quarta-feira, 16 de abril de 2014

Portugal: RESPONSABILIDADE, COLHEITA DE 2014




Esperemos que o nosso povo tenha o bom senso de recusar este aumento, que só o prejudica, e permaneça intransigente na vontade de continuar a receber um salário que o mantém na mais sensata e responsável miséria

Ricardo Araújo Pereira – Visão, opinião

Enquanto não sai a muito aguardada edição em DVD dos melhores debates da Assembleia da República, o público tem de contentar-se com alguns excertos avulsos disponíveis na internet. Esta semana, quando o primeiro-ministro disse que estava pronto para discutir o aumento do salário mínimo, alguns internautas tiveram a generosidade de retirar tempo à contemplação de filmes marotos e foram procurar um debate ocorrido há um ano e um mês. À sua maneira, também é um filme maroto. Nessa memorável sessão parlamentar, Passos Coelho recusava uma proposta da oposição por ser demagógica e irresponsável. Essa proposta era o aumento do salário mínimo. Segundo o primeiro-ministro, numa sociedade com o nível de desemprego da nossa, o que faria sentido era diminuir o salário mínimo. Com esforço, e um pouco contrariado por não poder beneficiar mais ainda os trabalhadores, Passos Coelho tinha-se limitado a manter o salário mínimo no mesmo valor. Mas, há um ano e um mês, aumentar o salário mínimo não seria apenas irresponsável, seria ceder à demagogia fácil.

Esta posição é curiosa por duas razões. A primeira é o persistente repúdio que a classe política dedica à demagogia fácil. Não se ouve uma palavra contra a demagogia difícil, o que acaba por ser justo. Sendo embora demagogia, é difícil, e portanto merecedora de respeito.

O demagogo que se dedica à demagogia mais requintada não costuma ser tão criticado, o que revela que Portugal também valoriza o mérito. Por sorte, no debate político, os adversários enveredam sempre pela demagogia fácil, que também é a mais fácil de combater.

A segunda razão é a questão da responsabilidade. O que em Março de 2013 era irresponsável, em Abril de 2014 parece ser sensato. No entanto, no essencial nada mudou. O desemprego continua muito elevado. Diminuir o salário mínimo continua a ser o que faz mais sentido, de acordo com a teoria económica do Governo. Mas passou um ano, e o que era irresponsável passou a ser responsável. Não será do clima, porque a altura do ano é a mesma. É capaz de ser uma questão de colheita, como os vinhos. A responsabilidade deste ano já está muito apurada no início de Abril, enquanto a responsabilidade de 2013 ainda estava azeda em Março. Esperemos que o nosso povo tenha o bom senso de recusar este aumento, que só o prejudica, e permaneça intransigente na vontade de continuar a receber um salário que o mantém na mais sensata e responsável miséria.

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