Esperemos que o
nosso povo tenha o bom senso de recusar este aumento, que só o prejudica, e
permaneça intransigente na vontade de continuar a receber um salário que o
mantém na mais sensata e responsável miséria
Ricardo Araújo
Pereira – Visão, opinião
Enquanto não sai a
muito aguardada edição em DVD dos melhores debates da Assembleia da República,
o público tem de contentar-se com alguns excertos avulsos disponíveis na
internet. Esta semana, quando o primeiro-ministro disse que estava pronto para
discutir o aumento do salário mínimo, alguns internautas tiveram a generosidade
de retirar tempo à contemplação de filmes marotos e foram procurar um debate
ocorrido há um ano e um mês. À sua maneira, também é um filme maroto. Nessa
memorável sessão parlamentar, Passos Coelho recusava uma proposta da oposição
por ser demagógica e irresponsável. Essa proposta era o aumento do salário
mínimo. Segundo o primeiro-ministro, numa sociedade com o nível de desemprego
da nossa, o que faria sentido era diminuir o salário mínimo. Com esforço, e um
pouco contrariado por não poder beneficiar mais ainda os trabalhadores, Passos
Coelho tinha-se limitado a manter o salário mínimo no mesmo valor. Mas, há um
ano e um mês, aumentar o salário mínimo não seria apenas irresponsável, seria
ceder à demagogia fácil.
Esta posição é
curiosa por duas razões. A primeira é o persistente repúdio que a classe
política dedica à demagogia fácil. Não se ouve uma palavra contra a demagogia
difícil, o que acaba por ser justo. Sendo embora demagogia, é difícil, e
portanto merecedora de respeito.
O demagogo que se
dedica à demagogia mais requintada não costuma ser tão criticado, o que revela
que Portugal também valoriza o mérito. Por sorte, no debate político, os
adversários enveredam sempre pela demagogia fácil, que também é a mais fácil de
combater.
A segunda razão é a
questão da responsabilidade. O que em Março de 2013 era irresponsável, em Abril
de 2014 parece ser sensato. No entanto, no essencial nada mudou. O desemprego
continua muito elevado. Diminuir o salário mínimo continua a ser o que faz mais
sentido, de acordo com a teoria económica do Governo. Mas passou um ano, e o
que era irresponsável passou a ser responsável. Não será do clima, porque a
altura do ano é a mesma. É capaz de ser uma questão de colheita, como os
vinhos. A responsabilidade deste ano já está muito apurada no início de Abril,
enquanto a responsabilidade de 2013 ainda estava azeda em Março. Esperemos que
o nosso povo tenha o bom senso de recusar este aumento, que só o prejudica, e
permaneça intransigente na vontade de continuar a receber um salário que o
mantém na mais sensata e responsável miséria.
Sem comentários:
Enviar um comentário