Entre outros
assuntos abordados na entrevista, o vereador tucano ainda criticou a Comissão
da Verdade: “Temos que parar de falar nisso. Já faz 50 anos [...] Quem está
interessado em lembrar-se da ditadura é quem não tem propostas para resolver os
nossos milhares de problemas”
Paulo Motoryn da Revista VaiDaPé, em Brasil de Fato
No mês de janeiro
de 2014, 76 pessoas foram mortas por policiais militares no Estado de São
Paulo. O número é o mais alto para o mês nos últimos dez anos. Na média, mais
de duas pessoas morreram por dia pelas mãos da Polícia Militar. Desde a última
grande crise na segurança pública em São Paulo, em novembro de 2012, quando a
corporação alcançou o número de 79 mortes, não se via um dado tão alarmante
sobre a atuação da PM.
O vereador Paulo
Telhada, ex-coronel da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), ocupa seu
cargo na Câmara dos Vereadores há mais de um ano. Eleito com 89.053 votos, ele
recebeu a Revista Vaidapé e, sobre o assunto, respondeu: “A Polícia Militar
matou 76 em janeiro? Foi pouco. Quanto mais bandido for para o saco, melhor,
porque é menos gente para me encher o saco”, disse. Na hora, os olhos de seu
assessor de imprensa, Davi Denis Lobão, brilharam.
Davi é uma figura
importante para entender a conversa com o vereador. Responsável pelo
agendamento da entrevista, ele fez uma ressalva repetidas vezes: que durasse,
no máximo, 30 minutos. Mas talvez nem tenha percebido que a entrevista chegou
aos 50 minutos de duração. Afinal, era como se ele ouvisse um ídolo falar. Além
dos olhos brilhando, a cabeça de Davi balançou em concordância com as
declarações de Telhada por quase uma hora. Isso quando não interrompeu o
vereador para complementar suas respostas.
Davi é primo
legítimo de Telhada, algo que a legislação permite, mas que a imprensa não
costuma perdoar. O parentesco entre assessor e vereador já foi pauta do site
“Rede Brasil Atual”. Na reportagem, a jornalista Lúcia Rodrigues denunciava,
além de parentes, a contratação de dois financiadores da campanha para o gabinete
do ex-comandante da Rota, isso sim ilegal e proibido pela Justiça. A matéria
foi motivo de discórdia entre a jornalista e o vereador. Resultado: no mesmo
dia da publicação da reportagem, Lúcia foi demitida pelo próprio coordenador de
seu veículo, Paulo Salvador.
O entrevero com a
repórter não foi o único envolvendo Telhada e jornalistas. O caso que
ganhou maior repercussão foi o do ex-repórter policial da “Folha de S. Paulo”,
André Caramante. A matéria publicada em 14 de julho de 2012, de título “Ex-chefe
da Rota vira político e prega a violência no Facebook”, sobre o coronel
reformado, então candidato a vereador pelo PSDB, gerou uma onda de ameaças ao
repórter na internet. Ele chegou até a ser exilado fora do país por 90 dias em
função das constantes perseguições.
Não muito tempo
depois do caso, Caramante também foi demitido de seu jornal. “Eu nunca vi o
rosto dele, como posso ter ameaçado alguém?”, perguntou Telhada à reportagem.
Mesmo assim, deixou claro que houve uma grande irritação com o trabalho feito
pelo jornalista: “Não tolero nenhum tipo de ofensa pessoal e o jornalista veio
falar da minha vida pessoal ao entrar no meu Facebook, da minha família”,
reclama.
Logo que a equipe
de reportagem chegou ao gabinete do vereador, sua secretária entregou uma ficha
cadastral a cada um dos jornalistas, pedindo endereço, telefone e diversos
outros dados pessoais. No plano de fundo do formulário, o slogan de Telhada:
“Uma nova Rota para a política de São Paulo”. Ao lado da porta, um policial
militar fardado. Mais atrás, um grupo de empresários aguardava para ser
atendido pelo vereador – prática comum na Câmara, nos mais variados gabinetes.
