sábado, 25 de janeiro de 2014

O PRIMOGÉNITO, O BASTARDO E O ENTEADO

 

Rui Peralta, Luanda
 
I - Que diversos grupos e associações pró-Israel gozam da oportunidade de utilizar fundos ilimitados para executarem os seus lobbys e as suas influencias nos corredores do Congresso, do Senado e da Casa Branca para influenciar a politica dos USA na região da Ásia Ocidental (conforme, aliás, referiu o ex-ministro britânico das Relações Exteriores e deputado trabalhista, Jack Straw) é algo que é conhecido da opinião publica mundial, mas quando se chega ao ponto de um dos testa-de-ferro dos sionistas no Partido Republicano, Sheldon Adelson, financiador do Great Old Party e angariador de fundos para as campanhas republicanas, afirmar que “os USA devem deixar cair uma bomba nuclear sobre o Irão para impulsionar o país e interromper o seu programa nuclear” (estas palavras foram ditas durante um discurso na Universidade Yeshiva, New York, em finais de outubro de 2013) já estamos no domínio da esquizofrenia e do delírio absoluto.    
 
A política de diálogo encetada pelo Irão após a eleição do actual presidente Rohani foi bem recebida por quase todo o mundo, sendo Israel a única excepção. O recente acordo em torno da questão nuclear iraniana não agradou aos sionistas, que intensificaram a guerra de propaganda anti-iraniana na indústria mediática e nos corredores do poder nos USA. O que os sionistas pretendiam era que os USA e a OTAN atacassem o Irão, destruindo a sua economia e que na resposta, o Irão atacasse as bases militares norte-americanas na região e afectasse as instalações petrolíferas no Golfo, o que representaria uma crise mundial. 
 
Se examinarmos o contexto da supremacia militar israelita no Medio-Oriente concluiremos que desde a sua proclamação como Estado, Israel bombardeou, invadiu e ocupou mais países na região, que o poder colonial britânico ou francês. A lista das vítimas de Israel inclui a Palestina, a Síria, o Líbano, o Iraque, a Jordânia, na região, o Iémen, o Sudão, a Etiópia, o Uganda e o Egipto, em África, mais uma boa dezena de países da Europa, da América e da Ásia se considerarmos as operações clandestinas da MOSSAD.
 
A supremacia militar sionista corresponde á imunidade quase total que é garantida pelo chapéu-de-chuva norte-americano e baseia-se nas transferências de tecnologia nuclear, química e biológica com os USA, para além das novas tecnologias aplicadas á guerra e á espionagem e ao desenvolvimento da indústria da segurança (liderada por Israel, principalmente nos equipamentos eletrónicos de vigilância e deteccção). A transferência de tecnologia entre os USA e Israel ronda os 100 mil milhões de dólares durante os últimos cinquenta anos. Este pilar da supremacia militar israelita converteu alguns países da região (Egipto e Jordânia) em clientes do consórcio Israel/USA e em seus aliados de facto, conjuntamente com as monarquias do Golfo. 
 
Mas o factor mais decisivo na consolidação do poder bélico sionista foi a utilização dos seus agentes no interior dos USA. Esta influência não se limita a ser meramente política, ou um lobby de influência económica e diplomática. Tem muito maior extensão e está por detrás do comportamento dos USA após o 11 de Setembro de 2001. As guerras movidas ao Iraque, á Líbia e á Síria tiveram como objectivo a destruição de três grandes oponentes históricos às políticas hegemónicas sionistas.
 
A acumulação do poder militar israelita na região permite-lhe estender a colonização dos territórios palestinianos para Este. Mas para concretizar esta política colonial, a elite sionista necessita de remover um último obstáculo. Agora que a crise foi implementada na Síria, deixando este país incapaz de exercer qualquer influência na região (a não ser pelo desenrolar da sua própria crise interna e pela forma como o processo sírio afecta toda a área limítrofe). Aliás é bom não esquecer que a agressão á Síria foi desencadeada com o objectivo de atingir o almejado obstáculo às pretensões colonialistas sionistas: o Irão
 
II - A campanha de Israel contra o Irão iniciou-se logo nos primeiros momentos da Revolução Iraniana. Campanhas mediáticas de desestabilização, assassinatos, guerra informática, ataques a laboratórios iranianos e estrangulamento económico, foram armas do vasto arsenal sionista, utilizadas neste processo longo, de duas décadas, contra o Irão.      
 
