MARIA LOPES - Público
Deputado afirma que
o acordo está a “destruir a língua portuguesa” e só aumentou as diferenças
entre Portugal e o Brasil
O deputado
social-democrata Mendes Bota quer que o PSD assuma uma posição activa acerca do
acordo ortográfico, de preferência que apresente um projecto de resolução no
Parlamento propondo a suspensão da actual versão do Acordo Ortográfico de 1990
(AO90) que entrou em vigor em 2011.
Mendes Bota vem
pedindo desde o início de Janeiro ao líder da sua bancada parlamentar que tome
uma iniciativa para “colocar um travão ou, no mínimo, uma suspensão para
pensar” o processo de aplicação do acordo.
O assunto foi sendo
adiado e finalmente foi marcada uma reunião da bancada para esta quinta-feira,
em que deverá ser discutido. Mas poderá acabar por já ser tarde, uma vez que
está já agendada para o dia seguinte, sexta-feira, a discussão em plenário de
uma petição pela desvinculação de Portugal do acordo, assim como dois projectos
de resolução do CDS-PP e PSD para a criação de um grupo de trabalho sobre o
acordo, outro do Bloco que recomenda a sua revisão e ainda um terceiro do PCP
para a criação do Instituto Português da Língua, a renegociação das bases e
termos do acordo ou a desvinculação de Portugal.
Numa carta que
enviou a todos os deputados do PSD e a que o PÚBLICO teve acesso, o deputado
propõe que o grupo parlamentar apresente um projecto de resolução propondo a
revogação do acordo ortográfico e desencadeie um novo processo de revisão do
acordo ou então que proponha simplesmente a suspensão do acordo. Mendes Bota
diz mesmo preferir esta última. Também propõe a suspensão da utilização do
conversor Lince e do Vocabulário Ortográfico do Português, que o Governo
português decidiu adoptar como as ferramentas oficiais.
Se as três
propostas forem recusadas, o parlamentar social-democrata pede que, “no mínimo
dos mínimos”, seja dada liberdade de voto aos deputados do PSD na votação do
projecto de resolução para a criação de um grupo de trabalho que faça um ponto
de situação e proponha a revogação, a suspensão ou a revisão da resolução do
Conselho de Ministros que aprovou a aplicação do acordo ortográfico. Esta
proposta, da iniciativa dos deputados Ribeiro e Castro, Michael Seufert
(CDS-PP) e Mota Amaral (PSD), é discutida e votada na sexta-feira. “Trata-se,
apesar de tudo, de uma solução fraca, sem efeitos vinculativos nem suspensivos,
e que não ataca de imediato o problema. Mas é melhor que nada”, considera
Mendes Bota.
Mendes Bota
manifesta a sua total discordância do acordo ortográfico, que “está a destruir
a língua portuguesa”. “Assiste-se à desagregação do costume linguístico do
português europeu, substituído por uma completa desordem ortográfica em que
ninguém se entende”, aponta o parlamentar, que acrescenta que, ao contrário da
“unificação” anunciada, “aumentaram as diferenças ortográficas entre Portugal e
o Brasil”.
O PÚBLICO contactou
Mendes Bota, mas o deputado respondeu que só fala sobre o assunto dentro do
grupo parlamentar.
Mais palavras
diferentes
Na carta de seis
páginas aos deputados, Mendes Bota realça as razões de ordem jurídica e
constitucional, técnicas e políticas que justificam este arrepio do caminho
para o “caos ortográfico”. O segundo protocolo modificativo, que foi o que
originou a mais recente alteração no modo de escrever a língua portuguesa,
permitiu que a entrada em vigor pudesse ser feita com a homologação por apenas
uma minoria dos países (três em oito). A esta questão legal soma-se a
“inconstitucionalidade”, diz Mendes Bota, da antecipação do fim do prazo de
transição, pelo facto de não se tratar de uma lei parlamentar e por violar a
“liberdade de ensino, de expressão e de organização das escolas particulares e
cooperativas” – competência da Assembleia da República.
Entre as questões
técnicas, o parlamentar social-democrata argumenta com o aumento das diferenças
linguísticas. E apresenta alguns números: “Antes do acordo ortográfico de 1990
havia 2691 palavras diferentes que se mantêm diferentes; 569 palavras
diferentes que se tornam iguais; 1235 palavras iguais que se tornam
diferentes.”
Mendes Bota também
critica os instrumentos de aplicação do acordo. “O VOP – Vocabulário
Ortográfico do Português, produzido pelo ILTEC – Instituto de Linguística
Teórica e Computacional, é um instrumento ‘mutante’, sem fiabilidade, pois
estando apenas na Internet pode ser alterado a qualquer momento, sem menção de
que houve uma alteração e omitindo a respectiva data. Por outro lado, o Lince
só permite a dupla grafia com manipulações prévias do utilizador”, observa
o deputado.
Do ponto de vista
político, Portugal “corre o risco de, em 2016, vir a ser o único país a aplicar
obrigatoriamente uma ortografia ‘abrasileirada’, que nem era a sua”, argumenta
Mendes Bota. Lembra que a grande maioria das entidades ouvidas pelo grupo
parlamentar para o acompanhamento do acordo era desfavorável ao acordo, e que o
Brasil, que ratificou o segundo protocolo modificativo em 2006, adiou o fim do
período de transição para o final de 2015 e até já criou um grupo de trabalho
técnico parlamentar para rever as 21 bases do AO90 e propor outra reforma
ortográfica – “o que é um claro indício da intenção de não vir a cumprir, nem a
aplicar o tratado”, avisa o deputado.
Para desmontar argumentos
financeiros de uma eventual suspensão do acordo, Mendes Bota adianta-se: “Mesmo
que a correcção deste erro tremendo implique custos indemnizatórios aos
editores, que começaram a produzir manuais escolares em linha com o acordo, é
preferível arcar com esse prejuízo do que consentir na destruição de um
património histórico, cultural e de identidade do povo português, onde a
ortografia joga um papel fulcral.”
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