Geralmente com um calhamaço de folhas grampeadas, os empresários vão de
porta em porta tentando convencer vereadores sobre questões da
Casa que influem em seus negócios.
Pouco depois do
horário marcado para a entrevista, a reportagem entrou no gabinete. Decorado
com o material da campanha eleitoral de 2012 pelo lado de fora e com quadros
sobre sua trajetória pregados nas paredes internas, cada enfeite ou objeto na
sala é milimetricamente calculado para casar com a lógica que Telhada assume
levar na política: “Meu partido é a Polícia Militar. Eu sempre vou defender os
policiais”, afirma. A defesa da corporação, portanto, começa antes mesmo do
poderio parlamentar: carrinhos, bonecos, aviões e diversos outros infantis
brinquedos com a temática policial são expostos com destaque em sua sala. Logo
no início, brincou com o cinegrafista, que filmava um boneco de
super-herói exposto sobre a mesa: “Pagou um pau (sic) para o meu Super Homem,
né?”.
Não à toa, a
entrevista aconteceu no dia 1º de abril de 2014. No Dia da Mentira, mesma data
do cinquentenário do Golpe Militar de 1964 no Brasil, Telhada afirmou: “Não
existe verdade só de um lado. A verdade tem três fases: a minha verdade, a sua
verdade e a verdade verdadeira”. A partir da reflexão, criticou a Comissão da
Verdade e os parlamentares que evocaram o regime militar no plenário da Câmara
no último dia 1º deste mês: “Temos que parar de falar nisso. Já faz 50 anos”,
reclama. “Quem está interessado em lembrar-se da ditadura é quem não tem
propostas para resolver os nossos milhares de problemas”.
A primeira e
inevitável pergunta sobre o posicionamento do ex-policial em relação ao Golpe
de 64 foi sucedida de uma conversa em que Paulo Adriano Lopes Lucinda Telhada,
apesar de seu discurso duro, foi cordial com a reportagem, mesmo nas perguntas
mais espinhosas. A única pergunta que não quis responder foi o número de
pessoas que já teria matado em troca de tiros com civis. Ao ouvir a questão
colocada pelo repórter, riu e comentou: “Tá querendo me pegar, né?”. Em
seguida, deu sua justificativa: evocou os “pais de família e meninas que estão
morrendo no trânsito” e contou sobre um velório recente de um policial de 22
anos. A insistência da reportagem por uma estimativa do número de mortos em
suas mãos só tirou a seguinte palavra da boca do vereador: muitos.
“O problema é que
às vezes as pessoas confundem você querer as coisas direito com ser radical. Eu
sou um cara que quero cumprir a lei. Não gosto de bandido. Não gosto de
bandido. Eu gosto de quem? Gosto do cidadão de bem. Eu gosto de vocês que estão
trabalhando”, disse. Até mesmo depois que a reportagem passou a introduzir
temas pouco simpáticos ao vereador – como a desmilitarização das polícias, a
suposta ameaça ao jornalista André Caramante e o posicionamento crítico do
tenente-coronel Adilson Paes de Sousa sobre os abusos policiais –, ele não se
esquivou, nem das perguntas, nem de suas conhecidas opiniões.
No vídeo que
acompanha a reportagem, a trilha sonora final, de uma das fortes vozes das
periferias de São Paulo, os Racionais MC’s, a música “Qual mentira vou
acreditar?” trata do racismo, faz referência ao dia da entrevista (1º de abril)
com o vereador e, sobretudo, traz à pauta a multiplicidade dos discursos na
sociedade do controle. Um deles é o de Paulo Telhada, vereador com mandato até
2017 e representante de uma visão que cativa uma parcela relevante dos
paulistanos. O que nos resta é discutir sempre. Ignorar jamais.
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