José Ribeiro e
Artur Queiroz
O cónego Apolónio é
figura de destaque da Igreja Católica angolana. Ao mesmo tempo é um cidadão
empenhado nos destinos do seu país. A propósito de mais um aniversário da Paz
concedeu ao Jornal de Angola uma entrevista exclusiva.
Fala dos longos
anos de guerra, da “harmonia e felicidade” de hoje, da sua paróquia no Projecto
Nova Vida e do grande desafio que abraçou: a gestão dos complexos escolares da
Centralidade de Cacuaco.
Jornal de Angola - A igreja de São Carlos Lwanga continua a ser a sua casa?
Cónego Apolónio - Tenho uma ligação muito profunda à comunidade da
urbanização Nova Vida. Começámos alguns, debaixo de um alpendre e hoje somos
aos milhares a professar a fé.
JA - Como vê estes 12 anos de paz?
CA - Para mim, mas também para milhões de angolanos, este período foi uma
bênção.
JA - Como define essa bênção?
CA - Significa bem-estar, prosperidade, harmonia e felicidade. Os
angolanos sentem agora que está a acontecer tudo quanto de bom aspirávamos.
JA - Está a acontecer tudo o que esperava?
CA - Quem quer ver a realidade sabe que melhor não era possível. Mas somos
todos seres humanos, temos as nossas limitações, dificuldades. Há muito por
fazer e podemos fazer muito melhor. O importante é que sinto nas pessoas um
grande espírito de abertura e têm esperança. Sabem que ainda temos pouco mas de
ano para ano vamos ter cada vez mais, muito mais. Posso dizer que estes 12 anos
têm uma marca: sucesso.
JA - O seu optimismo não é exagerado?
CA - Não. Os angolanos sabem quanto custou a paz, quantas vidas foram
ceifadas. Milhares de mulheres e homens não estão entre nós para verem o
sucesso que vivemos hoje. Deram as suas vidas, souberam morrer pela causa da
liberdade e da justiça. Mas essas sementes caíram em terra fértil e estão a dar
bons frutos, dão mais vida. Como sacerdote, agradeço a Deus por hoje termos a
paz. O meu sentimento é de reconhecimento para com aqueles que nos deram tudo
com abnegação da própria vida por Angola.
JA - Quais foram os principais ganhos da paz?
CA - São tantos! As novas escolas que todos os dias abrem, as unidades
hospitalares, os centros de formação, as novas centralidades em certos pontos
do país, as estradas que hoje permitem a circulação de pessoas e bens, as
missões reabilitadas que durante tantos anos estiveram abandonadas, os camiões
que todos os dias atravessam Angola de lés-a-lés. A reabilitação das
infra-estruturas vitais para o desenvolvimento do país. O sentimento de
responsabilidade que hoje se respira no seio das comunidades, nas aldeias e nas
cidades. Os ganhos da paz chegaram sobretudo aos lugares mais recônditos da
nossa Angola. A democracia plena! Em tão poucos anos, conseguimos aprofundar e
fortalecer o regime democrático.
JA - Há quem defenda que não existe democracia em Angola…
CA - São opiniões que eu respeito, mas discordo. O medo desapareceu dos
corações dos angolanos. Isso só foi possível porque vivemos em democracia.
Existe oposição porque há democracia. Vemos isso todos os dias na comunicação
social. A democracia calou as armas e deu a palavra ao Parlamento. A
tolerância, o diálogo, o respeito pela opinião contrária fazem parte da vida
quotidiana dos angolanos. Isto é democracia. Há evangelização em todo o país,
sem medo das emboscadas, como acontecia antes da paz. Muitos sacerdotes,
freiras e catequistas foram mortos no desempenho da sua missão pastoral. Hoje
há liberdade religiosa. Só não vê isto quem não quer.
JA - Qual foi o papel da Igreja na conquista da paz?
