Mário Soares – Diário
de Notícias, opinião
1 Na conferência
que fez em Leiria, Rui Rio disse que a democracia em Portugal - com o atual
Governo - estava a ser paulatinamente destruída e a caminho da ditadura. Com
efeito, infelizmente, assim é. Nada se passa que seja transparente, no
essencial, as medidas tomadas são escondidas ou estropiadas. Os partidos da
coligação não se entendem e quando falam dizem coisas contraditórias. O próprio
Banco de Portugal parece estar, cada vez mais, ao serviço do Governo. Numa
palavra, estamos cada vez mais dependentes do Governo - e este da troika - e os
portugueses, na pobreza extrema em que se encontram, percebem muito bem o que
está a acontecer. Por isso gritaram na Aula Magna: "Não pagamos, não
pagamos."
Por isso, o Governo
e o Presidente da República não podem sair à rua sem serem vaiados e
enxovalhados. Sucede que a Justiça praticamente não existe e as personalidades
que roubam estão impunes.
É triste que tudo
isto aconteça. Muito triste. Mas como tenho avisado, o pior está para vir. É,
ao que parece, inevitável e perigoso. Oxalá me engane.
2 A COMUNICAÇÃO
SOCIAL ESTÁ A MORRER
A comunicação
social, tal como a entendíamos no passado, praticamente deixou de interessar.
Os jornais vendem cada vez menos. As televisões também sofrem a concorrência da
internet, onde, através das redes sociais, as notícias vão chegando, com custos
mais acessíveis aos que têm pouco - ou mesmo nada - para gastar.
A crise financeira
e a globalização, tão elogiada há algum tempo, praticamente deixaram de interessar.
Os jornais são cada vez menos lidos porque não falam do que a maioria das
pessoas quer saber. E as televisões menos vistas e ouvidas pela mesma razão.
Os jornalistas,
cada vez mais dependentes dos patrões, deixaram de dizer o que pensam - como
antes faziam - para agradar ao que julgo pensam os patrões. E o público, cada
vez mais empobrecido com a crise, não tem interesse em comprar os jornais que
mal escrevem aquilo que querem saber... É um círculo vicioso que não interessa
a ninguém.
Nos últimos anos,
os jornais e as revistas portuguesas começaram a ser comprados por angolanos
com dinheiro para gastar. Antes eles - é verdade - do que os magnatas
americanos que compraram de uma assentada o Le Monde e o El País...
É assim que o
jornalismo do tempo da democracia vai desaparecendo nesta espécie de ditadura
em que vivemos. E como os poucos jornalistas e comentadores das televisões,
para agradar aos patrões, não escrevem nem dizem o que pensam - com raras e
honrosas exceções, claro - mas tão-só o que julgam agradar aos patrões. E os
leitores deixam de comprar os jornais e de abrir as televisões. É inevitável...
A comunicação
social, dado que os jornalistas não querem perder suas posições, deixa de ter
interesse, tem cada vez menos leitores e telespectadores a ouvir e a ver as
televisões. Porquê? Porque têm medo de não agradar ao Governo, a caminho da
ditadura. Assim se vai destruindo a nossa comunicação social, com as
consequências nefastas que daí advêm.
Isto é: perdem
todos. É o que resulta de um capitalismo cada vez mais selvagem - como lhe
chamou desassombradamente o Papa Francisco - que mata o futuro e vai acabar por
ser um desastre para aqueles que julgam que o vão usufruir...
3 OS DIREITOS
HUMANOS
No dia 10 do
corrente mês de dezembro celebrou-se a Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Curiosamente, o Governo português - et pour cause - esqueceu-se de a
celebrar. Apenas a Assembleia da República, como é habitual, o fez. Direitos
humanos pelos quais tanto lutámos antes e depois do 25 de Abril de 1974.
Foi para qualquer
patriota e democrata - seja de que partido político for - um mau sintoma dos
responsáveis que mandam em Portugal. Esqueceram-se? Ou ignoram os direitos
humanos, sem os quais não há Estado de direito nem respeito pela Constituição
vigente, que foi jurada pelos magnatas que nos comandam para "a cumprir e
fazer cumprir".
