Henrique Monteiro –
Expresso, opinião
Em Portugal poucos
se importaram. É verdade que João Soares escreveu a Xanana Gusmão uma carta em
que lhe pedia para que Timor se opusesse à entrada da Guiné Equatorial na
Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). Nessa carta, João Soares diz
verdades evidentes: "a entrada da Guiné-Equatorial, a mais longa ditadura
no poder no mundo e uma das mais corruptas e torcionárias, para além de ser
absurda em termos de ligação com a língua portuguesa, violaria um dos
princípios básicos essenciais da CPLP."
Evidentes, porque
na Guiné Equatorial se fala espanhol (é uma ex-colónia de Espanha) e,
sobretudo, porque o seu líder Obiang comanda um regime bárbaro, cruel,
impiedoso.
Mas os ministros da
CPLP, incluindo o nosso indispensável Machete, aprovaram a entrada. Machete
repara, até, que a Guiné Equatorial está a seguir as recomendações da CPLP.
Fico preocupado; se o país é como é quando segue as recomendações da CPLP,
espero que a CPLP nunca recomende nada aqui em Portugal nem na maior parte dos
países de língua portuguesa. A vergonha é tão grande que um opositor
democrático do Governo de Obiang, o médico exilado Samuel Mba Mombe, escreve a
Passos Coelho as seguintes linhas:
"Ainda que já
não nos surpreenda a hipocrisia dos Estados que se dizem democráticos, como é o
caso de Portugal, a aceitação da ditadura de Teodoro Obiang Nguema pela
comunidade de países lusófonos não faz mais do que confirmar a dupla moral
destes Estados. Quando quase meio mundo condena a sistemática e flagrante
violação dos direitos humanos na Guiné Equatorial, surpreende que Portugal
(...) seja hoje o defensor de uma cruel ditadura que sequestra, assassina,
prende, tortura e não atende aos chamamentos da comunidade internacional para
pôr fim às hostilidades contra o seu próprio povo (...)
No momento em que
escrevo esta carta, a pena de morte continua em vigor na República da Guiné
Equatorial (...)".
Recorde-se que a
pretensão da Guiné-Equatorial, um país onde até agora os idiomas oficiais eram
o espanhol e o francês, só era contrariada por Portugal e por Moçambique. Com a
rendição portuguesa (a troco de dinheiro para o Banif, segundo se afirma) o
regime de Teodoro Obiang alcança um significativo reconhecimento internacional,
quebrando o relativo isolamento em que estava.
Talvez haja
protestos em Portugal, mas salvo o Bloco de Esquerda e a Associação
Transparência e Integridade (de Paulo Morais), as restantes organizações
ficaram razoavelmente em silêncio. Honra ainda a alguns artistas e escritores,
como Mia Couto, Chico Buarque, Inocência Mata (São Tomé), Justino Pinto de
Andrade (Angola), Manecas Costa (Guiné-Bissau) e Eduardo Lourenço que, em
manifesto conjunto pediram aos respetivos governos que vetassem a vergonhosa
entrada.
Nada feito. Não há
vergonha! E quando não há vergonha nem dinheiro, a prostituição política vence.
É uma vergonha que é mesmo uma vergonha.
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