O mapa sionista de cerco ao Irão foi meticulosamente desenhado e cada passo, fase e etapa, cuidadosamente analisados. Em 2003 a guerra contra o Iraque iniciou a primeira fase da operação de cerco e aniquilamento da nação iraniana. A segunda fase foi precedida de uma campanha terrorista de desestabilização no Líbano (em 2006), com o objectivo de destruir o Hezbollah. Veio depois a agressão á Síria, como forma de isolar o Irão, com o fim de prepara-se a “ofensiva final” contra este país.
 
A campanha de 2006 contra o Hezbollah no Líbano foi um fracasso, que para ser colmatado terminou com a destruição de grande parte de Gaza, em 2008 e 2009, transformando-a na maior prisão ao ar livre do mundo. Mas este procedimento de Israel revelou, em simultâneo, um erro de leitura (o mesmo fora anteriormente cometido pela CIA no seu trabalho com os grupos islâmicos): ao atacar Gaza e o Hamas, perante o falhanço da ofensiva contra o Hezbollah, Israel perdeu uma oportunidade de explorar as divisões ideológicas profundas entre os dois movimentos, desperdiçando as células sunitas, que seriam aliadas fundamentais no combate ao Hezbollah (aliás essa leitura parece ter sido rectificada, se atendermos á campanha terrorista que decorre actualmente no Líbano, nas praças fortes do Hezbollah).
 
Evidente que Israel não tem capacidade militar para levar a cabo uma guerra contra o Irão. A aposta das elites sionistas reside no trabalho de bastidores em Washington, manipulando e influenciando sectores das facções democratas e republicanas instalados no Congresso, Senado e Casa Branca e financiando uma campanha mediática que coloque a opinião pública internacional de acordo com uma eventual operação militar contra o Irão. Nesta vertente a estratégia israelita foi desenhada em função de uma confrontação militar que envolvesse os USA e a OTAN.           Na administração Bush (2001 a 2008) os principais agentes sionistas no seio da administração norte-americana foram: no Pentágono, Paul Wolfowitz e Douglas Feith (ideólogos da “luta contra o terrorismo”, sendo Wolfowitz, um ex-trotskista, um dos ideólogos do neo-conservadorismo norte-americano e ideólogo do Partido Republicano); nos Assuntos de Segurança para o Medio Oriente, Martin Indyk e Dennis Ross); no gabinete do vice-presidente, Scooter Libby; no Tesouro, Levey e no Departamento de Segurança Nacional, Michael Chertoff.
 
Na administração Obama algumas figuras das cartas foram alteradas, sendo actualmente: Dennis Ross (que mantem-se nos Assunto de Segurança para o Medio Oriente), acompanhado por Rahm Emanuel e David Cohen; no Tesouro Jake Lew e no Comércio, Penny Pritzke (Secretário do Comércio) e Michael Froman (representante dos assuntos comerciais externos). A estes há que juntar congressistas e senadores.    
 
Só assim se compreende que a Secretaria de Estado do Tesouro dos USA tenha imposto sanções contra o comércio lucrativo no Irão, Iraque e Síria, privando os agricultores e exportadores norte-americanos de mais de 500 mil milhões de USD de facturação (devendo aqui ser incluídos os sectores industriais ligeiros, os sectores das novas tecnologias e comunicação e as próprias companhias petrolíferas). Os lobbys israelitas nos USA impediram que o Departamento de Estado tenha efectuado relações estratégicas, comerciais e politicas, com mais de um milhão e meio de islâmicos, muitas vezes sacrificados em apoio á colonização de Jerusalém e da Cisjordânia e do isolamento da Faixa de Gaza. 
 
Estes dados obrigam a uma pergunta: Porque suporta a elite norte-americana esta relação unilateral com Israel, sendo Israel um pais que ultrapassa em muito o âmbito de país aliado ou de estado-cliente e ultrapassando as relações de subserviência própria de um estado-satélite?
 
III - O governo iraniano, pelas vozes do seu presidente e do ministro das Relações Exteriores, está disposto a negociar o fim das hostilidades com os USA e fez grandes concessões, estabelecendo garantias para o uso pacífico da energia nuclear, declarando-se abertos á redução da produção de uranio enriquecido e a inspecções. Lady Ashton, a secretária das Relações Exteriores da União Europeia mostrou-se favorável á proposta iraniana, enquanto dos USA chegavam sinais contraditórios.
 