CA - A Igreja sempre foi uma força de paz, por isso o nosso contributo foi
importante. Mas além de agradecer a Deus estes poucos anos de paz, quero
publicamente agradecer ao Presidente José Eduardo dos Santos. Aqueles que lhe
chamam o arquitecto da paz arranjaram a expressão mais feliz para definir a sua
acção política. O Presidente da República hoje está a trabalhar para a paz no
continente. Muitos líderes africanos procuram-no para beberem a nossa
experiência. Como angolano, sinto um grande orgulho por sermos um país pacífico
e promotor da paz. Já dizia o Mestre: “Bem-aventurados os que promovem a paz
porque serão chamados filhos de Deus”.
JA - A Igreja nos anos de guerra como actuou?
CA - A Igreja, nos anos de guerra, nunca deixou de pregar a harmonia e a fraternidade.
Apelámos ao sentido de responsabilidade dos cidadãos, promovemos a paz no seio
das famílias. Os bispos mostraram que para conquistarmos a paz, não podíamos
cruzar os braços. Levámos às comunidades esta mensagem: a paz só se realiza com
o trabalho digno. A Igreja esteve sempre comprometida com a concórdia e o
bem-estar no seio das comunidades. A Igreja durante a guerra foi sempre mãe e
mestra.
JA - Mestra em que sentido?
CA - Na promoção dos valores morais, da cultura, da ética da vida. A
democracia admite tudo, até exageros comportamentais, por isso a Igreja tem
esta vocação de zelar pela moral. Não podemos permitir que à sombra da
democracia sejam destruídos os valores essenciais. A nossa cultura tem respeito
pela natureza. Em Angola não há níveis elevados de preocupação no que diz
respeito à ética da vida, mas temos de estar atentos.
JA - O Papa Francisco é tolerante com a homossexualidade. Qual é a sua posição?
CA - Nós somos africanos, temos de defender a nossa cultura. Na minha
família, graças a Deus, não há gays. Mas no dia em que isso acontecer, vou
ficar preocupado. Não sou contra o pensamento do Santo Padre, aliás concordo
com Ele, que eu saiba o Papa Francisco como líder de milhões e milhões de
cristãos, respeita mas não aprova o homossexualismo, respeitar é diferente de
aceitar. E dentro da minha cultura e creio, na do Papa também, como na nossa
Igreja Católica a homossexualidade não é aceitável como algo normal e natural.
JA – Com que fundamentos?
CA - Se todos os homens e mulheres optassem por relações homossexuais a
Humanidade desaparecia. Eu não quero isso. Se Deus aprovasse o homossexualismo
não teria formado a mulher para o homem. Recordemo-nos da frase bíblica: O
homem deixará o pai e a mãe para se unir à sua mulher e os dois serão uma só
carne. E mais, Deus disse: Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra.
É preciso seguir a Bíblia.
JA - O que pensa do aborto?
CA - Obviamente, sou contra. A Lei angolana e a Constituição da República
nesse aspecto são exemplares. Felicitamos os nossos legisladores. A Igreja não
aceita o aborto.
JA - Como se sente a gerir os complexos escolares da Cidade de Cacuaco?
CA - Sinto-me bem, porque este projecto representa a realização de um
sonho. Estive sempre ligado à Educação. Nos dias que se seguiram a tomada de
posse do Presidente José Eduardo dos Santos, em 1979, ouvi-o dizer que tínhamos
de apostar na Educação, para construirmos uma Angola justa e próspera. Nessa
altura tinha 19 anos e impus a mim próprio a necessidade de continuar a estudar
seriamente e um dia participar na Educação dos angolanos. Sou fruto dessa
prioridade definida pelo Presidente da República.
JA - Porque veio para a Cidade de Cacuaco?
CA - Sou um homem da Bíblia, por isso, faço tudo para levar o saber e a
educação aos pobres. Espero não ser condenado por estar a contribuir para a
dignidade dos mais necessitados. Por uma solicitação para maior empenho pessoal
na Educação da nossa gente, hoje estou aqui na Centralidade de Cacuaco, até
podia ser num outro lugar. As instalações são excelentes, temos todos os meios,
vamos conseguir. Mas estamos a começar do zero com a ajuda das nossas
instituições do Estado. É necessário muita paciência. Apesar de tudo, estamos a
responder às necessidades destas famílias. Aqui não vivem ricos.
