José Manuel Pureza –
Diário de Notícias, opinião
Rigor não tem de
rimar com injustiça punitiva. Em Portugal tem sido assim: o rigor nas contas
públicas é invariavelmente invocado como pretexto para sovar o mundo do
trabalho e acrescentar proventos ao lado do capital. Quando nos falam de rigor
já sabemos o que vem a seguir: mais cortes a atingirem os mesmos de sempre.
No argumentário
usado para perpetuar este casamento entre rigor e injustiça tem lugar de
destaque a razão provinciana de que "lá fora" (nos "nossos
parceiros internacionais", entre "os peritos", "na
Europa") é assim que se pensa e nem se perde tempo com discussões sobre
outras possibilidades. Pois bem, "lá fora", "os nossos parceiros
internacionais" pensam de maneiras muito diferentes, há muitos caminhos,
há contradição entre "os peritos". O pensamento da troika é apenas um
entre vários e tem por isso a autoridade de uma escolha e não mais do que de
uma escolha.
O relatório da
Organização Internacional do Trabalho sobre Portugal esta semana tornado
público tem, no mínimo, o mérito de mostrar que é de escolhas que se trata. A
OIT mostra que Portugal pode escolher sair da crise modernizando a sua
economia, criando emprego e reforçando a sua afirmação nas trocas
internacionais por via da qualidade. Para isso, este nosso parceiro
internacional aponta como meta a adoção de políticas que animem a procura
popular (aumento dos salários mais baixos, incluindo o salário mínimo, e
redução das desigualdades salariais) e que criem emprego. De acordo com o
relatório, uma combinação sábia entre políticas ativas de emprego e descidas
das taxas de juro permitiria criar mais de 100 mil postos de trabalho nos
próximos dois anos, aumentando o produto interno em dois pontos percentuais,
reduzindo em quase seis pontos o rácio entre a dívida pública e o PIB e
reduzindo a prazo as despesas da Segurança Social com subsídios de desemprego
ou outras prestações sociais de socorro ao mesmo tempo que se alargaria a base
de recolha de receita fiscal.
A par da busca de
eficácia no combate à crise - algo que logo o situa no avesso das escolhas de
afundamento sucessivo vindas da troika - a OIT coloca o combate às
desigualdades no âmago da política de saída da crise. É isso que a faz advogar
o reforço do rendimento social de inserção, a subida imediata do salário mínimo
nacional e a revalorização da contratação coletiva contra as estratégias de
isolamento de cada trabalhador na negociação cada vez mais desigual das suas
condições remuneratórias e dos seus demais direitos.
Oiçamos pois os
nossos parceiros internacionais. E façamos as escolhas que a diversidade das
suas perspectivas nos incita a fazer.
A receita do FMI e
da Comissão Europeia já mostrou o que vale: por cada euro cortado no défice há
8,7 euros acrescentados na dívida pública; em dois anos foram destruídos 10%
dos empregos em Portugal e 220 mil portugueses emigraram; tudo para reduzir
seis mil milhões de euros ao défice com uma retração de 20 mil milhões na
economia. Esta receita eterniza a crise e torna-nos um país mais pobre, mais
dependente, mais desqualificado. Que tal ouvir então atentamente a proposta da
OIT? Que tal apontar para uma saída da crise que nos torne mais fortes, mais
corresponsáveis, mais ricos de património e de capacidades? Que tal abrirmos o
jogo e pormos em cima da mesa o que nos faz obedecer a uns parceiros
internacionais e ignorar outros?
*Professor
universitário
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