Enquanto algumas vozes da administração norte-americana apoiavam, mais ou menos moderadamente o acordo, Jack Lew, o secretário do Tesouro defendia que as sanções deveriam permanecer até o Irão ter cumprido as exigências dos USA. Por sua vez o Congresso rechaçava as propostas do Irão, insistindo nas “opções militares”, que implicavam o total desmantelamento do programa nuclear iraniano e aprovou um novo pacote de sanções contra o Irão.
 
Esta posição do Congresso era transversal aos congressistas democratas e republicanos e é consequência do PAC (Comité de Acção Politica), um comité pró-sionista, autorizado pelo Supremo Tribunal em 2010, a apoiar candidatos pró-israelitas e a financiar as suas campanhas eleitorais. Dos 435 membros da Camara dos Representantes dos USA, 219 foram apoiados pelo PAC. Os números são muito mais drásticos no Senado: dos 100 senadores que o compõem, 94 viram as suas campanhas financiadas pelo PAC.
 
O senador Mark Kirk (conhecido pela seu slogan: “Bombas sobre Teerão!”) encabeça a lista de financiamentos do PAC, com 925 mil USD recebidos, seguido de John McCain (que defende “Bombas sobre Damasco!”), com cerca de 770mil USD. Outros senadores, que a coberto pela legislação que regula os lobbys, tem recebido avultadas quantias do PAC são: Mitch McConnel, Carl Levin, Robert Menéndez e Richard Durban.
 
Na Casa dos Representantes a congressista da Flórida, Ileana Ros-Lehtinen – republicana conhecida pelas suas posições de “falcão”, belicistas, que fazem Netanyahu parecer uma “pomba” - lidera a lista dos “amigos de Israel”. Acompanham-na Eris Cantor (republicano), Whip Steny Hoyer (democrata) e John Boehner, líder dos republicanos no congresso.  
 
Segundo Grant Smith, que conduziu uma investigação às actividades da PAC e da Anti-Defamation League (ADL), o Departamento de Justiça nega-se, desde 1963, a fazer cumprir as leis federais que recaiam sobre cidadãos norte-americanos que estejam a trabalhar no próprio pais para um país estrangeiro, registados como representantes estrangeiros. Por sua vez a ADL pressionou e pressiona o Departamento de Justiça, o FBI e a NSA para investigar cidadãos norte-americanos críticos da colonização sionista e da situação vivida nos territórios ocupados.
 
O norte-americano Steve Lendman investigou a indústria mediática e as suas ligações com Israel. Importantes personalidades da comunicação social norte-americana (jornalistas, redactores, repórteres, etc.), geralmente considerados “profissionais imparciais” têm fortes laços a Israel, sejam familiares, financeiros, políticos ou outros, acabando por realizar intensas campanhas de propaganda e de imagem a favor do colonial-sionismo.
 
Através da investigação de Lendman ficamos a saber que, por exemplo, a conceituada repórter do Times, Isabel Kershner (cujas reportagens parecem ser produções do Gabinete das Relações Exteriores de Israel), é casada com Hirsh Goodman, assessor para assuntos de segurança, do gabinete de Netanyahu. O chefe do escritório da Times em Jerusalém, Jodi Rudoren, vive numa casa de uma família palestiniana desalojada, nessa cidade histórica. Talvez fique assim parcialmente explicado a postura da Times a favor de Israel. Nas exemplos destes podem ser encontrados no New York Times e no Washington Post, o que explica a preocupação demonstrada por estes dois jornais perante o acordo com o Irão.
 
Quando o ex-chefe da Inteligência militar israelita, Amos Yadlin, refere que o seu país tem de escolher entre “a bomba e o bombardeamento”, acrescentando que “os nossos amigos nos USA têm um papel decisivo nessa decisão” ou o ministro da Defesa, Moshe Yaalon, assume publicamente que “Israel não aceitará que o Irão enriqueça mais uranio”, e apela á “opinião pública norte-americana e aos seus legisladores”, que “tragam a Casa Branca á razão” definem a posição que querem ver assumida pela indústria mediática e pelos congressistas, senadores e outros políticos financiados pela PAC.
 
