Daniel Oliveira – Expresso, opinião
O Estado criou, em
2009, os CEI (Contratos Emprego-Inserção) e os CEI+, herdeiros dos Programas
Ocupacionais (POC). O CEI é para os que recebem o subsídio de desemprego e o
CEI+ para os que recebem o Rendimento Social de Inserção. Mais de 75 mil
pessoas trabalham ao abrigo do CEI (63000 pessoas através de CEI e 13200
através de CEI+).
Estes desempregados
trabalham, no período de um ano, para o Estado e para IPSS, com horários e
deveres iguais aos restantes trabalhadores, em troca do subsídio a que já
tinham direito e para o qual descontaram. A esse subsídio acresce um
complemento de 20% do Indexante de Apoios Sociais, pago pela "entidade promotora"
(assim é chamado o empregador), o que corresponde a 83 euros por mês, mais
subsídio de transporte e alimentação. Sendo que a tal "bolsa mensal"
de 83 euros é, quando as instituições "promotoras" são privadas, paga
em 50% pelo Estado. No caso da CEI+ a responsabilidade financeira do Instituto
de Emprego e Formação Profissional é de 90% e o trabalho é pago pelo valor
total de 419 euros (correspondendo ao total do Indexante de Apoios Sociais). O
que significa que o Estado e IPSS (que são apenas responsáveis pelo pagamento
de 42 euros) contratam trabalhadores a tempo inteiro a receber abaixo do
Salário Mínimo Nacional.
É verdade que a
legislação não permite que estes contratos correspondam à ocupação de postos de
trabalho permanentes. Mas, sobretudo nos últimos anos, isso está muito longe de
ser cumprido. Na realidade, a regra é que estes contratos de inserção
correspondam a postos de trabalho normais. Através do CEI e do CEI+ têm sido
contratados muitos auxiliares de ação médica, administrativos do Serviço Nacional
de Saúde e auxiliares educativos. Este "trabalhador" tem todos os
deveres dos restantes e tem muito poucos dos seus direitos. No caso do CEI, sai
quase de borla ao Estado, já que grande parte do seu ordenado é pago pelo
subsídio para o qual ele próprio descontou.
Já nem debato aqui
a imoralidade deste tipo de contratos, que tratam o desempregado como alguém
que deve ser regenerado, em vez de ter políticas ativas de criação de emprego.
Já nem falo do truque estatístico, que retira estas pessoas dos números do
desemprego. Concentro-me apenas nesta perversidade: para manter o desempregado
em atividade, ele ocupa um postos de trabalho, sem o rendimento a que teria
direito como trabalhador, contribuindo assim para o seu próprio desemprego. Se
o posto de trabalho existe, se o candidato existe, está habilitado para o lugar
e, ainda por cima, está desempregado, porque raio não ocupa aquela função como
qualquer trabalhador? Porque, desta forma, podem-lhe pagar muito menos e não
lhe dar quaisquer direitos e estabilidade.
Através do CEI, o
Estado e as IPSS aproveitam-se do estado de necessidade do desempregado,
exploram a sua capacidade de trabalho, pagam-lhe abaixo do salário normal e
recorrem, para esse pagamento, ao dinheiro que ele próprio descontou ao longo
da sua carreira profissional. Quando o Estado dá este exemplo é difícil esperar
que seja ele a garantir que o direito laboral seja cumprido nas empresas.
Porque foi este
absurdo considerado normal pelos portugueses? Porque, durante muito tempo, o
discurso político associou o desemprego à preguiça. E a ideia de que se os
desempregados recebiam um subsídio então tinham de devolver alguma coisa à
comunidade para além dos descontos que fizeram e da dispobibilidade para
voltarem ao mercado de trabalho em condições decentes. Agora, que um sexto dos
portugueses em idade ativa e um terço dos jovens estão desempregados, talvez
seja mais fácil perceber a vergonhosa desumanidade que está por de trás desta
lógica. Acho muitíssimo bem que os desempregados trabalhem. Ou seja, que passem
a ser trabalhadores. Iguais aos outros. Não escravos do Estado e das IPSS.
Sobre a fraude
estatística que é o anúncio da criação líquida de 120 mil empregos em 2013,
escreverei no Expresso em papel.
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