Grupo de
investigação da Universidade de Coimbra coordenado por Carvalho da Silva revela
impacto do novo Código do Trabalho.
Micael Pereira -
Expresso
No seu primeiro
relatório anual, com quase 300 páginas e que é apresentado esta quarta-feira, o
Observatório sobre Crises e Alternativas fez uma análise quantitativa inédita
que chegou a um número: os trabalhadores passaram a transferir todo os anos para
as empresas 2,1 a 2,5 mil milhões de euros do rendimento que tinham.
A equipa de
investigadores do observatório, que faz parte do Centro de Estudos Sociais
(CES) da Universidade de Coimbra, tem estado a estudar a crise desde a
primavera do ano passado com o objectivo de apresentar soluções alternativas.
Foi nesse contexto que calculou a perda de rendimentos dos trabalhadores e a
poupança conseguida pelas empresas com as alterações introduzidas em 2012, com
o novo Código do Trabalho.
"O conjunto
das alterações, cujo impacto foi estimado, parece ter uma dimensão
inesperadamente semelhante ou superior ao efeito pretendido com a alteração da
TSU (Taxa Social Única), que visava reduzir os custos salariais das
empresas", lê-se no relatório.
"Na altura, a
redução de 23,75 para 18% dos encargos patronais, por contrapartida da subida
dos encargos dos trabalhadores de 11 para 18%, pretendia obter um acréscimo de
rendimentos das empresas de 2300 milhões de euros. Ou seja, um valor da mesma
ordem de grandeza do impacto das alterações introduzidas com as alterações ao
Código do Trabalho em 2012."
No capítulo
dedicado às reformas laborais e à desvalorização do trabalho, o terceiro do
relatório, o grupo de investigadores coordenado por Manuel Carvalho da Silva,
antigo secretário-geral da CGTP, admite que a estimativa até foi
"calculada por defeito", uma vez que não tem em consideração "o
impacto da criação de bancos de horas nas empresas na redução do trabalho
suplementar remunerado, bem como de um conjunto diverso de requisitos legais
associados aos custos de pessoal".
Menos 20,8% de
descanso
De acordo com as
contas dos investigadores, um dos aspectos com maior impacto nessa
transferência de rendimentos do trabalho para o capital tem a ver com "o
corte no tempo de lazer do trabalhador e na sua transformação em tempo de
trabalho". A eliminação de quatro feriados, três dias de férias e do
descanso compensatório pelo trabalho suplementar "provocaram em termos
médios um corte de 20,8% do tempo de descanso dos trabalhadores, sem qualquer
compensação adicional".
O relatório conclui
que ao fim de um ano os trabalhadores passaram a dar às empresas mais 7,9 dias
úteis de trabalho sem qualquer tipo de compensação.
José Reis,
professor catedrático de Economia, escreve na nota introdutória do documento
que o estudo da Universidade de Coimbra assume "a austeridade como uma
forma de economia política, que conheceu alternativas nas fases iniciais de
gestão da crise, mas que a seguir passou a ser sistematicamente formulada tendo
em vista agir sobre o modelo social e político, revolucionando-o
estruturalmente através do modo como considera o trabalho e o Estado".
Para os investigadores, a austeridade não é nem uma "necessidade técnica e
transitória" nem uma "condição funcional para uma fase
seguinte".
Com o título
"A Anatomia da crise: Identificar os problemas para construir as
alternativas", o relatório é apresentado esta quarta-feira à tarde durante
uma sessão na Fundação Calouste Gulbenkian. Além dos investigadores e de uma
palestra de Boaventura Sousa Santos, diretor do Centro de Estudos Sociais da
Universidade de Coimbra, a sessão inclui uma mesa redonda com Isabel Guerra,
João Ferreira do Amaral, Vieira da Silva e Silva Peneda.
Criado em abril de
2012, o Observatório sobre Crises e Alternativas tem cerca de 20 investigadores
envolvidos e parte do seu financiamento depende de um grupo de doadores, que
inclui empresas e fundações. Carvalho da Silva, o seu coordenador, é
responsável pelo polo do CES em Lisboa desde 2011. Doutorou-se em 2007 e desde
2009 que é investigador da Universidade de Coimbra. Em 2012 deixou de ser
secretário-geral da CGTP, cargo que ocupava desde 1986.
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