Mas existem também outras preocupações para Israel. Para contrabalançar a operação de estrangulamento da sua economia, o Irão ofereceu generosos contratos às petrolíferas ocidentais, removeu anteriores disposições legais sobre investimento estrangeiro e permitiu que as companhias ocidentais passem a ter participação nos projectos iranianos, ao mesmo tempo que lhes abriu a exploração nas áreas de reserva petrolífera e de gás natural. Desta forma os iranianos esperam atrair cerca de 100 mil milhões de USD em investimento estrangeiro nos próximos três anos.
 
O Irão conta com a maior reserva de gás do mundo e com a quarta maior reserva de petróleo, mas devido às sanções impostas pelos USA a produção caiu de 3mil e 500 milhões de barris por dia (2011), para 2 mil e 500 milhões (2013). Com a abertura aos capitais externos o Irão tenta repor os seus níveis anteriores de produção e reposicionar-se na economia-mundo. É evidente que estas medidas, por si só, não serão suficientes para uma alteração estratégica dos USA, mas é preciso entender que a actual situação económica e financeira dos USA obriga a administração Obama a negociar.
 
Os sionistas têm o seu mapa desenhado e para a elite sionistas um Irão economicamente estável a prosseguir uma adequada política de desenvolvimento afasta-se dos seus objectivos e não se encontra nos seus planos para a região. Além do mais um Irão democrático e independente representará um duro golpe para a imagem sionista de Israel, que ambiciona ser (em exclusivo) a única grande “potência democrática” do Médio Oriente. Senão como ficaria o “Povo Eleito” e os seus aliados antissemitas da indústria petrolífera norte-americana, aqueles que estabelecem a ponte entre a “democracia do Povo Eleito” a “democracia do Tio Sam” e as “monarquias do Golfo”?
 
E como ficarão os importantes investimentos (realizados a partir da transferências de capitais do sector petrolífero) nas “tecnologias da segurança”?
 
Decididamente, para os sionistas, os seus agentes nos USA e os seus aliados do Golfo, um Irão reposicionado na economia-mundo não serve para nada…a não ser para “estragar o negócio!”    
 
IV - Contrariamente a Israel, o Paquistão (que é um aliado de peso na região) não tem grande influência nos corredores da administração norte-americana. E pode-se, até, considerar que as relações entre ambos os Estados encontram-se numa fase de degradação, se atendermos á forma como os USA se livraram de Bin Laden, no território paquistanês, sem consultar (pelo menos oficialmente) as autoridades paquistanesas. Este resfriar de relações entre dois estados que outrora praticaram de forma exímia os papéis de amo e lacaio é pressentido num comunicado do Ministério da Defesa do Paquistão, onde se refere mais de 300 ataques dos USA em território paquistanês, efectuados por drones (os aviões não tripulados), desde 2008. Segundo o mesmo comunicado estes ataques eliminaram cerca de 2 mil combatentes islâmicos e perto de 70 civis.   
 
Apesar das palavras ressentidas deste lacónico comunicado, os habitantes das áreas mais afectadas pelas operações norte-americanas (nas regiões fronteiriças com o Afeganistão, a norte) consideram que o Ministério da Defesa Paquistanês está muito longe da realidade e acusam os seus governantes de estarem a escamotear os factos, exigindo que os meios de comunicação passem as imagens e divulguem os nomes das vítimas. Os residentes das Administrações Federais das Áreas Tribais (FATA), fronteiriças com o Afeganistão (a área mais afectada pelos bombardeamentos norte-americanos), iniciaram um movimento de protesto divulgando os nomes das baixas civis, vitimadas pelos drones.
 
Embora alguns dos líderes dos combatentes islâmicos talibãs e da Al-Qaeda tenham sido eliminados pelos drones (Nek Mohammad Wazir, Baitullah Meshud e Hakeemullah Meshud), os ataques não tês surtido efeito noas movimentações dos Talibã e da Al-Qaeda na região. Depois de 2001 muitos combatentes Talibã estabeleceram bases no território paquistanês, principalmente no Wazirstão, região que actualmente palco de ataques norte-americanos, utilizando os drones. O problema é que quem mais sofre com estes ataques são as populações, sendo rara a família que já não tenha perdido um ente querido, vitima das operações norte-americanas.
 
