Em entrevista ao El
País, o antigo Presidente da República acusa o Governo de destruir tudo o “que
se construiu” com o 25 de Abril.
Para o Governo de
Pedro Passos Coelho, o que conta são os mercados, não as pessoas, diz Mário
Soares, numa entrevista ao diário espanhol El País. Acusa o executivo
PSD/CDS-PP de estar a destruir o Estado social e de só pensar em agradar aos
mercados. O antigo Presidente da República considera que Portugal não tem
condições de pagar a dívida pública (cerca de 130% do PIB) e que, por isso,
deve assumi-lo perante os mercados.
Soares volta a
apresentar o exemplo da Argentina, notando que o país se recusou a pagar a
dívida em plena crise financeira. “A única maneira de falar com os mercados é
dizer-lhes: ‘Não, não pagamos’. Foi o que disse a Argentina e não aconteceu
nada. Sou um grande admirador de Obama e do Papa Francisco, duas figuras que me
parecem das mais interessantes no mundo. E tanto um como o outro pensam que a
austeridade não funciona, não serve para nada. Paul Krugman, que é prémio Nobel
da Economia, diz o mesmo”.
“Há um tempo,
esteve aqui um ministro chinês e disse-me que os prejudicava muito, na sua
relação comercial com os Estados Unidos, o facto de Obama ter decidido emitir
dólares. E eu pensei: se os europeus fizessem o mesmo, os nossos problemas
resolviam-se. Bastaria dar à manivela de fabricar euros”, diz o histórico
socialista, que acusa a chanceler alemã, Angela Merkel, de impedir uma resposta
expansionista à crise por parte da Europa.
De volta ao
executivo de Passos Coelho e aos quase três anos percorridos desde a entrada da troika:
“Em Portugal nada está a mudar [na economia]. Foram anos terríveis. (…) Este
Governo está amarrado à troika e aos mercados. São eles que contam,
não as pessoas”.
Tudo o “que se
construiu com um esforço brutal” desde a revolução do 25 de Abril — “um Estado
social sério, sólido, com um serviço de saúde público, com uma educação
fantástica e umas universidades equiparadas às de qualquer país europeu” — está
a perder-se, diz Soares, acusando o Governo de “vender” o país. “Este Governo só
está obcecado com os mercados. Os mercados têm de estar ao serviço das pessoas
e não o contrário”.
Soares — o político
que o El País descreve como o histórico socialista que, agora com 89
anos, se tem assumido nesta crise como a voz da “consciência da esquerda e da
social-democracia” — revela angústia por ver Portugal como um “protectorado da troika”.
Na mesma
entrevista, revisita os anos do exílio, os primeiros anos do Partido
Socialista, a revolução. E, pelo meio, quando é questionado sobre o que sente mais
orgulho enquanto esteve no poder, Soares responde: “De ter posto em marcha o
Serviço Nacional de Saúde, a educação, o Estado social, de tudo o que agora
estão a destruir. E, sobretudo, de ter sido alguém a impulsionar da cultura”.
Acaba por confessar: “Sempre pensei que teria sido melhor escritor do que
político”.
Público - Foto: Miguel Manso
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