Javier Blas*
A sede do Partido
Democrático da Guiné Equatorial, num edifício com cinco andares, simboliza o
poder que governa este pequeno país.
Este ‘pastiche’ que
reúne a extravagância do Médio Oriente, o classicismo da arquitectura grega e o
estilo brutalista soviético, é a nova casa do partido liderado por Teodoro
Obiang, que governa o país com mão de ferro há 35 anos.
A poucos
quilómetros de distância encontramos a sede do único partido da oposição,
confinado a um minúsculo apartamento no último andar de um prédio antigo num
bairro degradado da capital, Malabo. As duas assoalhadas do Partido da
Convergência para a Social-Democracia (CPSD) reflectem a pequena
representatividade que este tem na política nacional: um dos 100 assentos
parlamentares. Os seus membros são amiúde perseguidos e detidos durante meses
sem acusação formal.
A Guiné Equatorial
é, talvez, o melhor exemplo da chamada maldição dos recursos naturais. A sua
maior riqueza, o petróleo, não gera prosperidade. Apenas fomenta a corrupção,
impede o desenvolvimento económico e sustenta uma ditadura. A organização
internacional Human Rights Watch é assertiva: “A corrupção, a pobreza e a
repressão são um flagelo sem fim à vista. As receitas do petróleo financiam o
estilo de vida extravagante da pequena elite que gravita em torno do
presidente, enquanto a maior parte da população vive na miséria e não tem os
seus direitos económicos e sociais salvaguardados”.
Apesar de tudo, o
país tem todas as condições para ser um êxito em África: grandes reservas de
petróleo, uma dívida residual, terra fértil e 800 mil habitantes. Segundo o
Fundo Monetário Internacional (FMI), a produção de petróleo e de gás natural
faz com que o país tenha um dos rendimentos per capita mais altos da África
subsariana, 22.300 dólares/ano (16.372 euros/ano), ou cerca de quatro vezes
mais que a África do Sul e sensivelmente o mesmo que Portugal. Não obstante,
três quartos da população vivem abaixo do limiar da pobreza.
A família Obiang e
respectivo clã controlam toda a esfera política e empresarial do país. O filho
mais velho do presidente, Teodoro Nguema Obiang, mais conhecido entre a
população como Teodorín, é o vice-presidente e responsável máximo pela
segurança nacional. Outro filho, Gabriel Mbaga Obiang, está à frente do
ministério do Petróleo. O irmão da Primeira-dama, Candido Nsue Okomo, é o
presidente da petrolífera estatal GEPetrol.
Na opinião de
muitos diplomatas estrangeiros, a Guiné Equatorial é um negócio de família
dissimulado com a particularidade de ter assento na ONU. Em 2009, o presidente
Obiang venceu as eleições com 95,4% dos votos, num escrutínio que os EUA
consideram “indiciar fraude eleitoral sistemática”. Andrés Esono Ondo, líder da
oposição, diz que a situação política e económica “é má e está a piorar”. A
Guiné Equatorial está entre os 10 piores países em termos de liberdade de
imprensa, a par da Coreia do Norte.
Os investidores
internacionais não se têm coibido de abrir empresas no país, apesar da
corrupção, má gestão e opressão. A produção diária de petróleo – 270 mil
barris/dia em 2013 – e de gás natural, assim como a perspectiva de novas
descobertas de hidrocarbonetos, tem atraído um vasto leque de investidores
encabeçado pelos EUA, onde também figuram a China, a França e Espanha, antigo
poder colonial.
A corrida ao
petróleo começou em 1995, depois da ExxonMobil começar a extrair o “ouro negro”
da jazida Zafiro. Seguiram-se a Hess e a Marathon, que desenvolveram as
reservas de gás natural do país. Em dez anos, a produção petrolífera disparou,
atingindo o seu máximo histórico em 2005 – 376 mil barris/dia –, ano em que se
tornou no terceiro maior produtor da África subsariana, atrás da Nigéria e de
Angola.
Daí em diante, a
produção começou a cair devido, por um lado, ao envelhecimento da jazida Zafiro
e, por outro, à ausência de novas descobertas. Diplomatas e executivos do
sector petrolífero também apontam o dedo à má gestão por parte da GEPetrol, por
não conseguir atrair novas empresas para explorar as reservas existentes. A
situação mudou quando o ministério do Petróleo ficou incumbido de atribuir as
licenças necessárias. Em 2012 tornou-se o único interlocutor e fechou nove
contractos de gás e petróleo – entre 2006 e 2011 a GEPetrol assinou apenas
oito.