Um dos partidos políticos paquistaneses que aderiu a este movimento contra os bombardeamentos norte-americanos na região é o Pakistan Tehreek Insaf (PTI) liderado pelo jogador de cricket Imran Jan. Segundo o PTI mais de mil e quinhentos civis paquistaneses foram mortos pelos drones. O PTI governa a provincia de Jyber Pajtunjwa (de maioria tribal Patjun) e implementou uma acção de bloqueio às vias que servem de passagem para a rede logística das bases da NATO instaladas no Paquistão. O PTI acusa o governo central de aceitar os argumentos de Washington e exige que os governantes paquistaneses devem suspender as relações com os USA, até estes pararem os bombardeamentos.    
 
Esta questão agravou-se quando em finais de Novembro do ano passado, um ataque com um drone, no distrito de Hangu, na provincia de Jyber Patjunjwa provocou a morte a quatro estudantes de um seminário islâmico. A população acusa os norte-americanos de estarem a levar uma campanha de genocídio. Muitas comunidades são obrigadas a mudarem de local de residência e acusam o governo central de nada fazer em relação aos combatentes islâmicos, que percorrem livremente toda a região, perturbando as comunidades que aí residem e de não impedirem a actuação dos norte-americanos. As comunidades acusam também o Afeganistão, país de onde os drones deslocam, a partir da base aérea de Bagram.
 
São aliados pobres, os paquistaneses, que não conseguem exercer lobbys que agraciem senadores, congressistas e funcionários da Casa Branca, nem pagar almoços, jantares e arranjar bons casamentos com os jornalistas.
 
V - Um terceiro aliado dos USA é a Arábia Saudita. Este é um aliado rico, que tem os seus corredores específicos dentro da administração, embora não tão cuidado como Israel. Pode não influenciar jornalistas, mas é parceira de ex-presidentes em diversas sociedades comerciais e no sector petrolífero.
 
 A Arábia Saudita jogou um papel crucial na criação e sustentabilidade dos grupos terroristas sunitas, durante os últimos 30 anos. Os USA e a NATO podem desenvolver as suas concepções de “guerra ao terrorismo”, que os sauditas e as monarquias do Golfo continuam a assumir o seu papel de financiador aos grupos terroristas sem qualquer restrição.
 
Num documento da Comissão do 11 de Setembro, ficou estabelecido que Bin Laden não financiou a Al-Qaeda desde 1994 (parece que o homem deixou de ter dinheiro para essas aventuras) passando esse papel para os seus familiares da casa real saudita. Uma análise efectuada pela CIA, em Novembro de 2002, concluía que as monarquias do Golfo e em particular a Arábia Saudita financiavam todas as estruturas da Al-Qaeda. 
 
Os USA podem levar a “guerra contra o terrorismo” ao Afeganistão, ao Iraque, á Líbia, á Síria e a outros países, que os seus aliados sauditas continuam a financiar aqueles que os norte-americanos pretendem eliminar. Os drones dos USA podem bombardear em grande escala o Paquistão, o Afeganistão e as aldeias do Iémen, que os sauditas estão lá para financiar os aparentes inimigos dos seus amigos ocidentais. Este facto foi oficialmente reconhecido pela administração norte-americana, em 2009, quando Hillary Clinton enviou às embaixadas norte-americanas um telegrama sobre “finanças terroristas”, onde é referido o suporte financeiro saudita á Al-Qaeda e aos talibãs do Lashkar-e-Taliba, no Paquistão. 
 
Os sauditas não estão sós nestas operações de financiamento, sendo secundadas pelo Koweit (aquele pequeno país que os iraquianos ocuparam, durante o regime de Saddam e que os norte-americanos e a NATO fez questão de “libertar”. A máquina propagandista esforça-se por fazer crer que o Irão dos aiatola e o Iraque de Saddam financiavam os terroristas islâmicos, mas não conseguiram esconder o óbvio.
 
As evidências eram apenas a ponta visível do icebergue. Criada nos laboratórios da CIA, inicialmente para combater os soviéticos no Afeganistão, a Al-Qaeda assumiu, com o tempo, dois objectivos centrais: A desestabilização (realizando ataques terroristas indiscriminados, em diversas regiões do globo, para permitir as intervenções dos USA e da NATO, ou acções no Ocidente com o intuito de fazer aprovar comportamentos de controlo e de aumentar a capacidade de domínio das elites sobre as relações democráticas históricas instaladas nas sociedades capitalistas mais avançadas, de forma a restringir as liberdades civis e a evitar que a democracia ultrapasse o plano politico e se instale a nível económico e social) e o combate aos xiitas no mundo islâmico. Nesse sentido a Al-Qaeda comporta dois tipos de operacionalidade, uma representada por Bin Laden e pelas cúpulas da rede, que se preocupa essencialmente com o Ocidente e a outra representada pelas suas filiais no Iraque, no Paquistão e na Síria, localmente centradas no combate aos xiitas, para alem das acções de desestabilização.
 
