Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
À volta de Pedro
Passos Coelho há algumas figuras menos conhecidos mas com muita influência num
impressionável e pouco ilustrado primeiro-ministro. Os seus dois assessores
políticos mais próximos foram, até à última remodelação, Miguel Morgado e Bruno
Maçães. Dois jovens bloggers que passaram pelo Instituto de Estudos Políticos
da Universidade Católica (onde dividiram, em 2001, nos seus mestrados, o
orientador João Carlos Espada, olheiro da jovem fauna liberal) e foram
promovidos pela fundação do Pingo Doce, que se dedica ao mecenato ideológico
desta direita. Sem qualquer experiência política relevante, Morgado e Maçães
são conhecidos pelo seu particular fanatismo ideológico. E terão sido muitas
vezes determinantes para a linha discursiva de Passos Coelho.
Bruno Maçães, muito
menos sofisticado do que Miguel Morgado, escreveu no Expresso
Online, no Diário Económico e num blogue de direita. Justiça lhe seja
feita: nunca escondeu a sua alma radical. Fã de Sara Palin - que "representa
o melhor da democracia americana" -, recebeu a troika e a austeridade
de braços abertos. Escreveu assim, poucas semanas depois da assinatura do
memorando de entendimento: "Devemos
ao FMI os primeiros tremores num regime que, em rigor, se revelou ainda mais
estático e avesso à mudança que o regime anterior a 1974. Neste aspecto, temos
vindo a refinar o imobilismo. Esperemos que a intervenção externa, numa ou
noutra forma, seja para durar, que não termine sem a profunda democratização do
regime por que esperamos e da qual começávamos a desesperar. 'Grandes são essas
esperanças de Portugal, etc, etc'". Não deixa de ser assustador pensar
que alguém que espera que uma intervenção externa no seu país "seja para
durar" venha a ser um dos principais assessores políticos do
primeiro-ministro desse mesmo país? Dá para perceber algumas tiradas de Passos,
que tomamos por "infelicidades".
Mas o rapaz tem
pérolas melhores. Em Outubro de 2007, no Diário Económico: "Estudos com alguma qualidade mostram que a correlação
entre o coeficiente médio de inteligência num país e o seu produto per capita
ou crescimento económico nas últimas décadas é extraordinariamente elevada.
Hong Kong ilustra bem a relação estreita entre inteligência e crescimento.
Portugal não é excepção." Como não falta sentido de missão ao jovem
assessor, resolveu oferecer o seu "génio político" a um país tão carente de neurónios
e assim contribuir para erradicação do flagelo da estupidez nacional, atenuando
o incómodo que tantas vezes o assaltou: "há alturas em que me convenço que as pessoas à minha
volta não são particularmente brilhantes". E foi por altruísmo que
Bruno saiu da sombra e, para dividir com a plebe a sua genialidade ainda
repleta de acne juvenil, saltou, na última remodelação, para secretário de
Estado dos Assuntos Europeus.
Foi nesta qualidade
que Maçães participou numa mesa redonda sobre "governância económica e
crise europeia", em Atenas. Ao responder a alguns jornalistas gregos,
causou estupefação com o total alinhamento das suas posições com as da
Alemanha, coisa sem paralelo nos governos de qualquer país intervencionado ou
que apenas esteja a experimentar a crise do euro de forma mais aguda. Ao ponto
dos jornais gregos o terem apelidado de "alemão".
Como já tinha dito
em Portugal, Maçães reafirmou que não vê grandes vantagens em alianças entre
Portugal e a Grécia, Espanha, Itália ou até França. "Ficámos verdadeiramente desiludidos, porque tínhamos a
expectativa de encontrar um amigo da periferia europeia que se revelou um
rigoroso académico sem qualquer solidariedade com um país com problemas
semelhantes ao seu", disse ao jornal "i" um dos jornalistas
que confrontou Maçães com o resultado do encontro entre François Hollande e
Enrico Letta. Encontro onde os dois líderes trabalharam na coordenação de
esforços para um contraponto à posição alemã e para defender a criação de mais
instrumentos europeus contra a crise. O diário "Tea Nea" escreveu, em
editorial, que o secretário de Estado português era "mais troikano que os
troikanos", por chegar ao ponto de rejeitar mais tempo para os países
intervencionados executarem as reformas exigidas pelos credores internacionais.
Já o diário "E Kathimerini" descreveu-o como "mais alemão do que
os alemães", pelo seu fanatismo em torno da "disciplina fiscal".
Não é a primeira
vez que governantes portugueses causam, noutros países intervencionados,
espanto pelo seu obediente e desconcertante alinhamento com as posições alemãs.
Já na Irlanda um jornalista tinha, na televisão, chamado "ministro da
troika" a Vítor Gaspar. Não se trata aqui de qualquer má vontade para com
os alemães. A Alemanha tem os seus interesses próprios. Apesar de achar que tem
faltado a Merkel a visão para perceber que o rumo que está a seguir irá
destruir o projeto europeu, posso compreender que defenda os interesses
específicos do seu país. Afinal de contas, esta crise tem permitido que a
Alemanha se financie a custo zero e o euro, tal como existe, significou um
impulso extraordinário para a sua economia. Teve o efeito exatamente oposto nas
economias periféricas, como se vê pelos défices e excedentes comerciais
acumulados dum lado e do outro na última década. O que espanta gregos e
irlandeses, mas também italianos, franceses e espanhóis, é a postura do governo
português, em permanente defesa de posições que são contrárias aos seus
próprios interesses.
Não sei se o
governo procura estar do lado dos vencedores, mesmo quando eles seguem um
caminho que só pode prejudicar as economias mais pequenas, para tentar receber
umas migalhas como agradecimento. Isso explicaria a ausência de Passos Coelho
na conferência que, em Setembro de 2012, juntou em Roma Antonis Samaras, Enda
Kenny, Mariano Rajoy e Mario Monti. Portugal espera a proteção alemã na hora de
todas as decisões e não gosta de ser confundido com quem possa dar um sinal,
tímido que seja, de insubordinação. Curiosamente, como se tem visto por várias
vezes, incluindo na recente aprovação de apoios comunitários para medidas
contra o desemprego (que não nos incluiu) ou em todos os processos negociais
relativos ao memorando de entendimento, tal estratégia não tem tido grandes
resultados. Quem espera esmolas e não procura aliados não tem grande poder
negocial.
A outra
possibilidade é que esta posição seja convicta. Que o fanatismo ideológico pese
mais do que a ponderação dos interesses nacionais. Como todos os extremistas,
seguem a cartilha e consideram que qualquer ponderação política que os desvie
da sua pureza ideológica é um sinal de fraqueza. A completa ausência de
experiência política dos jovens ideólogos mais próximos de Passos - que estes
puros verão como vantagem sua - ajuda à infantilidade e à insensatez.
Infantilidade visível na reação do secretário de Estado a estas notícias,
colocando no twitter uma provocação, em inglês, à imprensa grega: "The Greek left
calls me "German". Oh no!" (um dos jornais que o criticou
está próximo do PASOK, que faz parte da coligação governamental).
É natural que, por
essa Europa fora, esta imberbe pandilha cause admiração e espanto. Como se pôs
um país que está a viver uma das piores crises da sua longa história nas mãos
destes aprendizes? Esse é o mistério que nem os portugueses conseguem explicar
muito bem aos que, como nós, por essa Europa fora, vivem tempos difíceis.
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