terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Portugal: OS IMBERBES FANÁTICOS DE PASSOS COELHO

 

Daniel Oliveira – Expresso, opinião
 
À volta de Pedro Passos Coelho há algumas figuras menos conhecidos mas com muita influência num impressionável e pouco ilustrado primeiro-ministro. Os seus dois assessores políticos mais próximos foram, até à última remodelação, Miguel Morgado e Bruno Maçães. Dois jovens bloggers que passaram pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica (onde dividiram, em 2001, nos seus mestrados, o orientador João Carlos Espada, olheiro da jovem fauna liberal) e foram promovidos pela fundação do Pingo Doce, que se dedica ao mecenato ideológico desta direita. Sem qualquer experiência política relevante, Morgado e Maçães são conhecidos pelo seu particular fanatismo ideológico. E terão sido muitas vezes determinantes para a linha discursiva de Passos Coelho.
 
Bruno Maçães, muito menos sofisticado do que Miguel Morgado, escreveu no Expresso Online, no Diário Económico e num blogue de direita. Justiça lhe seja feita: nunca escondeu a sua alma radical. Fã de Sara Palin - que "representa o melhor da democracia americana" -, recebeu a troika e a austeridade de braços abertos. Escreveu assim, poucas semanas depois da assinatura do memorando de entendimento: "Devemos ao FMI os primeiros tremores num regime que, em rigor, se revelou ainda mais estático e avesso à mudança que o regime anterior a 1974. Neste aspecto, temos vindo a refinar o imobilismo. Esperemos que a intervenção externa, numa ou noutra forma, seja para durar, que não termine sem a profunda democratização do regime por que esperamos e da qual começávamos a desesperar. 'Grandes são essas esperanças de Portugal, etc, etc'". Não deixa de ser assustador pensar que alguém que espera que uma intervenção externa no seu país "seja para durar" venha a ser um dos principais assessores políticos do primeiro-ministro desse mesmo país? Dá para perceber algumas tiradas de Passos, que tomamos por "infelicidades".
 
Mas o rapaz tem pérolas melhores. Em Outubro de 2007, no Diário Económico: "Estudos com alguma qualidade mostram que a correlação entre o coeficiente médio de inteligência num país e o seu produto per capita ou crescimento económico nas últimas décadas é extraordinariamente elevada. Hong Kong ilustra bem a relação estreita entre inteligência e crescimento. Portugal não é excepção." Como não falta sentido de missão ao jovem assessor, resolveu oferecer o seu "génio político" a um país tão carente de neurónios e assim contribuir para erradicação do flagelo da estupidez nacional, atenuando o incómodo que tantas vezes o assaltou: "há alturas em que me convenço que as pessoas à minha volta não são particularmente brilhantes". E foi por altruísmo que Bruno saiu da sombra e, para dividir com a plebe a sua genialidade ainda repleta de acne juvenil, saltou, na última remodelação, para secretário de Estado dos Assuntos Europeus.
 
Foi nesta qualidade que Maçães participou numa mesa redonda sobre "governância económica e crise europeia", em Atenas. Ao responder a alguns jornalistas gregos, causou estupefação com o total alinhamento das suas posições com as da Alemanha, coisa sem paralelo nos governos de qualquer país intervencionado ou que apenas esteja a experimentar a crise do euro de forma mais aguda. Ao ponto dos jornais gregos o terem apelidado de "alemão".
 
Como já tinha dito em Portugal, Maçães reafirmou que não vê grandes vantagens em alianças entre Portugal e a Grécia, Espanha, Itália ou até França. "Ficámos verdadeiramente desiludidos, porque tínhamos a expectativa de encontrar um amigo da periferia europeia que se revelou um rigoroso académico sem qualquer solidariedade com um país com problemas semelhantes ao seu", disse ao jornal "i" um dos jornalistas que confrontou Maçães com o resultado do encontro entre François Hollande e Enrico Letta. Encontro onde os dois líderes trabalharam na coordenação de esforços para um contraponto à posição alemã e para defender a criação de mais instrumentos europeus contra a crise. O diário "Tea Nea" escreveu, em editorial, que o secretário de Estado português era "mais troikano que os troikanos", por chegar ao ponto de rejeitar mais tempo para os países intervencionados executarem as reformas exigidas pelos credores internacionais. Já o diário "E Kathimerini" descreveu-o como "mais alemão do que os alemães", pelo seu fanatismo em torno da "disciplina fiscal".
 
Não é a primeira vez que governantes portugueses causam, noutros países intervencionados, espanto pelo seu obediente e desconcertante alinhamento com as posições alemãs. Já na Irlanda um jornalista tinha, na televisão, chamado "ministro da troika" a Vítor Gaspar. Não se trata aqui de qualquer má vontade para com os alemães. A Alemanha tem os seus interesses próprios. Apesar de achar que tem faltado a Merkel a visão para perceber que o rumo que está a seguir irá destruir o projeto europeu, posso compreender que defenda os interesses específicos do seu país. Afinal de contas, esta crise tem permitido que a Alemanha se financie a custo zero e o euro, tal como existe, significou um impulso extraordinário para a sua economia. Teve o efeito exatamente oposto nas economias periféricas, como se vê pelos défices e excedentes comerciais acumulados dum lado e do outro na última década. O que espanta gregos e irlandeses, mas também italianos, franceses e espanhóis, é a postura do governo português, em permanente defesa de posições que são contrárias aos seus próprios interesses.
 
Não sei se o governo procura estar do lado dos vencedores, mesmo quando eles seguem um caminho que só pode prejudicar as economias mais pequenas, para tentar receber umas migalhas como agradecimento. Isso explicaria a ausência de Passos Coelho na conferência que, em Setembro de 2012, juntou em Roma Antonis Samaras, Enda Kenny, Mariano Rajoy e Mario Monti. Portugal espera a proteção alemã na hora de todas as decisões e não gosta de ser confundido com quem possa dar um sinal, tímido que seja, de insubordinação. Curiosamente, como se tem visto por várias vezes, incluindo na recente aprovação de apoios comunitários para medidas contra o desemprego (que não nos incluiu) ou em todos os processos negociais relativos ao memorando de entendimento, tal estratégia não tem tido grandes resultados. Quem espera esmolas e não procura aliados não tem grande poder negocial.
 
A outra possibilidade é que esta posição seja convicta. Que o fanatismo ideológico pese mais do que a ponderação dos interesses nacionais. Como todos os extremistas, seguem a cartilha e consideram que qualquer ponderação política que os desvie da sua pureza ideológica é um sinal de fraqueza. A completa ausência de experiência política dos jovens ideólogos mais próximos de Passos - que estes puros verão como vantagem sua - ajuda à infantilidade e à insensatez. Infantilidade visível na reação do secretário de Estado a estas notícias, colocando no twitter uma provocação, em inglês, à imprensa grega: "The Greek left calls me "German". Oh no!" (um dos jornais que o criticou está próximo do PASOK, que faz parte da coligação governamental).
 
É natural que, por essa Europa fora, esta imberbe pandilha cause admiração e espanto. Como se pôs um país que está a viver uma das piores crises da sua longa história nas mãos destes aprendizes? Esse é o mistério que nem os portugueses conseguem explicar muito bem aos que, como nós, por essa Europa fora, vivem tempos difíceis.
 
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