São os xiitas que morrem, anualmente, aos milhares, se contabilizarmos as acções terroristas nos três países acima mencionados e no Líbano (cada vez mais arrastado para o turbilhão sírio). Mesmo no Egipto, onde os xiitas não são mais do que uma pequena comunidade histórica, minoritária, registam-se atentados contra as comunidades xiitas. No Paquistão os jornais já nem prestam a devida atenção às centenas de xiitas massacrados. No Iraque, em 2013, foram assassinados cerca de 5 mil xiitas nos atentados efectuados pelo braço local da Al-Qaeda, o ISIL (Califado do Iraque e Levante, que também inclui a Síria, fazendo-se representar neste país pela Frente al-Nusra), Na Líbia, predominantemente sunita, existem diversos casos de execução sumária de xiitas, principalmente na cidade de Derna. Na Síria as milícias da extrema-direita sunita procederam a centenas de execuções de xiitas, decapitando-os, conforme se pode observar nos vídeos filmados pelos “combatentes da liberdade”. Por detrás destas decapitações e execuções sumárias na Síria, estão os financiamentos do Qatar Em primeiro na lista) e da Arábia Saudita.
 
Neste momento os sauditas pretendem realizar uma operação de camuflagem, secundarizando a Al-Qaeda na Síria (ISIL e a al-Nusra) e unificá-las com os diversos bandos sunitas espalhados pelo país, criando um forte exército sunita de 40 a 50 mil elementos, para derrubar o governo sírio. Esta operação foi planificada pelo ministro saudita dos Assuntos Externos, o príncipe Saud al-Faisal, o chefe dos serviços sauditas de inteligência, o príncipe Bandar bin Sultan e pelo vice-ministro da Defesa, o príncipe Salman bin Sultan e implica um financiamento de milhares de milhões de USD.  
 
A iniciativa saudita é também (e aqui junta a sua voz á de Israel) uma resposta de desagrado para com o acordo entre os USA e o Irão. Mas os sauditas esquecem-se que o seu dinheiro tem um alcance limitado. A unidade artificial dos grupos sunitas de extrema-direita (e dos mercenários islâmicos que os financiamentos sauditas atraem) em torno do dinheiro saudita não vai durar. Os sauditas já cometeram este erro no Afeganistão, onde criaram grupos de combatentes islâmicos que careciam de um marco político unificador (eram criados com financiamento saudita e giravam em torno do dinheiro saudita, mas nunca chegaram a consensos políticos). Essas forças tomaram Cabul, mas foram incapazes de a governar, sendo, por isso, derrotadas pelos Talibã.  
 
No panorama sírio a unificação dos bandos sunitas e dos mercenários da Al-Qaeda não permitirá a entrada em Damasco. A Síria não é o Afeganistão. Na época em que os sauditas executaram o seu plano afegão, a URSS tinha abandonado a Revolução Afegã á sua sorte e o Partido Democrático do Povo Afegão mais parecia uma manta de retalhos, o que não é o caso do BAAS Sírio, que continua a ser uma maquina politica que funciona em função de Bashar e que continua com peso politico suficiente para se impor às elites burocráticas sírias, evitando a sua deriva para o campo oposicionista. 
 
Será, pois, dinheiro deitado ao vento…e com o vento regressará às areias do deserto. As monarquias do Golfo deslumbraram-se com as riquezas proporcionadas pelo Ocidente e deslumbram o Ocidente com as suas riquezas, transformadas em ilhas artificiais, aeroportos considerados exemplares e hotéis luxuosos. Dinheiro é, pois, coisa que não falta aos príncipes, emires e outros marialvas do Golfo. Deve ser para compensar a ausência de dignidade.
 
Fontes
Financial Times, October, 29, 2013
Financial Times, October, 18, 2013,
Daily Alert, October, 24, 2013
 

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