Nesse mesmo dia, o
ilustre professor catedrático da Universidade de Coimbra e de universidades
americanas e brasileiras Boaventura de Sousa Santos ofereceu-me um seu novo e
interessante livro intitulado Se Deus Fosse Um Ativista dos Direitos Humanos.
Um livro que recomendo vivamente aos leitores que o quiserem ler, tão atual é
nos tempos que correm.
Não respeitar nem
celebrar os direitos humanos é algo que nunca aconteceu desde o 25 de Abril de
1974. É um sintoma muito sério de que Portugal está a caminho de uma nova
ditadura. Para a troika, para o Governo e para o Presidente da República parece
não haver direitos humanos. Algo inverosímil que os portugueses patriotas devem
procurar eliminar, por todas as razões.
A ditadura seria o
pior que nos poderia acontecer. Digo-o com a autoridade de quem esteve 12 vezes
preso, sem julgamento prévio, que foi deportado para São Tomé e Príncipe da
mesma forma e, finalmente, foi expulso do território português por mero
arbítrio do ditador Marcelo Caetano.
Todos os
portugueses patriotas e que prezam a sua terra têm o dever de lutar contra esse
caminho inaceitável que o Governo está a seguir. Independentemente das suas
ideologias, dos partidos, dos sindicatos ou mesmo daqueles que não tenham nada
disso. É importante criar, para bem de todos, um Movimento Patriótico de
Salvação Nacional. Porque todos seremos igualmente vítimas do que nos irá
acontecer em ditadura. E quanto mais à esquerda se estiver, tanto pior. É o que
a história nos ensina.
Lembremo-nos do que
aconteceu na Alemanha quando apareceu Hitler. Comunistas e sociais-democratas
gladiavam-se sem se importar com Hitler. Quando veio o nazismo foram ambos,
comunistas e sociais-democratas, metidos nos mesmos campos de concentração,
onde morreram...
4 O FALECIMENTO DE
MANDELA
Volto a falar de
Mandela, porque todo o mundo se pronunciou, com imensa tristeza. Por esse homem
especialmente bom, humanista e anti-apartheid que esteve 27 anos preso,
mantendo os seus ideais e o mesmo comportamento.
Uns, a maioria,
julgo, fizeram-no por convicção e outros por mero interesse e oportunismo. Para
não perderem a oportunidade de estar no bom caminho e de o tornar visível.
Reconheça-se.
Note-se que os representantes
da União Europeia foram postos num lugar afastado e os sul-africanos não
convidaram nenhum a falar. É significativo da crise terrível que a Europa
atravessa e da falta de prestígio que agora tem nos outros continentes. A crise
que a atinge não é só financeira, económica, social ou política, é também ética
e ambiental, como tenho escrito.
A descolonização,
pela qual tanto se bateu Mandela e o apartheid, contra o qual lutou toda a
vida, são situações que ainda não pertencem ao passado. Há formas diferentes,
ainda, de se manifestarem. Todos o achamos. O Papa Francisco assim o escreveu,
oportunamente, exclamando que "o capitalismo selvagem, mata".
Mas talvez a
personalidade que mais marcou o funeral foi o Presidente Barack Obama, que
falou, como sempre, superiormente bem e fez um gesto único de paz ao ir
cumprimentar o atual Presidente de Cuba, Raul Castro. Toda a gente compreendeu,
depois da aliança com o Irão e agora com Cuba, que o mundo deve mudar, e em
especial a Europa, dada a decadência em que está.
Tive a honra de ser
convidado, na manhã de sábado, pela embaixadora da África do Sul para estar
presente na cerimónia de homenagem a Nelson Mandela que ocorreu na Igreja
Anglicana de St. George. Foi uma cerimónia em que estavam muitos diplomatas
acreditados em Lisboa de quase todos os continentes. Mas não estava, que visse,
ninguém do nosso atual Governo.
À saída,
acompanhado pela senhora embaixadora da África do Sul e pelo padre anglicano
que dirigiu a cerimónia, ouvi alguém dizer: "A luta continua!" Claro
que sim. Enquanto houver princípios, valores, o culto da liberdade, da
igualdade, da democracia da solidariedade e da paz. Como nos ensinou Mandela.
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