segunda-feira, 14 de abril de 2014

Portugal: A GRANDE FARSA, A PLASTICINA E OS CHEQUES



Fernando Santos – Jornal de Notícias, opinião

Tristonhos e na sua esmagadora maioria sem dinheiro para mandar cantar um cego, os portugueses assistem a uma insuportável peça de teatro construída entre o cómico e o trágico. Obviamente responsáveis pela descredibilização do sistema político, os autores e os artistas - principais e secundários - são maus a fazer de conta. Consoante posicionados no Poder ou na Oposição, adotam gestos e verve de plasticina, acabando por ser previsíveis e só coincidentes num interesse: esconder a verdade, custe o que custar, com o único desígnio de gerir os ciclos eleitorais, ora atirando as dificuldades para trás do biombo ora propondo o impossível ou fazendo-se de mortos - a forma mais simplista de a alternância democrática lhes fazer cair benesses no colo.

O acumulado de erros históricos é pertença do coletivo nacional, quanto mais não seja pela ingenuidade, inércia e legitimação sucessiva de uma miríade de facilidades. Normal seria existir entretanto um ato de contrição e um esforço de entendimento em pontos essenciais para retirar o país do atoleiro em que se meteu. Mas não. E jamais será possível recuperar parte da dignidade e da autonomia sem mazelas dolorosas para o povo, mesmo e quando sujeito à compreensão da comunidade internacional, incluindo-se nela os financiadores, até os mais agiotas.

A franqueza transformou-se num bem raro.

Amarrado a acordos e fiscalização internacional da qual depende a passagem de cheques, o país dispõe apenas de duas vias - e não mais... - para sobreviver. Ou amocha e cumpre os tratados a que se associou (sem referendo) e os documentos assinados em estado de necessidade, ou faz uma rutura de consequências imprevisíveis em nome de uma pretensa independência perdida. Poderá sempre tentar um jogo de influência junto dos parceiros de desdita, mas ficará à mercê da boa vontade.

A grande pecha - ou farsa? - reside na falta de explicação das razões pelas quais Portugal ou se amanha orgulhosamente só (como diria o outro...) ou não tem remédio e está obrigado a ir a despacho - até para encontrar alternativa à inviabilização de políticas pelo único patamar de Poder (ainda) respeitado, o Tribunal Constitucional.

Teatrais, os senhores da política portuguesa propõem decisões como se dispusessem de autonomia para tal. E não dispõem. Esconder propostas ou berrar contra o respetivo conteúdo logo que descoberto é apenas um dos seus atos trágico-cómicos.

O tempo atual, por exemplo, é marcado pela celeuma em torno da apresentação em Bruxelas do Documento de Estratégia Orçamental (DEO), balizado pela obrigatoriedade de fazer cortes para cumprir parâmetros de défice para 2015 e, um pouco cruzado pela mesma temática, por documento da União Europeia no qual estão definidos pressupostos para tornar reduções de pensões e reformas em definitivas e, já agora, parametrizar novos cálculos de valores pela indexação à demografia e ao comportamento da Economia.
É um horror o país pôr-se assim, de cócoras?

Pois. Uns fazem de conta, abespinhados, e outros assobiam para o ar. Mentem, ora com os dentes todos, ora por omissão.

Os erros do passado - cometidos por todos - transformaram Portugal num protetorado. Recuperar a independência tem um preço elevadíssimo e seria bem mais útil os artistas confrontarem-nos com os prós e os contras das ações necessárias para tal.

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