Eduardo Oliveira
Silva – jornal i, opinião
Não pode ser forte
uma democracia cujos políticos são considerados piores que os da ditadura
Um secretário de
Estado faz à socapa afirmações sobre o corte permanente de pensões, que mais
tarde são desmentidas por um primeiro- -ministro. Dias depois vem a
confirmar-se através de Bruxelas que o secretário de Estado estava certo. É
certamente pelo somatório de situações como esta que os portugueses consideram
melhores os políticos "do antigamente".
Quando há uns anos
Salazar apareceu num concurso da RTP como o português mais importante,
percebeu-se que essa votação tinha sido o resultado de uma espécie de movimento
de contestação nacional à moda anarquista, ao qual só o PCP reagiu promovendo
uma contra-ofensiva que pôs Cunhal no segundo lugar.
Os resultados da
sondagem que a Pitagórica fez para o i com um rigor técnico que não
se questiona são porém mais graves. Revelam que 46,5% dos portugueses
consideram que os políticos da ditadura eram mais honestos que os actuais,
enquanto só 17,7% pensam o contrário. E como se não bastasse, 43,2% acham,
ainda por cima, que os políticos de antes do 25 de Abril eram mais bem
preparados.
Estes resultados
indicam também que 36,9% dos inquiridos ainda pensam que não há em Portugal
liberdade para dizer o que se pensa politicamente sem sofrer consequências.
São dados eloquentes,
tristes e lamentáveis, mas que em bom rigor não surpreendem. Ao longo das
quatro décadas de democracia que vivemos desde o 25 de Abril, a verdade é que a
classe política deu múltiplos e sucessivos exemplos negativos que explicam
resultados desta natureza.
Para não falar da
corrupção e da promiscuidade entre o poder político e os negócios, que também
existiu antes da democracia, há agora a juntar a forma espalhafatosa como
alguns enriqueceram e a circunstância de os políticos se fazerem eleger com um
programa fazendo a seguir exactamente o contrário com o maior dos desplantes.
De forma
lamentável, joga-se com as palavras para iludir e distorcer a realidade,
utilizando técnicas de manipulação mediática para testar ideias e cenários e
ver como é que a opinião pública reage.
Cria-se assim um
clima de insegurança económica e de medo social que evidentemente deixa de
rastos a classe política actual contra o pano de fundo da estabilidade fictícia
com que as coisas eram apresentadas há 40 anos.
O que está em causa
não é propriamente o governo actual, porque os anteriores tiveram procedimentos
exactamente iguais e nenhum esteve a salvo de situações mais ou menos
escandalosas no campo económico.
Em boa parte, a
imagem negativa da classe política resulta do escrutínio a que está sujeita
pelos media, o que não acontecia na ditadura. Apesar disso, estes dados
justificam uma reflexão séria. Impõem mesmo uma revisão de certo tipo de
comportamentos e a renúncia à utilização sistemática de discursos enganadores,
a fim de evitar que se faça da República de hoje uma avaliação tão negativa
como a que permitiu a queda da primeira, às mãos do Estado Novo de Salazar. É
certo que os tempos são outros, mas que mudam depressa também é uma verdade,
como se viu com a queda do comunismo e com a Ucrânia.
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