Actualmente, a
Guiné Equatorial está a tentar atrair outras indústrias, nomeadamente na área
dos petroquímicos, pesca, turismo, exploração mineira e serviços financeiros,
para tentar reduzir a sua dependência da indústria energética. O investimento
público disparou nos últimos cinco anos, financiado pela receita do petróleo,
que ronda os 5 mil milhões de dólares (3,67 mil milhões de euros) por ano e tem
sido aplicado, maioritariamente, no sector da construção. O governo reconstruiu
estradas e aeroportos, e melhorou o fornecimento de água e electricidade, mas
nem tudo é positivo.
Segundo a oposição,
este ‘boom’ beneficiou a classe governante local através de lucrativos
contractos financiados pelo Estado. O país investiu forte em projectos “prestígio”,
como centros de conferências, hotéis de luxo para alojar dignitários
estrangeiros e auto-estradas de seis faixas raramente usadas pela população. O
FMI diz que “os custos e o desperdício são muito elevados”, e os economistas e
activistas locais lembram que pouco se investe em soluções que promovam o
desenvolvimento a longo prazo.
Resultado? A
economia deverá contrair este ano. O crescimento negativo é um caso raro na
África subsariana, onde a maior parte das economias cresce entre 5% a 10% ao
ano. Com a deterioração da economia, aumenta a probabilidade de
descontentamento social. Mas o que mais preocupa os investidores
internacionais, diplomatas e empresários é a inevitável transição de poder,
quando o Presidente Obiang, que assumiu a presidência do país em 1979 depois de
depor o tio num golpe sangrento, entender que é hora de passar o testemunho. É
o presidente há mais tempo em exercício no continente africano – 35 anos –, à
frente de Robert Mugabe, presidente do Zimbabué, e de José Eduardo dos Santos,
presidente de Angola.
Em teoria, pode
prolongar o seu mandato, visto o “sim” à reforma da Constituição ter sido o
grande vencedor no referendo de 2011, mas cujo resultado a oposição e os
observadores no terreno dizem ter sido manipulado. A nova lei não só concentra
o poder nas mãos do presidente como lhe permite ficar no cargo mais de meio
século. Poucos acreditam que isso aconteça, embora seja consensual entre os
observadores que dificilmente se afastará em 2016, ano de eleições
presidenciais. Estimam que poderá fazê-lo em 2019, ao fim de 40 anos no poder.
Seja como for, a
corrida à sucessão já começou. Teodorín é o favorito, mas tem anticorpos na
família e é acusado de corrupção em França e nos EUA. No ano passado, França
leiloou nove automóveis de luxo apreendidos a empresas com ligações a Teodorín,
incluindo um Maserati, um Ferrari e um Rolls-Royce. Nos EUA, o Departamento de
Justiça (DJ) acusou-o de ter construído uma fortuna no valor de 100 milhões de
dólares através de práticas de corrupção e lavagem de dinheiro, envolvendo a
“extorsão de milhões de dólares em pagamentos pessoais, solicitação e aceitação
de subornos” enquanto ministro da agricultura e das florestas.
Não é a primeira
vez que a família Obiang tem problemas com a justiça nos EUA. No início da
década 2000, as autoridades norte-americanas denunciaram a existência de
milhões de dólares em contas secretas numa sucursal do Riggs Bank, nas
imediações da Casa Branca. Se processos judiciais impedirem Teodorín de suceder
ao pai, o lugar ficará, muito provavelmente, para outro dos seus filhos.
Gabriel, que tutela a pasta do Petróleo, é popular entre os investidores
estrangeiros, mas, segundo a classe diplomática, tem uma base de apoio interna
muito reduzida. Outro contra: é filho da segunda mulher de Obiang, Celestina
Lima.
Por ora, não se
perfilaram mais candidatos além dos dois filhos. Alguns receiam que a transição
possa ser violenta num país com uma longa história de golpes falhados. Talvez a
resposta esteja na geração mais jovem que estudou no estrangeiro, trouxe ideias
novas para a administração pública e anseia pela mudança. Pela frente têm a
sombra e o poder dos elementos da velha guarda, a quem a população chama
“crocodilos”, e a falta de recursos, como acontece com a oposição. Ou seja, vêm
aí tempos difíceis para a nova geração.
* Tradução de Ana
Pina, em Económico
Sem comentários:
Enviar um comentário