dois países e sob a capa das relações entre estados, o
assunto deveria ser cortado cerce e morto à nascença. No entanto, nessa altura,
os ventos sopravam a favor dos procuradores lusos que, independentemente dos envolvidos,
queriam apenas fazer justiça. Tempos depois mudaram os ventos e, com eles, as
vontades. Desse rol, para além das figuras citadas, figuravam também elementos
da própria família do Presidente da República, como era o caso de Welwitschea
José dos Santos (“Tchizé” dos Santos), uma das filhas.
A
investigação supostamente ainda em curso, que agora terá – segundo fontes contactadas
pelo Folha 8 – os dias contados, teria total cabimento legal, desde logo porque
ao DCIAP cabe a missão de, para além do branqueamento de capitais, corrupção, peculato
e participação económica em negócio, analisar as infracções económico-financeiras
de dimensão internacional ou transnacional. Na base da queixa estiveram as
denúncias divulgadas internacionalmente, com especial destaque em Portugal,
pelo jornalista Rafael Marques que, aliás, também foi ouvido pelo DCIAP.
Numa
primeira fase processual foi averiguada a existência, ou não, de indícios e de
matéria de âmbito criminal. Dando provimento à existência criminal, o DCIAP
avançou para a fase de inquérito, tendo o processo avançado sob as ordens do procurador
Paulo Gonçalves. Paulo Gonçalves é, aliás, considerado um especialista em
questões que envolvem Angola, sendo por isso titular dos inquéritos que
envolvem o chairman do Banco Espírito Santo Angola, Álvaro Sobrinho.
Procurando
minimizar estragos e descredibilizar Rafael Marques, nove generais angolanos e
duas empresas ditas de segurança (Sociedade Mineira do Congo e TeleService) que
actuam nas zonas diamantíferas de Angola, apresentaram em Portugal uma queixa,
por difamação, contra o jornalista. Rafael Marques acusou os referidos oficiais
angolanos, bem como as empresas, de tortura e violação sistemática dos direitos
humanos nas zonas diamantíferas das Lundas. Estas denúncias são já antigas, sendo
que a primeira resulta da publicação de diversos relatórios em 2005, a que
seguiu o livro “Diamantes de Sangue: Corrupção e Tortura em Angola”.
A
então decisão do DCIAP em dar continuidade à queixa do professor universitário
angolano sustentou-se, segundo fontes ligadas ao processo, nos factos apurados através
de uma exaustiva análise financeira às movimentações bancárias realizadas em
Portugal e que indiciam a existência de crime. Crime que, verifica-se agora, “nunca”
terá existido.
Um
dos vários negócios denunciados por Rafael Marques envolvia a venda, por 375
milhões de dólares, de 24% do capital do Banco Espírito Santo Angola (BESA) à
Portmill, empresa de capitais angolanos, mantendo o Banco Espírito
Santo (BES, Portugal) a sua posição de accionista maioritário com 51,94% do
capital social. Manuel Vicente sempre garantiu que todos os seus investimentos
em Portugal estavam “perfeitamente documentados junto das autoridades competentes”.
Agora, e só depois de Eduardo dos Santos colocar Portugal entre a espada e a
parede, é que os procuradores deram o dito por não dito.
No
meio de todo vendaval, o regime de Eduardo dos Santos usou todos os trunfos,
nomeadamente económicos, para chantagear as autoridades portuguesas. E, pelos
vistos, a estratégia será coroada de êxito.
Cimeira
adiada… até ver
O
Ministro da Justiça, Rui Mangueira, esclareceu esta semana que a cimeira
Portugal-Angola, prevista para Fevereiro de 2014, “não se vai realizar”, sendo
substituída por encontros bilaterais.
“A
cooperação bilateral mantém-se, não há dificuldade nenhuma e não me cabe aqui
fazer comentários sobre o que o Presidente da República já disse.
Estamos
a trabalhar normalmente com Portugal, não temos dificuldade nenhuma, a única questão
é que a cimeira que estava prevista para o mês de Fevereiro não se vai realizar”,
afirmou Rui Mangueira, em declarações aos nossos colegas portugueses da “Rádio
Renascença” e do “Diário Económico”.
A
cimeira “vai-se verificar através de contactos bilaterais”, adiantou o ministro
da Justiça e Direitos Humanos, à margem do Fórum Macau, onde se encontrava
também o vice-primeiro-ministro português, Paulo Portas, com quem esteve
reunido.
O
Folha 8 sabe que, apesar de mais uma declaração oficial sobre o cancelamento da
cimeira, esta poderá realizar-se mesmo em Fevereiro, tudo dependendo da
evolução dos processos judiciais que decorrem trâmites em Portugal e que
envolvem altos dignitários do nosso país.
Acresce
que, como referimos nesta edição, esses processos deverão ser arquivados a
qualquer momento, tudo indicando que na pior das hipóteses o serão a tempo de a
cimeira se realizar na data prevista, Fevereiro de 2014.
Nota
Página Global
Hoje,16 novembro 2013, quando procedemos à publicação do presente artigo de Folha 8, estamos em condições de
informar, tanto quanto é público em Portugal, que todos os processos movidos às
referidas entidades angolanas foram arquivados pelos orgãos de justiça
portuguesa.
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