JA - A centralidade tem excelentes instalações escolares. Onde está a Igreja?
CA - Como estrutura física ainda não existe, mas são muitos os fiéis, e os
padres da diocese de Caxito já celebram a missa dominical num dos pavilhões
desportivos. O terreno para construir a igreja está definido e em breve quem
sabe pode arrancar a construção. Já tenho a experiência da urbanização Nova
Vida como se começa do zero. Acredito que os meus colegas saberão corresponder
aos grandes desafios da fé destas populações da centralidade e naquilo que eu
puder ajudar, fá-lo-ei em nome da Igreja e da Pátria.
JA - Quem escolhia para o Nobel da Paz: Papa Francisco ou José Eduardo dos
Santos?
CA - Se dependesse de mim, o Prémio Nobel deste ano era o Presidente José
Eduardo dos Santos. O Santo Padre é sempre um homem de paz, reconhecemos nele o
Doce Cristo na terra. Esse título nobre por justiça, desta vez, ficava bem no
Presidente da República porque ele conseguiu a paz e sobretudo a reconciliação
entre os angolanos. Hoje é a figura central da paz em África. No nosso contexto
angolano, não conheço nenhuma figura mundial que tenha feito mais e melhor pela
paz entre a Humanidade.
JA - Que qualidade pessoal distingue?
CA - O nível de tolerância do Presidente da Republica é infinito. Todos os
dias é ofendido e ele tolera essas ofensas. Imagino o que aconteceria se os
ofendidos fossem os seus opositores. Não sei se os ofensores sobreviviam. Há
quem já tenha sido distinguido com o Nobel da Paz sem ter feito nada. O
Presidente José Eduardo dos Santos fez tudo para merecê-lo. Sem dúvida que a
paz em Angola é uma referência mundial.
JA - Os críticos dizem que Angola tem apenas uma paz militar.
CA - Os que dizem isso é porque amanhã querem fazer uma guerra. Mas de uma
coisa podem estar certos: nunca será com o apoio do Povo Angolano. Eu tenho
amigos da UNITA que nem querem mais ouvir falar de guerra. Eles testemunharam
pela maldita guerra a grande desgraça que se abateu sobre os angolanos. Esta
paz que agora faz 12 anos é um desejo sincero dos nossos corações. Não é só o
calar das armas. O mundo ficou admirado com a paz e a reconciliação nacional.
Também por isto, O Presidente José Eduardo dos Santos merece o Nobel da Paz
pelo que tem feito por assegurar a nossa paz em Angola e na região Austral.
Digo-o com responsabilidade, neste momento não conheço no mundo político, que
mereça tanto.
Perfil
Apolónio Alberto António Graciano nasceu no Lobito, onde fez os estudos
primários e secundários. O avô materno era catequista da antiga capela de S.
Luís da Catumbela, nos anos 50, mas essa era a única ligação familiar à
Igreja. Aos 18 anos ingressou no Seminário Médio do Bom Pastor de Benguela e
logo depois no Seminário Maior de Cristo Rei, no Huambo. Depois foi para Luanda
onde conclui o curso de Teologia.
Em 26 de Janeiro de 1992, iniciou funções como secretário do cardeal D.
Alexandre do Nascimento. Em 1996 partiu para Roma onde se Licenciou em Direito
Canónico e obteve o Título de Mestre e com especialização em Organização
Eclesiástica e Governo da Igreja pela Universidade da Santa Cruz.
É cónego da Sé de Luanda mas dedica grande parte do seu tempo à paróquia
de São Carlos Lwanga, na urbanização Nova Vida. Hoje está a viver um desafio
empolgante: é o responsável pela gestão dos complexos escolares da Cidade de
Cacuaco, uma das novas centralidades de Luanda.
Jornal de Angola
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