Envolvido no golpe
de 2002 e representante da elite de seu país, "Leopoldo López representa o
que há de mais à direita no espectro político venezuelano"
DemocracyNow –
Carta Maior
Os protestos na
Venezuela têm sido apresentados pela mídia comercial como manifestações
populares massivas contra o governo Maduro; no entanto, não têm sido discutidos
os verdadeiros jogos políticos que elas escondem. Transcrevemos abaixo trecho
da entrevista do professor George Ciccariello-Maher*, que dá um panorama
da história recente venezuelana e das figuras envolvidas nas tentativas de
deposição do governo Maduro.
DemocracyNow: O que está acontecendo na Venezuela hoje?
George Ciccariello-Maher: Está acontecendo um grande evento, que será uma
tarefa crucial para o governo de Maduro. É nossa obrigação que analisemos a
situação dentro de seu contexto histórico, para entendermos quem está agindo.
Se acompanhamos o Twitter, observamos que há uma tendência: neste momento
“pós-occupy” e sucessor à Primavera Árabe, toda vez que vemos protestos nas
ruas, nós começamos a retuitá-los e a sentir uma simpatia pela causa, mesmo sem
saber qual é o contexto dela. Uma vez que analisamos o contexto venezuelano, o
que vemos é mais uma tentativa, dentro de uma longa história de tentativas, de
depor um governo democraticamente eleito, desta vez se aproveitando de uma
mobilização estudantil contra a insegurança e as dificuldades econômicas.
DN: George Ciccariello, quem é Leopoldo Lopez? O Washington Post o
descreve como um homem de 42 anos, de esquerda, que estudou em Harvard. O que
você sabe da sua história?
GC-M: Dizê-lo de esquerda seria forçar a barra. Leopoldo Lopez representa
o que há de mais à direita no espectro político venezuelano. Ele foi educado
nos Estados Unidos desde o ensino médio até sua graduação na Harvard Kennedy,
ele descende do primeiro presidente venezuelano e dizem que até mesmo do
próprio Simon Bolívar. Em outras palavras, ele é o representante desta classe
política tradicional que deixou o poder após a Revolução Bolivariana. Em termos
de sua história política, seu partido, o Primera Justicia, foi formado por uma
intersecção entre corrupção e intervenção norte-americana, corrupção por sua
mãe, ao arrecadar fundo fraudulentos de uma companhia de petróleo venezuelana
para este novo partido, e pelo outro lado fundos do NED, do USAID,
e de instituições do governo norte-americano. Assim que Chávez chegou ao poder,
os partidos políticos tradicionais entraram em colapso, e tanto a oposição
interna quanto o governo do EUA precisavam criar algum outro veículo para fazer
oposição ao governo Chávez, e este partido de Leopoldo Lopez é um destes
veículos. Neste momento, até mesmo a liderança anterior do partido, Henrique
Caprilles, que foi o candidato para as eleições presidenciais, percebeu que a
linha de tomar ações nas ruas na tentativa de depor um governo democrático
simplesmente não vai funcionar. No entanto, Leopoldo Lopez e outros líderes,
como Maria Corina Machado e Antonio Ledesma, continuam tentando depor o governo.
DN: O presidente
Maduro expulsou três diplomatas norte-americanos, alegando que eles estavam
envolvidos no apoio à oposição. Você poderia nos falar sobre isso?
GC-M: O governo Obama continua a financiar esta oposição, até mesmo mais
abertamente do que Bush fazia: Obama requisitou fundos para estes grupos
opositores, mesmo que eles estivessem envolvidos em atividades antidemocráticas
no passado e apesar do fato de López e outros estarem envolvidos no golpe de
2002 e terem participado de ações violentas na época. Dizer que López hoje é um
representante da democracia só pode ser uma piada. Há uma questão interessante
aqui, a de que o governo venezuelano, se ouvimos as palavras da esposa de
Leopoldo López em declarações recentes, agiu para proteger a vida de López, que
estava sob ameaças. A maneira pela qual López foi preso foi muito generosa,
muito mais do que López foi no passado, quando liderou uma caça às bruxas
contra os ministros chavistas que foram espancados em público no caminho da
prisão. López pode até mesmo falar em um mega-fone no dia em que foi preso.
Podemos nos perguntar: por que o governo de Maduro está sendo tão gentil com
ele? Na verdade, preferem que ele seja o líder da oposição porque ele
simplesmente não seria eleito, pois ele representa a nata das elites
venezuelanas.
DN: O que vemos na mídia comercial é uma Venezuela fora de controle, com
altos índices de violência, escassez de comida e inflação altíssima. Qual é sua
avaliação da situação do país hoje?
GC-M: Para dizer claramente, a escassez de comida tem sido sim um
problema, e a segurança pública é um problema gigantesco na Venezuela. Ambos
são problemas profundos que tem a ver com falhas do governo para tratá-los, mas
também relação com a ação de vários outros atores. No caso da criminalidade, a
infiltração de máfias tem sido muito grande nos últimos anos, e no caso da
escassez, o papel de capitalistas que estocam bens de consumo e a especulação
da moeda tem sido uma força destrutiva que nos lembra muito o Chile de Allende,
onde se tentou destruir a economia como uma preparação para o golpe. Mas, na
verdade, este dois fatores que os estudantes tem protestado contra não explicam
o porquê destes protestos estarem emergindo, pois os índices de criminalidade
estão baixando e a escassez de comida não está nem de longe tão ruim quanto
estava há um ano. O que explica o que está ocorrendo agora é que, depois das
eleições de dezembro, este foi o momento em que a direita disse “já chega,
estamos cansados de eleições, nós vamos às ruas tentar derrubar este governo”,
mas neste meio tempo, os movimentos revolucionários venezuelanos, as
organizações populares, que são no fim das contas a base deste governo, que nunca
teve apenas como base Chávez ou Maduro enquanto individuos, mas sim milhões e
milhões de venezuelanos que estão construindo uma democracia mais profunda e
mais direta, construindo movimentos sociais, organizações, conselhos de
trabalhadores, conselhos estudantis, conselhos de camponeses, estas pessoas
estão continuando a luta, estão defendendo o governo Maduro, e estes protestos
que estão ocorrendo principalmente nas regiões mais ricas de Caracas, a Beverly
Hills de Caracas, não as fará desistir desta tarefa.
DN: E o papel dos EUA?
Os EUA continuam a financiar a oposição. Acho que no futuro, como costuma
acontecer, nós teremos acesso às informações do grau de envolvimento dos EUA no
financiamento à oposição venezuelana. Na realidade, esses protestos são um
cálculo errado por parte da oposição, não parece que os EUA teriam dito à
oposição para tomarem este caminho, pois ele não parece ser muito estratégico.
Sabemos que esta é uma oposição em contato direto com a embaixada
norte-americana, que recebe fundos do governo dos EUA, mas este é o movimento
de uma oposição venezuelana autônoma que vai, como parece, novamente desmoronar.
Você pode conferir o vídeo da entrevista completa no site do DemocracyNow
(*) Professor da Drextel University e autor do livro “We
Created Chávez: A People’s History of the Venezuelan Revolution” (Nós Criamos
Chávez: Uma História do Povo da Revolução Venezuelana)
Tradução de Roberto Brilhante - Créditos da foto: wikimedia commons
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